O que Deus quer de mim? O que devo fazer para agradá-lo? Perguntas muito comuns a todos aqueles que fazem a experiência da própria limitação, da própria miséria. No entanto, cada vez que tentamos nos submeter à vontade de Deus simplesmente pelo fato de que experimentamos o quão miseráveis somos, não somos capazes de encontra-lo, e menos ainda compreender o caminho de reconciliação. Voltar-se para Deus apenas por vergonha do próprio pecado não é o mesmo que ama-lo. Agradar a Deus envolve uma coragem que só pode ser plena diante da humildade. Trata-se de dar um salto, um salto de fé, sem equipamentos, sem certezas. Imagine-se no alto de um penhasco, o caminho para o amor de Deus é simplesmente pular deste penhasco – simples. Você chega à beira do precipício, e não consegue ver o ‘fundo’, nasce a dúvida: Será? O que acontece com nossa experiência de Deus hoje é parecido: sabemos exatamente o que fazer, mas todas as vezes somos acometidos pelo medo, por não vislumbrar racionalmente onde esse salto no penhasco de Deus nos levará. Alguns que se julgam espertos tentam se amarrar nas cordas da ciência, dos conhecimentos e descer lentamente o precipício. O elemento da segurança nos faz encontrar um buraco vazio – nós mesmos tiramos Deus de lá, pela nossa desconfiança e soberba. Falta-nos coragem – não confiamos no amor de Deus, não acreditamos que Ele nos amparará, não admitimos que do salto cairemos em seus braços. Nossa soberba humana em resolver toda nossa vida a partir da nossa própria ciência e razão nos afastou de Deus, sufocou nossa fé. O desejo de racionalizar tudo tirou nossa humildade – hoje, queremos conhecer Deus por nosso esforço unicamente, colocá-lo em nossos laboratórios – tomamos para nós a tarefas de mesmo definir se Ele é Deus de fato. Não temos coragem de ir até Deus, e muito menos humildade para o acolher quando vem a nós. Em suma, tentamos agradar a Deus, não por Ele mesmo, por conhecer e experimentar seu amor – mas por uma obrigação, ou, pior ainda, para alcançar méritos, exibir, como fariseus um status, um diploma de proximidade com Ele.
No entanto, não podemos sucumbir e nos acomodar em nossos costumes. Não podemos continuar contemplando o penhasco ou descendo com cordas os precipícios. Se de fato nossa alma anseia por agradar a Deus, entregar-se a Ele, precisamos de uma atitude radical e contínua. E é Ele mesmo que nos ensina como, através de seus eleitos, seus homens de fé. “Mas Abraão acreditou sem jamais duvidar. Acreditou no absurdo. Se tivesse duvidado, agiria de outro modo, teria mesmo realizado um ato magnífico. [...] enterraria a faca no próprio peito. O mundo tê-lo-ia admirado e nunca o seu nome seria esquecido; mas uma coisa é suscitar justa admiração e outra ser a estrela que guia e salva o angustiado. Mas Abraão acreditou. Não rogou para enternecer o Senhor a seu favor; nunca se antecipou em súplicas senão quando o justo castigo desabou sobre Sodoma e Gomorra.” (KIERKEGAARD, 1979, p. 120). Abraão saltou de seu penhasco – não havia garantias, não havia certezas, a razão já não cabia naquele gesto – ele apenas tinha fé. “A fé é a garantia dos bens que se esperam, a prova das realidades que não se veem. Foi ela que valeu aos antigos seu belo testemunho. [...] Foi pela fé que Abraão, tendo sido provado, ofereceu Isaac; ofereceu o filho único, ele que recebera as promessas, ele, aquém fora dito: É por Isaac que uma descendência te será assegurada. Mas ele dizia: Deus é capaz também de ressuscitar os mortos. Por isso, recuperou seu filho, como um símbolo.” (Hb 11, 1-2.17-19). Só podemos agradar a Deus se depositamos nEle a confiança que brota da certeza de sermos amados. “Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele quem nos amou e enviou-nos seu Filho como vítima de expiação pelos pecados do mundo.” (1Jo 4, 10). Assim, em última análise, se não conseguimos dar o salto da fé, é porque não nos sentimos verdadeiramente amados. Não conseguimos agradar a Deus porque, na verdade, não conseguimos reconhecer seu amor em nós.
O pecado age em nós em uma dupla vertente: ao mesmo tempo que nos afasta de Deus, gera também um receio e uma vergonha em voltar para Ele, quando a vergonha age ainda dentro do pecado, tendemos a nos afastar ainda mais. Quanto mais distantes estivermos de Deus, menos podemos sentir seu amor – não que Ele tenha diminuído, mas a luz sempre parece mais fraca quando ainda estamos distantes dela. Diante do pecado, ao experimentarmos o mal que ele causa em nós, tentamos novamente agradar a Deus, mas muitas vezes, voltamo-nos para Ele de maneira errada – por medo ou obrigação. O caminho até Deus não pode ser outro senão o do amor. O amor de Deus não tem medidas – e para nos ensinar o verdadeiro caminho Ele mesmo se fez homem, diminuindo-se revelou a nossa vocação, nossa dignidade, nosso lugar em seu amor. E o caminho que Ele propõe não é impossível, é da própria humanidade que Ele usa para nos mostrar seu amor, sua misericórdia. Se nos detivermos no Evangelho de João, no primeiro sinal que Jesus realiza, notaremos a delicadeza de seu amor nos gestos de Jesus: “Havia ali seis talhas de pedra, para a purificação dos judeus, cada um contendo de duas a três medidas. Jesus lhes disse: ‘Enchei as talhas de água’ Eles as encheram até à borda. Então lhes disse: ‘Tirai agora e levai ao mestre-sala.’ Eles levaram. Quando o mestre-sala provou a água transformada em vinho – ele não sabia de onde vinha, mas o sabiam os serventes que haviam retirado a água [...]” (Jo 2, 6-9). As talhas que Jesus usa para trazer até nós a sua nova e definitiva aliança são as talhas de ‘purificação’ – o lugar onde os judeus lavam aquilo que está sujo – o caminho que Jesus nos propõe em sua aliança passa sim pelo nosso pecado e nossa miséria. A humanidade precisa reconhecer sua miséria, sua lama para que possa enfim experimentar o amor de Deus – não se trata de um castigo, muito pelo contrário, é um gesto de amor. A misericórdia de Deus reage à nossa humildade. Como Paulo nos lembra em sua Carta aos Romanos: “Ora, a Lei interveio para que avultasse a falta; mas onde avultou o pecado, a graça superabundou.” (Rm 5,20). É quando temos a humildade de reconhecer nossa miséria que Deus pode agir com seu amor em nossa vida. A humildade é o primeiro passo da decisão de pular no abismo do amor de Deus, dessa forma, a humildade é pressuposto de fé.
No entanto, além da humildade, é preciso ainda a coragem – elemento final para aqueles que querem agradar a Deus. Corajoso é aquele que consegue se olhar no espelho da realidade sem as máscaras da ilusão. Nosso conceito de perfeição é, no mínimo, pervertido – consideramos perfeito aquilo que é simétrico, geometricamente alinhado – essa perfeição nunca alcançaremos diante de Deus – Ele é Deus, e nós suas criaturas. A perfeição que agrada a Deus está diretamente ligada à humildade e à coragem. Humildade para percorrer um caminho humano, coragem para reconhecer os próprios limites, e se levantar todas as vezes que cair, coragem para correr para os braços de Deus – não por mérito, mas porque Ele nos amou primeiro. No entanto, como podemos ter essa coragem? Como se lançar no incerto? A coragem nos leva diretamente até a cruz de Cristo. O Amor morreu na cruz para que a esperança pudesse nascer no coração dos homens. Por sua morte Cristo faz nascer em nós a esperança da vida que nos espera se nos entregarmos ao seu amor. A esperança nasce da dor, no momento ápice em que Deus constrói a ponte de volta para Ele – a madeira desta ponte é a mesma da Cruz. Cristo teve coragem, e de sua coragem tem que nascer também a nossa. Está claro que ser corajoso nos trará sofrimentos, cruzes – mas temos em nós a esperança dAquele que venceu a morte. Coragem e humildade – o que agrada a Deus! O que agrada Àquele que nos amou primeiro, é que em nossa fragilidade, conscientes de nossa miséria, e mesmo partindo dela, tenhamos a coragem de aceitar o seu amor. Agrada a Deus que nos sintamos amados pelo que somos, e não por méritos. Agrada a Deus que nos abandonemos em seu abismo, que pode até mesmo passar pela morte, mas com certeza para nos dar uma vida nova. O que agrada a Deus é que a esperança que Ele plantou em nosso coração pela morte de seu Filho possa dar frutos.
REFERÊNCIAS
BÍBLIA DE JERUSALÉM. 1ª Ed. 9ª reimpressão. São Paulo: Paulus, 2002.
KIERKEGAARD, Sören. Diário de um sedutor; Temor e Tremor; O desespero Humano. Tradução Carlos Grifo, Maria J. Martinho, Adolfo Casais M. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 109-185.
No entanto, não podemos sucumbir e nos acomodar em nossos costumes. Não podemos continuar contemplando o penhasco ou descendo com cordas os precipícios. Se de fato nossa alma anseia por agradar a Deus, entregar-se a Ele, precisamos de uma atitude radical e contínua. E é Ele mesmo que nos ensina como, através de seus eleitos, seus homens de fé. “Mas Abraão acreditou sem jamais duvidar. Acreditou no absurdo. Se tivesse duvidado, agiria de outro modo, teria mesmo realizado um ato magnífico. [...] enterraria a faca no próprio peito. O mundo tê-lo-ia admirado e nunca o seu nome seria esquecido; mas uma coisa é suscitar justa admiração e outra ser a estrela que guia e salva o angustiado. Mas Abraão acreditou. Não rogou para enternecer o Senhor a seu favor; nunca se antecipou em súplicas senão quando o justo castigo desabou sobre Sodoma e Gomorra.” (KIERKEGAARD, 1979, p. 120). Abraão saltou de seu penhasco – não havia garantias, não havia certezas, a razão já não cabia naquele gesto – ele apenas tinha fé. “A fé é a garantia dos bens que se esperam, a prova das realidades que não se veem. Foi ela que valeu aos antigos seu belo testemunho. [...] Foi pela fé que Abraão, tendo sido provado, ofereceu Isaac; ofereceu o filho único, ele que recebera as promessas, ele, aquém fora dito: É por Isaac que uma descendência te será assegurada. Mas ele dizia: Deus é capaz também de ressuscitar os mortos. Por isso, recuperou seu filho, como um símbolo.” (Hb 11, 1-2.17-19). Só podemos agradar a Deus se depositamos nEle a confiança que brota da certeza de sermos amados. “Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele quem nos amou e enviou-nos seu Filho como vítima de expiação pelos pecados do mundo.” (1Jo 4, 10). Assim, em última análise, se não conseguimos dar o salto da fé, é porque não nos sentimos verdadeiramente amados. Não conseguimos agradar a Deus porque, na verdade, não conseguimos reconhecer seu amor em nós.
O pecado age em nós em uma dupla vertente: ao mesmo tempo que nos afasta de Deus, gera também um receio e uma vergonha em voltar para Ele, quando a vergonha age ainda dentro do pecado, tendemos a nos afastar ainda mais. Quanto mais distantes estivermos de Deus, menos podemos sentir seu amor – não que Ele tenha diminuído, mas a luz sempre parece mais fraca quando ainda estamos distantes dela. Diante do pecado, ao experimentarmos o mal que ele causa em nós, tentamos novamente agradar a Deus, mas muitas vezes, voltamo-nos para Ele de maneira errada – por medo ou obrigação. O caminho até Deus não pode ser outro senão o do amor. O amor de Deus não tem medidas – e para nos ensinar o verdadeiro caminho Ele mesmo se fez homem, diminuindo-se revelou a nossa vocação, nossa dignidade, nosso lugar em seu amor. E o caminho que Ele propõe não é impossível, é da própria humanidade que Ele usa para nos mostrar seu amor, sua misericórdia. Se nos detivermos no Evangelho de João, no primeiro sinal que Jesus realiza, notaremos a delicadeza de seu amor nos gestos de Jesus: “Havia ali seis talhas de pedra, para a purificação dos judeus, cada um contendo de duas a três medidas. Jesus lhes disse: ‘Enchei as talhas de água’ Eles as encheram até à borda. Então lhes disse: ‘Tirai agora e levai ao mestre-sala.’ Eles levaram. Quando o mestre-sala provou a água transformada em vinho – ele não sabia de onde vinha, mas o sabiam os serventes que haviam retirado a água [...]” (Jo 2, 6-9). As talhas que Jesus usa para trazer até nós a sua nova e definitiva aliança são as talhas de ‘purificação’ – o lugar onde os judeus lavam aquilo que está sujo – o caminho que Jesus nos propõe em sua aliança passa sim pelo nosso pecado e nossa miséria. A humanidade precisa reconhecer sua miséria, sua lama para que possa enfim experimentar o amor de Deus – não se trata de um castigo, muito pelo contrário, é um gesto de amor. A misericórdia de Deus reage à nossa humildade. Como Paulo nos lembra em sua Carta aos Romanos: “Ora, a Lei interveio para que avultasse a falta; mas onde avultou o pecado, a graça superabundou.” (Rm 5,20). É quando temos a humildade de reconhecer nossa miséria que Deus pode agir com seu amor em nossa vida. A humildade é o primeiro passo da decisão de pular no abismo do amor de Deus, dessa forma, a humildade é pressuposto de fé.
No entanto, além da humildade, é preciso ainda a coragem – elemento final para aqueles que querem agradar a Deus. Corajoso é aquele que consegue se olhar no espelho da realidade sem as máscaras da ilusão. Nosso conceito de perfeição é, no mínimo, pervertido – consideramos perfeito aquilo que é simétrico, geometricamente alinhado – essa perfeição nunca alcançaremos diante de Deus – Ele é Deus, e nós suas criaturas. A perfeição que agrada a Deus está diretamente ligada à humildade e à coragem. Humildade para percorrer um caminho humano, coragem para reconhecer os próprios limites, e se levantar todas as vezes que cair, coragem para correr para os braços de Deus – não por mérito, mas porque Ele nos amou primeiro. No entanto, como podemos ter essa coragem? Como se lançar no incerto? A coragem nos leva diretamente até a cruz de Cristo. O Amor morreu na cruz para que a esperança pudesse nascer no coração dos homens. Por sua morte Cristo faz nascer em nós a esperança da vida que nos espera se nos entregarmos ao seu amor. A esperança nasce da dor, no momento ápice em que Deus constrói a ponte de volta para Ele – a madeira desta ponte é a mesma da Cruz. Cristo teve coragem, e de sua coragem tem que nascer também a nossa. Está claro que ser corajoso nos trará sofrimentos, cruzes – mas temos em nós a esperança dAquele que venceu a morte. Coragem e humildade – o que agrada a Deus! O que agrada Àquele que nos amou primeiro, é que em nossa fragilidade, conscientes de nossa miséria, e mesmo partindo dela, tenhamos a coragem de aceitar o seu amor. Agrada a Deus que nos sintamos amados pelo que somos, e não por méritos. Agrada a Deus que nos abandonemos em seu abismo, que pode até mesmo passar pela morte, mas com certeza para nos dar uma vida nova. O que agrada a Deus é que a esperança que Ele plantou em nosso coração pela morte de seu Filho possa dar frutos.
REFERÊNCIAS
BÍBLIA DE JERUSALÉM. 1ª Ed. 9ª reimpressão. São Paulo: Paulus, 2002.
KIERKEGAARD, Sören. Diário de um sedutor; Temor e Tremor; O desespero Humano. Tradução Carlos Grifo, Maria J. Martinho, Adolfo Casais M. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 109-185.