O REI DAVI E A REENCARNAÇÃO

“Todavia, porquanto com este feito, deste lugar sobremaneira a que os inimigos do Senhor blasfemem, também o filho que te nasceu certamente morrerá”. (2 Samuel 12:14)¹

O rei Davi com a intenção de desposar Bate-Seba mulher de Urias, planejou um meio de provocar a morte dele colocando-o na frente de batalha contra os Amonitas, onde inevitavelmente veio a perecer [2]. Davi acolheu a viúva como esposa e ela lhe deu um filho.

O profeta Natã, médium que exercia o mediunato naquele tempo, por inspiração divina, vai ao encontro do rei e o repreende severamente [3], levando-o a reconhecer a própria culpa e a arrepender-se (Salmo 51). Contudo, Apesar do remorso de Davi, inesperadamente, o profeta também prenuncia a sentença de morte da criança, como resgate pela culpa do pai.

Analisando o episódio acima, verificamos a sua identificação com algumas passagens contidas nos livros de Êxodo e Números [4], onde se afirma que o pecado dos pais recebe a punição na pessoa dos filhos.

No entanto, Como é possível conciliar esses versículos com as passagens que exortam justamente o contrário, preconizam a responsabilidade individual. Nos livros de Jeremias, Ezequiel e Deuteronômio podemos Ler as seguintes instruções: “os pais não serão mortos em lugar dos filhos, nem os filhos em lugar dos pais, cada um será executado pelo seu próprio crime.” [5]

À primeira vista, parece difícil harmonizar ideias tão conflitantes, ainda mais quando se relaciona com ensinos que, para os Judeus provinham do próprio Deus.

Todavia, é preciso lembrar que as ideias acerca da justiça divina não são a mesmas em todas as etapas da História do povo hebreu. Os atributos divinos manifestavam muitas vezes as imperfeições humanas, pois, os próprios hebreus, guerreiros que exterminavam povos na palestina, não poderiam adorar um Deus extremamente bondoso, Deus teria que ter a mesma índole guerreira, sendo o protetor exclusivo do povo escolhido. Dessa forma, era muito natural para eles o principio da retribuição coletiva, isto é, a solidariedade no castigo entre membros de uma mesma família, tribo ou nação.

Em vista disso, os Hebreus, embora cressem em um Deus único, eram ainda rudes, violentos e indisciplinados, iguais aos povos das nações idolatras que combatiam. O monoteísmo era o seu único diferencial. Contudo, a espiritualidade aos poucos trazia ideias novas através dos profetas, a fim de moldar a índole do povo, apresentando novos conhecimentos sobre a justiça divina. Assim, podemos observar nessa evolução de ideias que os livros: Deuteronômio, Ezequiel e Jeremias, vieram num período posterior aos livros de Êxodo e números; o Deuteronômio, por exemplo, somente seria descoberto já nos momentos finais do reinado em Judá (2Reis 22:8) e trazia algum avanço que seria mais bem explanado em Ezequiel e Jeremias que tambem foram muito posteriores ao período Davídico.

Sendo assim, durante a época de Davi imperava o medo de Deus como um ser ciumento, que se fazia respeitar pelo temor [6] e que manifestava a sua justiça pela retribuição coletiva.

Entretanto, mesmo sendo erroneamente compreendida pelos homens da época, devido às suas limitações morais e intelectuais, a justiça infinita de Deus estava a todo o momento sendo aplicada. Funcionando em sua imparcialidade e misericórdia, segundo o princípio de responsabilidade individual, pela lei de ação e reação, dando a cada um segundo as suas obras. E somente a Lei da reencarnação pode explicar essas contradições em harmonia com essa justiça.

Podemos encontrar na Codificação Espírita varias questões que elucidam a passagem em tela.

A questão 199 de “O Livro dos Espíritos” traz o assunto das mortes de crianças em tenra idade:

P- “Por que a vida, frequentemente, é interrompida na infância?

R- A duração da vida de uma criança pode ser, para o Espírito que está nela encarnado, o complemento de uma existência interrompida antes do seu tempo marcado, e sua morte, no mais das vezes, é uma prova ou expiação para os pais.”

Na questão 334 Allan Kardec ainda pergunta aos Espíritos superiores o seguinte:

P- “A união da alma, com tal ou tal corpo, é predestinada ou é apenas no último momento que se faz a escolha?

R- O Espírito é sempre designado antes, O Espírito escolhendo a prova que deve suportar, pede a encarnação. Ora, Deus que tudo sabe e tudo vê, sabe e vê antecipadamente que tal alma se unirá a tal corpo.” [7]

É assim que, a criança como um Espírito reencarnado não foi na verdade punida pela falta de seus pais (como fruto de um escândalo de adultério e morte). Mas, provavelmente complementava uma existência interrompida bruscamente numa encarnação anterior ou resgatava dívidas contraídas por ela própria em existências passadas. Ao mesmo tempo, essa breve reencarnação servia de instrumento da sabedoria divina para assegurar aos olhos dos homens da época o temor a um Deus violento. [8]

Referencias:

[1] Bíblia Sagrada. João Ferreira de Almeida. Ed. 1995 São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2005.

[2] 2Sam 11:4-5; 14-25

[3] 2Sam 12:1-12, 2:13

[4] Êxodo 20:5-6; 34:6-7 / Números 14:18

[5] Jeremias 31:29-30 / Ezequiel 18:4-20 / Deuteronômio 7:9,24:16

[6] Êxodo 19:16-25; 20:18-21, Levítico 26:1-46

[7] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução: Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. Araras, SP, IDE, 82ª edição, 1994.

[8] Deuteronômio 32:39;