O MISTÉRIO MAIS PROFUNDO DO UNIVERSO

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Na cidade libanesa de Beirute, durante os anos da sangrenta guerra civil, um grupo de cientistas resolveu realizar um experimento cujos resultados, apesar de não terem sido particularmente divulgados na Internet, são simplesmente surpreendentes. Basicamente, foram recrutados vários grupos de pessoas acostumadas à meditação profunda (monges e laicos) aos quais foi pedido de meditar ininterruptamente sobre a paz -durante uma hora- em vários momento do dia. Os resultados desse teste mostraram que na hora em que um grupo meditava diminuíam os atentados terrorísticos, decrescia o número de pessoas internadas no Pronto Socorro e era até menor o número de brigas e de acidentes de trânsito. Como podemos interpretar esses dados? Uns dirão que foi por causa da intervenção da Providência divina, mas existe outra explicação mais racional cujos alicerces se encontram na Mecânica Quântica (MQ) mostrando que as inúmeras realidades pessoais não estão separadas entre elas, como estamos acostumados a pensar, mas se fundem numa dimensão que é familiar aos adeptos da filosofia oriental, hinduísta e budista. Essa dimensão tem um respaldo na Física contemporânea onde é conhecida com o nome de Universo holográfico, cuja explicação será o objeto do presente artigo.

Antes de entrar no vivo da matéria, é necessário esclarecer alguns conceitos básicos da MQ, tendo sempre em mente as palavras pronunciada pelo cientista dinamarquês Niels Bohr (1885-1962), considerado o pai da MQ e ganhador do prêmio Nobel pela Física em 1922. Ele disse: “Tudo o que nós chamamos de real é feito de coisas que não podem ser consideradas reais”. Isso é o mesmo que dizer que a matéria não existe. De fato, a MQ é aquela parte da Física, nascida em torno dos anos ’20 do século passado, que trata de fenômenos relacionados com objetos muito pequenos (átomos, fótons, elétrons e outras partículas elementares) pelos quais não se aplicam totalmente as leis da Mecânica Clássica. Uma das características mais marcantes dessa disciplina é que as suas equações permitem prever resultados com uma precisão surpreendente, imensamente superior àquela obtida com os métodos da Mecânica Clássica. Entretanto, apesar dessa qualidade, ninguém consegue entender o que realmente é a MQ, conforme as afirmações do grande físico americano Richard Feynman, prêmio Nobel em 1965 e considerado o cientista mais importante depois de Einstein.

Mas por qual motivo tanto Feynman quanto outros físicos eminentes sempre acreditaram que dificilmente o ser humano poderá compreender a MQ? O fato é que, enquanto a Mecânica Clássica reflete a nossa experiência cotidiana, a MQ é anti-intuitiva e desafia o bom senso. Vou explicar esse conceito com um simples exemplo. Imaginamos de colocar um dado dentro duma caixinha e de sacudi-la várias vezes: o dado se posicionará de forma aleatória e o número só poderá ser visto no instante em que a caixinha for aberta. Entretanto, mesmo que a caixa não seja aberta, esse número existe de verdade, embora inconhecível, mas existe objetivamente sendo que o seu valor foi determinado pelo movimento do dado. Vamos agora imaginar um elétron emitido por alguma fonte oportuna; essa partícula, além de massa e carga elétrica característica, possui também um determinado valor de momento angular intrínseco, conhecido com o nome inglês de spin. O spin é um vetor e, como tal, pode ter orientação aleatória no espaço; para conhecer essa orientação é necessário efetuar uma medição, também chamada de observação. Até aqui tudo parece análogo ao caso do dado, mas a grande diferença é que, enquanto o número já existe antes da observação, por incrível que pareça a orientação espacial do spin é gerada no momento exato da observação. Antes dela, como comprovado por inúmeros experimentos, o spin fica indeterminado, sendo o ato da observação o fator que obriga o elétron a escolher a orientação do spin. Essa estranheza vale para toda qualquer partícula elementar e contrasta fortemente com a nossa experiência cotidiana sendo, em Física, denominada “paradoxo da observação”.

Outra verdade conturbadora é que os objetos do mundo onde se aplicam as lei da MQ apresentam as características tanto de partículas quanto de ondas. No que diz respeito à luz, uns experimentos mostram que ela se comporta como uma onda eletromagnética, outros que é formada por partículas chamadas fótons, e jamais essa dualidade pode ser anulada: quando aparece a onda desaparece o corpúsculo e vice-versa. Nada disso acontece no mundo macroscópico real, com os objetos bem definidos e que nos são familiares. É como se os objetos do mundo microscópico pertencessem a uma dimensão fantástica onde as coisas funcionam de modo bizarro, igual Alice no País das Maravilhas! Outro fato incomum é o princípio de indeterminação de Heisenberg segundo o qual, no caso da MQ, não se pode medir exatamente ao mesmo tempo a posição e a velocidade duma partícula devendo-se escolher entre uma grandeza e a outra. Se o leitor ficou perplexo, saiba que isso não é nada em comparação ao que vou descrever daqui a pouco.

Acabamos de ver que certas características físicas das partículas elementares, como o spin, se encontram num estado indeterminado (ou “sobreposição quântica”, como dizem os físicos). Acontece que existem fenômenos, como o decaimento radioativo, durante os quais são geradas duas partículas gêmeas caracterizadas por possuírem valores de spin (ou de polarização no caso dos fótons) opostos. Ou seja, uma possui o spin orientado para cima, outra para baixo, mas não se pode saber isso de antemão porque, como foi dito antes, nunca foram observadas (medidas) por ninguém e, por isso, ainda se encontram num estado indeterminado de sobreposição quântica. O fato é que, observando uma dessas partículas, automaticamente fica determinado o valor da outra porque elas foram geradas no mesmo evento: esse fenômeno é chamado de entrelaçamento quântico, em inglês entanglement. Para exemplificar, vamos supor que uma fábrica produza luvas em pares. Dentro de cada embalagem de papelão se encontram dois saquinhos não transparentes: um contendo uma luva esquerda e outro contendo uma luva direita. Imaginamos agora que João compre uma dessas embalagens, retire os dois saquinhos, fique com um e entregue o outro para a sua namorada Maria que volta para casa. Os dois não sabem se dentro do saquinho a luva é direita ou esquerda, mas no momento em que João abre o seu e descobre que, por exemplo, ela é direita, logo pode afirmar com segurança absoluta que a luva que ficou com Maria será esquerda, mesmo que Maria se encontre a milhares de quilômetros de distância. Todavia, enquanto no caso das luvas elas são ou direitas ou esquerdas desde o momento em que foram produzidas, isso não vale com as partículas que “decidem” como ser somente no momento em que alguém olha para elas. O leitor tem que se convencer que certas propriedades desses objetos microscópicos estão realmente indeterminadas até o momento em que a medição é efetuada e é isso que torna a MQ tão esquisita para o nosso raciocínio.

Na metade dos anos ’30 do século passado Einstein, que rejeitava a MQ, junto com os físicos Podolsky e Rosen, imaginou um experimento mental que passou a ser chamado de paradoxo EPR. Esses três cientistas afirmaram que, caso duas partículas gêmeas tivessem sido geradas no espaço interplanetário deixando que elas se afastassem, digamos, de um ano-luz, no momento em que uma era observada devia “decidir” o valor que ainda se encontrava indeterminado e, instantaneamente, também a outra devia fazer a mesma coisa. O problema, observaram Einstein e os colegas, era que a informação ia ser transmitida de uma partícula à sua gêmea com uma velocidade praticamente infinita, contradizendo destarte o alicerce da teoria da relatividade que afirma não existir nada mais veloz que a luz. A disputa entre os defensores e os detratores da teoria do entanglement ficou suspensa durante trinta anos até que o brilhante físico irlandês John Bell descobriu um teorema (desigualdade de Bell) que foi comprovado experimentalmente pela primeira vez em 1982 pelo cientista francês Alain Aspect. Viu-se, efetivamente, que os fautores da MQ tinham razão e Einstein estava errado. Isso significa que partículas geradas no mesmo evento quântico possuem a capacidade quase telepática de comunicar instantaneamente entre si!

Uma consequência fascinante dessa descoberta é que, sendo as partículas que formam o universo filhas do mesmo evento quântico conhecido como Big Bang, elas são todas irmãs e, portanto, todas entangled (entrelaçadas). É como se existissem fios invisíveis ligando todos os átomos e as moléculas do cosmo, inclusive as que compõem os nossos cérebros. Um ponto de vista mais rigoroso foi o proposto em 1952 por David Bohm, um físico americano que lecionou também na USP; segundo ele existem dois diferentes ordens (camadas) do universo: uma ordem implícita, bidimensional, escondida e inacessível, na qual os eventos estão interligados como a malha duma rede. Dessa ordem emerge outra, explícita e tridimensional, na qual todos nós vivemos e nela os objetos aparecem separados tanto no espaço como no tempo, mas essa seria apenas uma aparência, uma ilusão. É evidente que esse modelo explica perfeitamente o mistério do entanglement pois, na verdade, as duas partículas estão conexas entre elas podendo até se tratar de uma partícula só! Embora no início dos anos ’50 os físicos olhassem com desconfiança à teoria de Bohm -que, em seguida tornou-se grande amigo do psicólogo hindu Krishnamurti- atualmente ela é tida como extremamente séria e está à base do famoso modelo de Universo holográfico que será ilustrado no parágrafo sucessivo.

Vamos agora considerar uns fenômenos aparentemente paradoxais envolvendo os buracos negros. Imaginamos que um astronauta se aproxime demais a um desses objetos até ser sugado além do que os físicos chamam de “horizonte dos eventos”. O pobre nem se daria conta de ter ultrapassado o limite além do qual nem a luz pode voltar atrás e continuaria afundando na direção do centro desse buraco negro até, eventualmente, ser esmagado pela força de gravidade. No entanto, um seu colega, posicionado ainda fora do horizonte dos eventos, nunca o veria ultrapassar esse limite, nem que passassem bilhões de anos. Veria apenas o amigo se aproximando, cada vez mais vagarosamente, à superfície esférica delimitando esse horizonte, sem jamais ultrapassá-la: trata-se de um efeito relativístico comprovado pelas equações de Einstein. Pior ainda, de acordo com as teorias mais modernas, na superfície do horizonte dos eventos, vista do lado de fora, a temperatura é infinita e o astronauta seria frito! O problema é o seguinte: o astronauta improvidente morre esmagado no centro do buraco negro ou é cozinhado na sua superfície? A resposta depende do que lado se observa o fenômeno, mas é óbvio que não pode haver duas verdades diferentes.

Outra coisa. Uma das leis fundamentais da Física afirma que os bits (ou seja a informação) são indestrutíveis. Mas se alguém pegar um bit e o joga dentro de um buraco negro ele desaparece do mundo real e, destarte, a informação não é conservada. Poderíamos opinar dizendo que jogar um bit num buraco negro seria o mesmo que fechá-lo dentro dum cofre e depois destruir a chave: mesmo que inacessível, a informação continuará existindo para sempre no interno do cofre. Essa observação seria correta se não existisse um teorema, descoberto por Stephen Hawking, segundo o qual os buracos negros evaporam, mesmo que muito lentamente, emitindo radiação térmica. Dessa forma, com o desaparecimento final do buraco negro, a informação será perdida pois a emanação de radiação térmica é um evento quântico e, portanto, completamente aleatório. Mas se a informação não pode ser perdida, como explicar o fato que, com a evaporação do buraco negro ela se perde definitivamente?

Um terceiro paradoxo tem a ver com a entropia dos buracos negros. A entropia é, basicamente, a quantidade de informação contida num determinado volume e é intuitivo pensar que um volume grande contenha mais informação que um volume pequeno. Para se convencer basta comparar um livro com uma biblioteca: é evidente que nessa última a informação é bem maior daquela que se encontra num livro. Consequentemente, é lógico cogitar que quanto mais informação for jogada dentro dum buraco negro, maior será o seu volume. Todavia, o físico Jacob Bekenstein descobriu, em 1972, que no caso de um buraco negro o que cresce proporcionalmente à informação não é o volume, mas a superfície do horizonte dos eventos. É como se os bits, em vez de entrar no buraco negro, forrassem a sua superfície externa e essa tivesse que se dilatar progressivamente toda vez que chegam novos bits. Então, afinal das contas, a entropia depende do volume ou da superfície?

A única forma possível de superar esses três paradoxos é a de admitir a consistência da hipótese holográfica do Universo. Naturalmente não se trata de um verdadeiro holograma como os que conhecemos, produzidos por meio de um raio laser, mas de uma estrutura análoga, principalmente em seu aspecto fundamental, representado pela propriedade que cada parte de uma placa fotográfica holográfica contém toda a imagem. No caso do astronauta que entrou num buraco negro, o observador esterno vai se dar conta que a informação espalhada na superfície que delimita o horizonte dos eventos representa o holograma (bidimensional) de tudo o que acontece do lado de dentro dessa superfície (realidade tridimensional). Esse princípio não se aplica unicamente aos buracos negros, mas vale para qualquer porção de espaço, ou seja, o conteúdo de qualquer volume espacial está relacionado aos bits que se encontram, entrelaçados, na superfície desse volume e a Física que governa a informação espalhada na superfície é diferente daquela que vale para o nosso espaço material tridimensional. Isso não é pura ficção científica, tanto que recentemente, cientistas japoneses e de outras nacionalidades calcularam fenômenos quânticos seja utilizando o formalismo matemático típico da MQ, seja as equações que regem a hipótese holográfica do Universo obtendo resultados absolutamente idênticos!

Voltando a David Bohm, ele deu também contribuições teóricas significativas ao desenvolvimento do modelo holonômico de funcionamento do cérebro. Em colaboração com Karl Pribram, neurocientista de Stanford, estabeleceu os fundamentos para a teoria de que o cérebro funciona de forma similar a um holograma, segundo princípios matemáticos e padrões de ondas. Bohm, ao ler um livro do indiano Krishnamurti, percebeu a profunda analogia sobre suas ideias em MQ e a filosofia desse notável pensador cujos escritos não se ligam a nenhuma religião específica, mas ao mundo na sua globalidade. Krishnamurti afirmou que “a Verdade é uma terra sem caminho. O homem não pode atingi-la por intermédio de nenhuma organização, de nenhuma religião. Tem de encontrá-la através do espelho do relacionamento, através da compreensão dos conteúdos da sua própria mente, através da observação". A visão holística de Krishnamurti, adotada também por David Bohm, tem o seu alicerce na filosofia do não-dualismo, descrita na Advaita Vedanta, segundo a qual a divisão entre o observador e o que está sendo observado se encontra apenas dentro das nossas mentes sendo, na verdade, puramente ilusória. Em outras palavras, o autor desse artigo e cada um de seus leitores se encontram entrelaçados (entangled) em algum ponto do Universo holográfico. Cada ponto desse holograma cósmico, por pequeno que seja, contêm tudo o que existe no nosso Universo.

Quem, mesmo sem nada saber de MQ e de complicadas equações entendeu perfeitamente o conceito de não-dualidade -implicitamente presente na teoria do Universo holográfico- foi a grande poetisa Cecília Meireles cujos versos mostram como ela acreditasse na possibilidade da fusão total entre o ego individual e os egos exteriores. Desse modo, Cecília transmitiu a ideia de que é possível confundir-se com o Absoluto e que não há separação entre subjeto e objeto, entre o ser humano e Deus. Segue o poema “Cântico II” no qual se encontra manifesto o pensamento da imortal poetisa brasileira:

Não sejas o de hoje.

Não suspires por ontens...

Não queiras ser o de amanhã.

Faze-te sem limites no tempo.

Vê a tua vida em todas as origens.

Em todas as existências.

Em todas as mortes.

E sabe que serás assim para sempre.

Não queiras marcar a tua passagem.

Ela prossegue:

É a passagem que se continua.

É a tua eternidade.

És tu.

Richard Foxe
Enviado por Richard Foxe em 27/01/2020
Reeditado em 28/01/2020
Código do texto: T6851841
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