"Tenho sede"

No livro Jesus de Nazaré, da entrada em Jerusalém até a ressurreição, o autor (Joseph Ratzinger – Bento XVI) demonstra com erudição alguns pormenores de acontecimentos relatados nos quatro evangelhos, gostaria de citar e comentar um trecho do livro que achei interessante.

“Tenho sede”

Durante o processo de crucificação de Jesus os evangelhos nos relatam alguns detalhes bem interessantes, num destes está o famoso brado de Jesus: “Tenho sede”. O autor supracitado discorre um pouco sobre este curioso momento, começando com a explicação sobre o processo habitual de crucificação praticado alhures:

“No início da crucificação, como se fazia habitualmente, foi oferecida a Jesus uma bebida anestesiante para atenuar os sofrimentos insuportáveis.” (Ratzinger, p.198)

Esse momento de oferecimento, no qual o autor se refere, nos é relatado no evangelho de Marcos; trata-se do início da crucificação no qual Jesus recusa o “atenuador de dores”:

“Deram-lhe vinho com mirra, que ele não tomou. ” (Mc 15,23)

Segundo Bento XVI, Jesus queria suportar o seu sofrimento de forma plenamente consciente. No ponto culminante da Paixão –continua o autor–, ao sol abrasador do meio-dia, Jesus, suspenso na cruz, bradou: “Tenho sede” (Jo 19,28). Como de costume, foi-lhe oferecido o vinho azedo que os pobres usavam e que se podia qualificar também como vinagre; era considerada uma bebida boa para matar a sede (Ratzinger, p.198).

Fica aqui uma dúvida, Jesus num momento recusa o anestésico, pois queria suportar o sofrimento; e em outro momento, Ele diz que tem sede. Por que ele não quis suportar a sede assim como quis suportar a dor? Seria este um momento simbólico da passagem bíblica?

Para responder estas e outras dúvidas o autor continua...

“Por um lado, a cena é totalmente realista: a sede do Crucificado e a bebida azeda que os soldados costumavam dar nesses casos. Por outro, dela sentimos imediatamente saltar fora o salmo 69, aplicável à paixão, onde o sequioso se lamenta: ‘Deram-me vinagre a beber’ (v.22). Jesus é o Justo sofredor. N’Ele, cumpre-se a paixão do Justo, ilustrada pela Escritura[...]” (Ibid., p.198)

Cruzando esses dois lados citados por Bento XVI, podemos acreditar em uma cena real em que Jesus faz cumprir a figura do orante atribulado do antigo testamento. Além deste salmo, o autor nos lembra que este fato traz presente também o canto da vinha do quinto capítulo do profeta Isaías:

“Nele, Deus apresentara a Israel o seu lamento. Numa colina fértil, Ele plantara uma vinha e dedicara-lhe muitos cuidados. ‘Esperava que ela produzisse uvas boas, mas só produziu uvas azedas’ (Is 5,2). A vinha de Israel não produz para Deus o fruto nobre da justiça, que tem o seu fundamento no amor; produz as uvas azedas do homem que se preocupa apenas consigo mesmo; produz vinagre em vez de vinho. O Lamento de Deus, que ouvimos no conto profético

, concretiza-se nessa hora em que se oferece vinagre ao Redentor sedento. ” (Ibid.,p.198)

Neste momento da Cruz, como relatado, vemos um forte cruzamento com este canto, Deus esperava uvas boas, mas o que veio foram apenas as uvas azedas; Jesus esperava vinho, mas o que lhe foi oferecido foi vinagre (vinho azedo).

Esse bradar: “tenho sede”, não fica “só” alhures, ele perpetua durante o tempo e nos é dirigido, Ele pede a cada um de nós uma resposta ao Seu amor zeloso de vinhateiro, que cuida de Suas vinhas para que elas deem bons frutos, porém, por vezes respondemos a esse cuidado com uvas azedas. Mas por sorte temos a chance de responder esse pedido de forma diferente em quanto ainda temos frutos a oferecer...

Que o Espírito de Deus possa nos guiar para que possamos responder a sede de Jesus, não com vinagre, mas com um vinho semelhante a o do oferecido ao mestre sala nas bodas de Caná.

Bibliografia: Jesus de Nazaré, a entrada em Jerusalém até a ressurreição

Rafael F
Enviado por Rafael F em 18/07/2016
Reeditado em 26/07/2016
Código do texto: T5701911
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