Rezar com Dom Helder

Padre Geovane Saraiva*

Nossa publicação tem o objetivo de apresentar ao amigo admirador e degustador da vida do Servo de Deus e Artífice da Paz, através do nosso livro “Rezar com Dom Helder”, pensamentos, poemas, orações e fotografias na figura daquele que foi mais servo do que príncipe, mais coração do que razão, no seu sonho de perseguir a fraternidade e a solidariedade dos filhos de Deus, ao se dirigir ao Santo Padre, o Papa Paulo VI, repetindo o que alhures já nos valemos em artigo, como sugestão filial quanto profética: “Santo Padre, abandone seu título de rei e vamos reconstruir a Igreja, como nosso Mestre, sendo pobre. Deixe os palácios do Vaticano, vá morar numa casa na periferia de Roma. Pode até ter uma praça para saudar e abençoar as ovelhas. Depois, Santo Padre, convide todos os bispos a largarem tudo o que indica poder, majestade: báculos, solidéus, mitras, faixas peitorais, batinas roxas. Vamos amontoar tudo na Praça de São Pedro e fazer uma grande fogueira, dizendo de peito aberto para o povo: ‘Vejam, não somos mais príncipes medievais. Não moramos mais em palácios. Todos somos pastores, somos pobres, somos irmãos!’”.

O Santo Padre, o Papa Francisco, parece até que encontrou outro Francisco, Dom Helder Câmara, como inspiração, nas palavras de domingo, dia 1º de novembro de 2015, na Solenidade de Todos os Santos, exortando os cristãos a imitarem os gestos de amor e de misericórdia dos santos, na elocução precedida do Angelus, na Praça de São Pedro, asseverando: “Uma característica essencial dos santos: são pessoas que pertencem totalmente a Deus; conservaram intacto o selo de Deus; não só aqueles que foram canonizados, mas também aqueles que vivem ao nosso lado. Se calhar até conhecemos algum, pode ser o nosso vizinho do lado, ou até tivemos algum santo na família” – disse o Santo Padre, que exortou os cristãos a imitarem os santos nos seus gestos de amor e de misericórdia. Dom Helder viveu, de um modo profundamente solidário, ao lado de muitos irmãos e, já em 1948, na condição de padre jovem no Rio de Janeiro, com o possível sonho de um mundo melhor, externou: “Se eu pudesse, sairia povoando de sono e de sonhos as noites mal dormidas dos desesperados”.

Dom Helder Câmara (1909-2009) iniciou sua vida de padre em profunda sintonia e comunhão com Jesus, Pão da Vida, Pão descido do céu, concretamente no exemplo do seu santinho da ordenação sacerdotal, em Fortaleza-CE (15/08/1931), através do qual assim se manifestou: Angelorum esca nutrivisti populum tuum – “Teu povo se alimenta do pão do céu”. Por ser um cidadão planetário, o mundo foi seu campo de ação apostólica, vivendo-a a partir dos 27 anos de idade na Cidade Maravilhosa-RJ (1936-1964). Esquecê-lo jamais o místico, que soube sonhar com as realidades últimas na função de Arcebispo de Olinda e Recife, a partir de abril de 1964. Associados ao nosso Deus altíssimo, terníssimo e boníssimo, elevamos fervorosas preces, desejosos de vê-lo beatificado e canonizado santo oficial da Igreja.

Assaz a participação do artesão da paz no Concílio Vaticano II (1962-1965), agiu excepcionalmente nos bastidores com um articulador muito especial. Certa vez Dom Hélder confidenciou: “Uma de minhas maiores emoções, em toda a minha vida, foi quando da abertura da primeira sessão do Concílio Vaticano II”. Em sua aula inaugural, o Papa João XXIII disse com força: “Aqui estamos para a nossa conversão” e ele mesmo se incluía. Isso significava que nós, cristãos, padres e bispos, e até o Papa, precisávamos voltar às origens do cristianismo e reaprender o Evangelho. Devemos beber novamente da fonte d’água da vida, que é o próprio Deus. O processo de beatificação e canonização de Dom Helder faz-nos pensar em Karl Rahner, sacerdote jesuíta nascido na Alemanha (1904-1984) e que foi um dos maiores e mais importantes teólogos do século XX; certamente, o influenciou enormemente, deixando marcas profundas e forte presença no meio cristão, pela sua ação concreta em favor da Igreja, também seus dons e inteligência privilegiada, destacando-se como assessor do Concílio Vaticano II, além de desempenhar um relevante papel, incentivando a Igreja Católica para que se abrisse ao mundo e às diversas tradições e culturas. Dizia ele com a coragem profética, bem dentro do espírito de Dom Helder, que lhe era peculiar que o cristão do futuro seria um místico, ou não seria nada.

Dom Manoel da Silva Gomes, arcebispo de Fortaleza e seu superior, que o ordenou sacerdote, ao saber do desejo do jovem padre de partir para o Rio de Janeiro, assim se expressou: “Meu filho, é Deus, é Deus que está lhe chamando para o Rio de Janeiro. Vá, meu filho, vá!”. No Rio de Janeiro, Dom Helder se depara com a cruzada de oração, iniciativa de Dom Leme, para afervorar o clero. Seu primeiro gesto, ainda jovem, ao subir ao púlpito para o seu primeiro sermão junto aos colegas de sua nova arquidiocese (aquela figura magra, pálida, de olhos fechados, mãos trêmulas e exaltadas), foi uma oração que nunca caiu no esquecimento. Um sermão que foi quase um escândalo, cobrando dos sacerdotes aquele fervor, aquele entusiasmo que o dia a dia e pouco a pouco se esfriava (...). Conviveu harmoniosamente com Dom Jaime de Barros Câmara, no Rio Janeiro, que um dia, à luz da caridade, chamou a atenção de Dom Helder: “O senhor não pode fazer isso. Um bispo da Igreja é um príncipe, e um príncipe não pode se misturar”.

Como místico, tornou-se conhecido no Brasil e no mundo inteiro por sua luta em favor de uma humanidade livre, especialmente os desafortunados da vida, os empobrecidos, os “sem voz e sem vez”, como ele costumava dizer.

Por tudo, acima citado, e muito mais, fica o convite para rezar com Dom Helder, associados ao Papa Francisco, que logo no início de seu pontificado deu sinais concretos da importância do Concílio Vaticano II: dispensou a cruz de ouro, recusou o carro de luxo, pagou a sua conta na pensão, exortou os bispos a saírem dos palácios e a irem para as periferias, disse que a Igreja sem a cruz é tão somente uma piedosa ONG, pediu a bênção dos fiéis e se esforça para dar rumo aos trabalhos pastorais nos nossos dias. Vejo a essência do seu pontificado nas palavras daquele que era invocado com o nome “Dom da Paz”: “Que eu aprenda afinal, com a paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, a cobrir de véus o acidental e efêmero, deixando, em primeiro plano, apenas o mistério da Redenção”. Assim seja!

*Escritor, blogueiro, colunista, vice-presidente da Previdência Sacerdotal e Pároco de Santo Afonso, Parquelândia, Fortaleza-CE –geovanesaraiva@gmail.com

Geovane Saraiva
Enviado por Geovane Saraiva em 05/11/2015
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