Um novo temo - 140

UM TEMPO NOVO

Aquele que está sentado no trono declarou:

Eis que faço novas todas as coisas (Ap 21,5).

Um jovem, do Rio de Janeiro, provavelmente evangélico, conta

que escutou, num congresso pentecostal, que “a modernidade

tem feito com que os púlpi-tos fiquem cada vez mais

empobrecidos, pois os pastores animam seus auditórios com

frases de efeito, contentam suas igrejas com mensagens

superficiais e sem beleza”. O preletor teria concluído sua reflexão

afirmando que “necessitamos de uma nova Reforma no

cristianismo! Que ela comece pelo púlpito e pelos pregadores.”. O

jovem, que também critica o excesso de tecnologia, como o uso

indiscriminado de “power-point”, questiona: A pregação de Jesus

já não é por si uma novidade?

Caro amigo carioca,

As pessoas, em geral, antes de sair para trabalhar, para o lazer ou para uma viajem mais longa, costumam consultar a meteorologia, para ver se haverá tempo bom, sem chuvas, ventos ou quedas de granizo. Ninguém quer sofrer esses percalços; todos querem um tempo bom para seus programas. No campo da espi-ritualidade sempre carecemos de uma renovação. É preciso que nos atualizemos no tocante às coisas do mundo e também naquilo que se refere às exigências de Deus para nosso viver e nosso agir. Novo tempo equivale a vida nova. Para Deus, novo tempo é tempo de graça e reconciliação.

Para estar ligado nos desígnios do Criador é salutar conhecer o novum de Deus, o kainon do Senhor, aquilo que ele renova no mundo e na vida humana, para que o ser humano se transforme e adquira a felicidade para si e para os de-mais. No Antigo Testamento, o salmista falava em “cântico novo” como uma pro-clamação das maravilhas que vem com as novidades de Deus.

Cantem para o Senhor um cântico novo! Cantem seu louvor na

assembléia dos fiéis! (Sl 149,1).

A Teologia Bíblica esclarece que no Antigo Testamento, a pregação conhecia três tipos distintos de informação: Primeiramente, a instrução sacerdotal sobre como organizar o culto e a vida de Israel, que tinha em mira o homem como par-ceiro da aliança. Em segundo lugar, a pregação dos profetas, que surgiu com fre-qüência cada vez maior como vocacionados e suscitados por Deus para manter o verdadeiro Israel, contra o Israel eventualmente empedernido, aberto pela fé ao futuro. O terceiro tipo constituiu a narrativa da ação salvífica de Deus feita pelo justo duramente oprimido na assembléia da comunidade dos santos.

Não fiquem lembrando o passado, não pensem nas coisas

antigas; vejam que estou fazendo uma coisa nova: ela está

brotando agora, e vocês não percebem? Abrirei um caminho no

deserto, rios em lugar seco. As feras me glorificarão, como os

lobos e avestruzes, porque eu oferecerei água no deserto e rios

na terra seca para matar a sede do meu povo, do meu escolhido,

o povo que eu formei para mim, para que proclame o meu louvor

(Is 43,18-21).

O novum do Senhor ocorre quando o ser humano se abre ao assédio da gra-ça, que possibilita uma vida nova, ampla e transformadora. A grande novidade (por isto se chama evangelho ou boa notícia) é que a ressurreição de Jesus abre um tempo novo que até então não existia. Ela propicia que nós, morrendo com ele, igualmente ressuscitemos com ele e com todos os santos amados por Deus.

Da mesma forma como durarão para sempre diante de mim os

novos céus e a nova terra, que criarei, assim também durarão o

povo e o nome de vocês (Is 66,22).

Desde a antiguidade profética, Ezequiel nos fala na efusão de um “espírito novo” (Ez 11,19). Essa promessa aparece em outros textos do mesmo profeta, co-mo a seguir:

Derramarei sobre vocês uma água pura, e vocês ficarão

purificados. Vou purificar vocês de todas as suas imundícies e

de todos os seus ídolos. Darei para vocês um coração novo, e

colocarei um espírito novo dentro de vocês. Tirarei de vocês o

coração de pedra, e lhes darei um coração de carne. Colocarei

dentro de vocês o meu espírito, para fazer com que vivam de

acordo com os meus estatutos e observem e coloquem em

prática as minhas normas (Ez 36,25ss).

O púlpito que deve ser renovado, melhorado, para nós católicos, equivale ao ambão, o local onde se proclama a Palavra e se efetuam as homilias. Ali também deve ocorrer uma renovação. O tempo novo que Jesus quer deve nascet no cora-ção de homens renovados.

Então vocês habitarão na terra que dei aos seus antepassados:

vocês serão o meu povo, e eu serei o Deus de vocês. Livrarei

vocês de todas as suas impurezas. Convocarei o trigo e o

multiplicarei. Nunca mais vou lhes mandar a fome. Multiplicarei

os frutos das árvores e a produção das roças para que vocês

não passem mais a vergonha da fome entre as nações (Ez 36,

28ss).

Em Jesus ocorre uma nova aliança que abrange o homem novo (cf. Ef 4,24; Cl 3,10). Para o engajamento nessa aliança com Deus é preciso renovar (se). Quando oramos a epiclese ao Espírito Santo, pedimos que ele renove a face da terra. Jesus é o mediador da nova aliança (Hb 9,15), por isso esperamos novos céus e nova terra (2Pd 3,13), onde se viva o “novo mandamento” (Jo 13,34; 1Jo 2,8): “Vi novo céu e nova terra... a nova Jerusalém...” (Ap 21,1s).

Como afirmou o teólogo Jung Mo Sung (Adital - 08/12/2008) urge uma vigorosa crítica teológica para um novo tempo. O desafio para o cristianismo de li-bertação é não voltar a uma situação em que as críticas sociais em nome da fé eram feitas somente sobre situações concretas, perdendo de vista as lógicas e es-truturas que as causam; ou então às críticas feitas a partir de fora da realidade econômico-social, em nome somente de valores éticos ou teológicos (não importa se são tradicionais, “pós-modernos” ou algum outro tipo), sem uma articulação crítica e dialética com teorias sociais. É claro que também não podemos simples-mente continuar repetindo as críticas elaboradas nos anos 1980 e 90. Nesse as-pecto, “novo tempo” é época de reflexão, desafios e – sobretudo – de um novo agir teológico.

É urgente a instauração de uma atividade capaz de refletir e reatualizar a herança do Concílio Vaticano II para a teologia. Foi a partir dessa idéia que o teó-logo italiano Pablo Bonavia explicou o sentido dessa herança: “Fazer teologia é ler os sinais dos tempos, a ação do Espírito”. Segundo os teólogos europeus, “esta-mos vivendo o tempo dos emergentes, entre países e dentro dos países. O mapa mundial está mudando de um mundo unipolar, centrado nos Estados Unidos, para um mundo multipolar”. E, nesse contexto, “a agenda mundial está cada vez mais habitada por preocupações que vêm da América Latina, onde o Espírito sus-cita um novo tempo de reflexão”. É novo tempo da teologia que se insurge contra as leis da política e da economia globalizada. No “Sermão da montanha” (cf. Mt 5,21-48) Jesus instaura o modelo de justiça do novo tempo, em contraposição à antiga lei do judeus. Vale a pena comparar.

VOCÊS OUVIRAM O QUE FOI DITO AOS ANTIGOS (A Lei antiga)

EU, PORÉM LHES DIGO (A Lei nova, o “novum” de Deus)

Não matarás! Quem matar será condenado pelo tribunal.

Aquele que ficou com raiva do seu irmão já se tornou réu perante

o tribunal

Não cometa adultério! Todo aquele que olha para uma mulher e

deseja possuí-la, já cometeu adultério com ela no coração.

Quem se divorciar de sua mulher, lhe dê uma certidão de divórcio!

Todo aquele que se divorcia de sua mulher, a não ser por causa

de adultério, faz com que ela se torne adúltera; e quem se casa

com mulher divorciada comete adultério.

Não jure falso, mas cumpra seus jura-mentos com o Senhor! Não

jurem de modo algum! Nem pelo céu que é trono de Deus, nem

pela terra que é o suporte onde ele apóia os pés.

Olho por olho, dente por dente! Não se vinguem de quem fez mal

a vocês! Ame o seu próximo e odeie seu inimigo! Amem os

seus inimigos e orem por aqueles que perseguem vocês! Sejam

perfeitos como é perfeito o Pai de vocês que está no céu.

Ainda no bojo do “Sermão da montanha”, na colina de Cafarnaum, à beira do lago de Genezaré, Jesus dá ênfase ao compromisso que seus seguidores têm de se tornarem aquela luz que liberta, para fazer frente às trevas que provêm das investidas do Maligno. Ao trazer visão aos cegos e cura aos enfermos, ele traz uma luz que liberta e projeta a uma vida nova, prenúncio do Reino definitivo.

Vocês são a luz do mundo. Não pode ficar escondida uma cidade

construída sobre um monte. Ninguém acende uma lâmpada para

colocá-la debaixo de uma vasilha, e sim para colocá-la no

candeeiro, onde ela brilha para todos os que estão em casa. Assim

também: que a luz de vocês brilhe diante dos homens, para que

eles vejam as boas obras que vocês fazem, e louvem o Pai de

vocês que está no céu (Mt 5,14ss).

Sob o aspecto teológico da fé, liberdade é adesão, vida cristã renovada e es-piritualidade. Na liberdade que se comunica com a luz brota a vida nova, abun-dante. A gente pede a Deus água e ele dá um regato, um manancial, uma cascaya...pede-se uma flor e ele dá um jardim, uma plantação de rosas...A quem pede uma árvore ele concede uma floresta, cheia de sombras, paz e perfume silvestre... Liberdade é graça e opção.

A vida nova começa com a ressurreição de Cristo e com a descida do Espíri-to Santo sobre sua Igreja. Já que ressuscitamos com Cristo, nada nos resta senão buscar, a todo custo, as coisas do alto. Onde está Cristo? Sentado à direita de Deus (Cl 3,1s). Mas quais são as coisas do alto que devemos buscar? Com certeza, é tudo aquilo que Jesus mesmo viveu, fazendo o bem a todos, a ponto de entregar a própria vida por todos: a justiça, o amor a Deus e ao próximo, a solidariedade, a misericórdia, o perdão, a paz, todo o empenho em favor da vida para todos. Por esses valores renunciamos às práticas do “homem velho” e aderimos à vida nova que Jesus veio instaurar no coração dos cristãos.

Jovem, não aceite construir sua vida sobre outro alicerce que

não seja Jesus Cristo. Comece sua vida nova agora (João Paulo

II, 2004).

Para viver o novo de Jesus o que é preciso deixar para trás?

a) Abandone seus vícios, corrija seus defeitos grandes e pequenos;

b) Deixe de lado ódios e ini-mizades;

c) Renuncie a idéias radicais e arrogantes; dialogue mais;

d) Pare de pensar que o mundo gira ao redor de você;

e) Diga não ao egoísmo, à indiferença e à superficialidade;

f) Afaste-se daquilo que é prejudicial ao seu corpo e ao seu espírito.

Recordo, uma vez, faz quase trinta anos, foi um dos primeiros retiros que preguei, em João Pessoa, na Paraíba, para um grupo de senhoras da RCC e o te-ma proposto foi “Vida Nova”. Numa determinada hora, dei um pedaço de papel a cada pessoa e pedi que escrevessem ali todas as “coisas velhas”, pecados e defei-tos que bloqueavam a instauração da “vida nova” proposta. Depois disso, fizemos uma oração de libertação e renúncia (aos problemas relacionados) e tudo foi queimado numa bacia com fogo. É assim que se começa uma vida nova: a partir da renúncia a tudo que divide e separa. Concluímos que a ressurreição de Jesus é uma novidade; uma realidade sempre nova. Não é somente um fato a ser lembrado. É uma vida a ser vivida. Nossa fé na ressurreição, que é dom de Deus, não é irracional, ilusória, nem alegórica. Nossa fé é baseada no depoimento daquela “nuvem de testemunhas” que as Escrituras aludem (cf. Hb 12,1). A espiritualidade pascal, fonte que alimenta a busca de uma “vida nova” consiste em viver como Cristo viveu e se entregou ao Pai pelo mundo. Os santos fizeram isso, sem deixarem de ser muito humanos. Esta vida nova ou espiritualidade nova vem de nossa inserção em Cristo no batismo. Não somos obrigados a nos conformar com o espírito do mundo (cf. Rm 12,2).

Temos um evangelho a aderir, uma vida de igreja a seguir, valores cristãos a abraçar e, sobretudo, o exemplo de Cristo a viver. Como os primeiros cristãos, precisamos viver uma vida nova, uma nova espiritualidade, atuante, consciente e discernida. Para os judeus exilados, um resto (shear) que voltou (shub) a “vida nova” começou para quem teve iluminação para optar pelo retorno; muitos ficaram na escuridão do exílio na Babilônia. Outros, que ficaram na Palestina se deixaram dominar pelas trevas de um povo que se acovardou e perdeu sua liberdade.

Ó Deus, cria em mim um coração puro, e renova no meu peito

um espírito firme. Não me rejeites para longe da tua face, não

retires de mim teu santo espírito (Sl 51, 12s).

Por tudo que vimos aqui, novo tempo é um momento especial de graça, re-novação, retomada de consciência, reconciliação e de conversão.

Um abraço fraterno!