A mulher "promíscua"
A MULHER 'PROMÍSCUA'
Frei Betto
Como uma história bíblica pode inspirar a Igreja no Sínodo da Família, que, em outubro, discutiu questões candentes. O Papa Francisco convocou, para outubro, o Sínodo da Família. Dom Damasceno, cardeal arcebispo de Aparecida (SP), foi um dos presidentes da reunião destinada a atualizar a pastoral da Igreja Católica em relação ao tema. A família, tal como a conhecemos hoje, é uma instituição recente, filha da modernidade.
Hoje, novas formas de união conjugal e a frequência de recasamentos obrigam a Igreja a rever conceitos e atitudes. A argentina Jaquelina Lisbona, há 19 anos casada com um divorciado, foi proibida de comungar no dia da crisma de suas filhas, na cidade de São Lorenzo, porque o marido, Julio Sabetta, já havia sido casado anteriormente. O pároco disse que, por mais que ela se confessasse, ao retornar à casa estaria de novo em pecado... Jaquelina, em setembro de 2013, enviou carta ao papa Francisco. Perguntou o que fazer, já que, para ela, não faz sentido participar da missa sem receber a eucaristia. Não tinha a menor esperança de merecer uma resposta.
Em abril, o telefone tocou na casa de Jaquelina; do outro lado da linha, a voz se identificou: "aqui fala o padre Bergoglio". Após se desculpar pela demora em lhe responder, o Papa disse que ela "está livre de pecado" e deve comungar "tranquilamente" em outra paróquia, para não causar atrito com o padre que lhe negou o sacramento. "Há padres mais papistas que o Papa", disse Francisco. E acrescentou que também Julio, seu marido, poderia comungar: "O divorciado que comunga não está fazendo nada de mau."
Há tempos, na TV alemã, o entrevistador perguntou a um bispo se daria comunhão a um divorciado. O prelado disse que não. Indagou, em seguida, se o faria a uma mulher que tivesse trocado cinco vezes de marido e, agora, vivesse com um sexto homem que não era seu marido. O bispo, com uma expressão indignada, frisou que tal mulher procedia de modo contrário à vontade de Deus e às leis da Igreja. "Uma promíscua não tem o direito de se aproximar da eucaristia", exclamou. O entrevistador sorriu qual pescador que vê o cardume cair na rede e comentou: "Esta 'promíscua', que o senhor exclui da salvação, é a samaritana que Jesus encontrou à beira do poço de Jacó, de acordo com o capítulo 4 do Evangelho de João." Pego no laço, o bispo se retirou da entrevista.
Uma das características da espiritualidade de Jesus é o antimoralismo. Em nenhum momento ele acusou a samaritana, cuja má fama conhecia, de devassa ou a aconselhou a pôr fim à sua rotatividade conjugal. Ao contrário, percebeu ali um coração sedento de amor e a elogiou por dizer a verdade. E a ela se revelou como o Messias.
A samaritana, embevecida, voltou à cidade para anunciar que encontrara Aquele que era o esperado. O que significa que ela foi, de fato, a primeira apóstola. O Sínodo da Família debateu questões candentes, como divórcio e união entre pessoas do mesmo sexo. E comprovou que a Igreja é mãe, e não a bruxa retratada em histórias para crianças.
(do portal “Rumos” da AFPC)