José de Anchieta, patrimônio do povo brasileiro
Padre Geovane Saraiva*
Na dinâmica do Reino de Deus, cujos alicerces Jesus estabeleceu há 2 mil anos, constatamos ainda hoje um mundo profundamente conturbado, marcado por sinais de morte e violência de toda natureza. É a partir do projeto inexprimível e indizível de Deus Pai, que gostaria de apresentar aos queridos leitores uma figura humana, considerada imprescindível, no seu inflamado zelo e amor, querendo “tudo para a maior glória Deus”. Pessoa profundamente marcada pela mística redentora, a ponto de se consumir em vida, indo ao encontro dos indígenas e demais pessoas do tempo por ele vivido, através da catequese, do anúncio e da instrução, por meio do Evangelho. Tê-lo como uma figura exemplar e referencial, pela sua lavra literária, pelo ardor genuíno e garra na missão, a ponto de transformá-lo numa pessoa emblemática e patrimônio do povo brasileiro, em todas as ocasiões e circunstâncias, no decorrer da história.
Trata-se do bem-aventurado José de Anchieta, o qual em condições sine qua non, abriu as portas do nosso imenso Brasil para que a semente do Evangelho fosse lançada, como a maravilhosa proposta do Reino de Deus, ofertada ao povo brasileiro, no início de sua história e civilização. Dos seus 63 anos vividos, e bem vividos, 46 foram na vida religiosa, com ingresso em Coimbra na Companhia de Jesus (Padres Jesuítas) e destes, 44 consagrados como missionário no Brasil (1553-1597).
Nascido na Ilha de Tenerife, no Arquipélago das Canárias, aos 19 de março de 1534, recebeu no batismo o nome de José, porque nasceu no dia deste glorioso santo. Coincidentemente, no ano de seu nascimento, Santo Inácio de Loyola fundara em Paris a Companhia de Jesus. José viveu com a família até os 14 anos, quando se mudou para Coimbra, Portugal, lugar muito importante em sua vida, onde estudou Filosofia no Real Colégio das Artes e Humanidades, um anexo da universidade, destacando-se por seus talentos, inteligência e memória raríssima e privilegiada. Foi aí que pediu para ingressar, aos 16 anos (1551), na Companhia de Jesus, sendo enviado dois anos depois às missões do Brasil. Sua vida religiosa foi exemplar, distinguindo-se nas virtudes da humildade, obediência e, sobretudo, numa grande devoção a Nossa Senhora.
Ordenado sacerdote em 1566, foi escolhido para superior da comunidade de São Vicente e depois de São Paulo. Dez anos mais tarde, foi nomeado provincial de toda a missão no Brasil, revelando-se um superior de decisões sábias e seguras. Inteligente, altivo e dotado das melhores qualidades, do ponto de vista literário, dominava o tupi, língua dos indígenas, a ponto de arrancar-lhes aplausos, seja ao dialogar ou escrever. Ele ainda escreveu uma gramática e depois um catecismo na língua dos aborígenes, os quais lhe agraciaram com cognome de “apóstolo do Brasil”.
Dele se contam maravilhas e prodígios, através de milagres, profecias, curas e até mesmo sua proximidade e familiaridade com os pássaros e animais ferozes, o que nos faz lembrar Francisco de Assis ou Santo Antônio. Deste extraordinário homem de Deus, sabe-se que escrevia com uma vara na areia da praia e a água do mar não apagava e ainda levitava em êxtase. Por fim, suas virtudes, qualidades, contribuições científicas e literárias o qualificaram, de tal forma, que se tornou o mais popular e venerado dos seguidores de Inácio de Loyola no século XVI.
A vinda de José de Anchieta para o Brasil foi quase casual, porque se recuperava de uma grave enfermidade que o deixou abatido e com forças precárias. Ele tinha o receio de não continuar os estudos exigidos a um aluno e discípulo de Inácio de Loyola. Padre Manuel da Nóbrega, superior provincial dos Jesuítas no Brasil, desejando homens de braços e mãos corajosas para a atividade apostólica e missionária na Terra de Santa Cruz, solicita do provincial da Companhia de Jesus em Portugal, que enviasse missionários com muita disposição para catequizar e anunciar o Evangelho. Entre outros, a sorte caiu no jovem José de Anchieta, que foi confortado por seu superior, e por conselho do seu médico, oferecendo-lhe a possibilidade de viajar para o Brasil, onde o clima podia favorecê-lo, chegando à sua nova pátria aos 13 de junho de 1553, com menos de 20 anos de idade.
Ao mesmo tempo em que, com palavras inauditas, encantava e atraía o povo, convertia os inimigos e pacificava adversários. Apesar do seu físico franzino, apresentava-se sempre com semblante alegre e afável, com força e coragem inabaláveis, que com tenacidade soube enfrentar os desafios, os quais a missão o exigia.
Sempre dava demonstração de preocupação, diante das angústias, dos sofrimentos e das necessidades da humanidade de seu tempo. A exemplo de Jesus, o Bom Pastor, ofereceu seus dons, talentos e a própria vida, desejoso de realizar na Igreja o projeto do Pai: plantar a semente do Evangelho em nossas terras, mostrando a ternura e a face amorosa de Deus, através do exercício da caridade, alimentado pela fé e esperança. Não procurava alienar as pessoas, pelo contrário, quando anunciava que os cristãos deveriam viver o novo mandamento: “Que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amais uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13, 34-35). José de Anchieta faleceu aos nove de junho 1597. O papa João Paulo II o declarou bem-aventurado em 22 de junho 1980.
Suplicamos ao bom Deus as graças necessárias para o povo brasileiro, a exemplo do bem-aventurado José de Anchieta, nos admiráveis dons e talentos, traduzidos nas profundas marcas no campo literário, na catequese e na santidade, possa viver a mesma fé por ele vivida e anunciada, com a mesma esperança de vos servir fielmente, sem jamais esquecer nossa missão: “Tudo para a maior glória de Deus”, na realização do projeto do Pai.
*Padre da Arquidiocese de Fortaleza, escritor, articulista, blogueiro, membro da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza, da Academia de Letras dos Municípios do Estado Ceará (ALMECE) e Vice-Presidente da Previdência Sacerdotal - Pároco de Santo Afonso - geovanesaraiva@gmail.com
Autor dos livros:
“O peregrino da Paz” e “Nascido Para as Coisas Maiores” (centenário de Dom Helder Câmara);
“A Ternura de um Pastor” - 2ª Edição (homenagem ao Cardeal Lorscheider);
“A Esperança Tem Nome” (espiritualidade e compromisso);
"Dom Helder: sonhos e utopias" (o pastor dos empobrecidos);
"25 Anos sobre Águas Sagradas (coletânea de artigos e fotos).