Os educados e os práticos
Os educados e os práticos
Jesus voltou a falar em parábolas aos chefes dos sacerdotes e
aos anciãos do povo. Ele dizia: “O Reino do Céu é como um rei
que preparou a festa de casamento do seu filho” (vv. 1-2).
Na abertura do texto Jesus nos informa que “o Reino é semelhante a um banquete...”... Ora, a festa de casamento de um filho era um acontecimento fora do comum e exigia uma celebração extraordinária. Um reino semelhante designa um evento excepcional e um mistério grandioso, praticamente impossível de ser definido em termos humanos. É mais fácil conhecê-lo pelo método comparativo. A grandiosidade do reino dos céus, quis Jesus afirmar, é comparável à alegria de um rei que celebrava o casamento do seu filho único. Há aí todo um conjunto de juízos originários da majestade (celeste) que ama o filho (o Cristo), que se regozija (a festa) e convida os mais chegados (os amigos).
Hoje, os “educados”, com vergonha (ou medo) de dizer um não aos anfitriões deste mundo, inventam mil desculpas para justificar sua indiferença ou omissão: “Não posso, tenho uma outra atividade assumida!”. Antigamente, algumas pessoas se desculpavam através de um lacônico telegrama: “Lamentamos não poder atender ao seu convite em virtude de um compromisso anteriormente agendado”.
Nós que somos humanos – e ressalto meu exemplo de convites mandados por ocasião de uma “feira do livro” – ficamos chateados quando alguém despreza um convite que fizemos para uma atividade, muitas vezes irrelevante. E Deus? Ele prepara a vida eterna, oferece a “água viva”, disponibiliza sua “graça” e muitos de nós não nos damos conta da magnitude da oferta e fazemos pouco caso de tão significativa oferta.
Aí há que se destacar a atitude de algumas pessoas, a quem chamo de “cristãos meio-a-meio”. Eles estão presentes nos templos, nos fins de semana, e desaparecidos (inclusive de suas responsabilidades) nos outros dias. Tive um amigo que afirmou, com todas as letras: “arrumem atividades para mim na Igreja durante a semana, mas não nos fins de semana, pois tenho que curtir meu sítio”. Este, embora meio omisso era sincero, pois não se escondia através de desculpas. Os “educados” não dizem não, mas se omitem; fazem “corpo mole”.
A porta da graça esta aberta ainda, e o Pai esta fazendo o convite para a festa de casamento de seu filho Jesus com a humanidade. O convite é endereçado a todos a quem os seus servos encontrarem pelo caminho. Eles estão em toda parte lançando este convite aos pobres, ricos de todas as raças e tribos dos povos do mundo inteiro. Receber o convite é receber a Cristo. Aceitar o chamado é dizer sim à graça de Deus. Afinal, é bom que se saiba que o nosso banquete, para esta vida e para a outra é o próprio Cristo.
É tão desagradável quando convidamos alguém para vir em nossa casa, e esta pessoa não vem; organizamos toda a casa, preparamos os melhores quitutes, mas a pessoa não vem; foi o que aconteceu com aquele Rei, os convidados desprezaram o convite, não fizeram caso, foram cada um pro seu campo, outro pro seu negócio e outros ainda mataram os servos daquele Rei.
Cabe aqui uma pergunta crucial: Por que os convidados não vieram à festa? Que motivo os levou a não comparecer a uma festa tão solene? Algumas alternativas podem ser relacionadas:
 Achavam-se importantes demais?
 Tinham compromissos mais urgentes?
 Receavam que indo à festa teriam que aderir – se
comprometer – com o rei?
Nenhuma dessas respostas parece responder satisfatoriamente à questão inicial. É interessante notar que o rei passa de cordial (o convite) a vingativo (a recusa). Ao contrário de hoje, que fazem festas e organizam recepções em clubes ou restaurantes para os outros pagarem, naquele tempo o banquete era todo ele por conta de quem convidava. No caso da parábola há um contraste: as iguarias finas e os vinhos nobres – características das festas do Oriente – não foram desfrutados pelos convidados, já que a sala estava vazia. O que faríamos diante de uma situação dessas? Além de não vir, os convidados agrediram alguns mensageiros, matando a outros.
O rei da parábola ficou indignado e, enviando suas tropas, exterminou aqueles assassinos e destruiu a sua cidade. Isso acontece sempre que alguém se levanta contra os que trabalham para Jesus e estão cumprindo ordens de Deus.
A insensibilidade humana, isto é, não dar crédito ao chamado de Deus, desprezar o convite do nosso Rei Jesus, é a causa de tantas desgraças que estão acontecendo em nossos dias, no mundo em que vivemos.
Ocorre aqui uma triste realidade quanto à aceitação do Reino. Nem todos dizem sim ao convite. Talvez com medo do compromisso, ou pela incapacidade de renunciar à instalação e ao comodismo de suas vidas. Muitos dos que recusam o convite o fazem por conta desses fatores.
Os cristãos educados são aqueles que nunca dizem não ao padre, ao pessoal das pastorais, ao sindicato, aos convites para esse ou aquele trabalho... Eles sempre estão presentes nas mais variadas atividades, são educados: nunca dizem não a qualquer chamado. Mesmo que não o façam por convicção, dizem sim com medo de serem alijados de algum trabalho. Eles trabalham para as pessoas, para as autoridades da comunidade, para grupos e não para o Reino.
De outro lado, há os cristãos práticos. Esses são piores que os educados! Eles trabalham e se fazem presentes por causa de ambição e vaidade. São práticos na medida em que aceitam tarefas – e até as procuram, às vezes – para garantir um cargo na paróquia, um posto, um destaque. O prático, na verdade é alguém que busca seu próprio interesse e a satisfação de seu ego e de sua vaidade. Para ele não interessam as propostas libertadoras de Jesus, tudo gira em torno de seus ideais pequenos e de seus horizontes estreitos. Para esses, por lhes faltar a veste adequada, será difícil a obtenção de um lugar no banquete da casa do rei.
Essa educação é o que caracteriza os falsos educados. Eles não se manifestam negativamente, não contestam, mas também não fazem o que é solicitado. Os primeiros convidados, o povo originariamente predileto, os eleitos, não souberam fazer jus ao privilégio. A conclusão da parábola nos revela que eles quebraram a aliança com Deus. Deus insistiu através de sinais, profetas e da encarnação de seu próprio filho.
Para a libertação desses pecados da inércia, da mesmice e do interesse da vaidade é necessário que o Senhor, o rei, quebre o jugo, “como na jornada de Madiã” (cf. Is 9,4). É preciso renovar-se, em um novo nascimento. Porque precisamos deste novo nascimento? (cf. Jo 3)
1. Para conhecer a Deus:
É preciso conhecê-lo na sua intimidade e ter um relacionamento pessoal com Ele, uma vez que carne e espírito pertencem a reinos diferentes;
2. Para entrar no Reino (céu):
Está escrito: Se alguém não nascer de novo, não pode ver o Reino de Deus (cf. Jo 3,3);
3. Para resistir ao pecado:
Igualmente está escrito: Todo aquele que é nascido de Deus, não vive na prática do pecado (cf. Jo 3,9).
Na prática, se observa uma falta de atenção, de afeto, por parte dos convidados, para com o rei. Igualmente um desprezo com a alegria do filho que se casava. E, por fim, um desinteresse pela festa em si, pelo banquete. Outros, para deixar mais clara sua rejeição ao convite, foram violentos, insultando e matando os servos do rei (cf. 2Sm 10,1ss). A história humana está – infelizmente – cheia de exemplos dessa ordem.
Nesta parábola, Jesus realça a insistente vontade de Deus Pai que chama todos os homens à salvação, o banquete no Reino dos Céus. A misteriosa malícia que se encerra na rejeição voluntária a esse convite, é tão grave que merece um castigo definitivo. Esta é a linha pedagógica da narrativa. Jesus ensina que diante do chamado de Deus à conversão, à aceitação da fé e de suas consequências e compromissos, não podem haver interesses humanos que se oponham. Não há desculpa!
Com esta parábola, o evangelista Mateus faz presente a aliança que Deus tinha proposto a seu povo, mostrando que aqueles que ostentavam melhores condições (receberam mais “talentos”) de acolher a proposta do Reino foram os primeiros que se negaram a aderir ao projeto.
A questão é que eles não estavam dispostos a mudar de atitudes, rasgar corações, enfim, converterem-se. Até faziam de conta – como muitos de nós, hoje – que eram fiéis, que frequentavam os templos, as tendas, as igrejas, a liturgia, mas não iam além de gestos externos: missas, novenas, devoções e rezas. Não é isto que Deus quer do seu povo, mas que se comprometa, que se sinta interpelado pelo sofrimento do outro, manifestando-se benevolente e solidário. O amor a Deus passa pela caridade ao irmão.
Deus não quer a morte do pecador, mas que se converta e
viva (Ez 18,23).
Há alguns paralelos desta parábola em textos do Novo Testamento que vale a pena observar:
vv. 8-9 No Ap 19,7 lê-se uma menção às núpcias do
Cordeiro (filho);
v. 12 Ap 19,8 – Há uma roupa de linho
resplandecente, que sintetiza a
conduta justa dos santos;
v. 13 Trevas exteriores (cf. Mt 8,11s); Muitos virão do
Oriente e do Ocidente e assentarão à mesa no Reino
dos céus, enquanto “os filhos do Reino” (judeus, as
tradições, o passado, os “cristãos de carteirinha” de
hoje), serão colocados para fora, onde, no frio,
haverá choro e ranger de dentes.