HONI SOIT QUE MAL Y PENSE- A RENÚNCIA DO PAPA
 
O Papa Bento XVI renunciou ao cargo de primeiro mandatário da Igreja de Roma, mais conhecida como Igreja Católica Apostólica Universal. Renúncia de Papa é quase tão inusitada quanto enterrro de anão. Em quase dois mil anos de história, só se viu casos como esse sete vezes, e assim mesmo, não com a naturalidade com que Bento XVI anunciou a sua resignação. O Papa agiu como se fosse presidente de uma ONG ou de um país, cujos estatutos, ou constituição, permitem atos desse tipo quando as condições políticas ou de saúde do dirigente forçam sua saída. Aliás, se alguns políticos, especialmente da América Latina tivessem o mesmo “simancol” do Papa, com certeza, as Venezuelas, Cubas, Argentinas e outros países abaixo da linha do Equador estariam muito melhores.
 
Mas voltando a Bento XVI, dizem que o seu ídolo era um Papa chamado Celestino V, que governou a comunidade católica no século XIII, e também renunciou ao cargo em 1294. Parece que esse Papa não era lá “flor que se cheire”, pois o ultra carola Dante Alighieri, em seu famoso poema, A Divina Comédia, o colocou num dos círculos do Inferno, como um daqueles omissos que concordam com a injustiça  “lavando as mãos”, como Pilatos fez com Jesus. Mas a Igreja, aliás, que nunca se preocupou muito com questões como essa (veja-se por exemplo, o seu comportamennto no caso do holocausto promovido pelos nazistas comntra os judeus), está acostumada com isso e canonizou-o pelo fato de esse Papa ter fundado a Ordem dos Celestinos.

A renúncia de um Papa nunca foi um assunto muito pacífico. A pergunta que se coloca é sempre a mesma: Se o Papa é o herdeiro de São Pedro, e por consequência, o representante de Jesus Cristo na terra, como apregoam os católicos, então a renúncia, pura e simples, não significa que o próprio Pedro,  ou quiçá, o próprio Jesus, que teria dado a Pedro a prerrogativa de ser seu principal agente na terra, está renunciando?
Alguns setores da Igreja dizem que o cargo de Papa é irrenunciável. Somente a morte, que é a aplicação da vontade de Deus sobre os homens, poderia liberar o seu representante na terra desse terrivel fardo que é o Papado.
 
Se a Igreja Católica (como demais todas as outras religiões) fossem assentadas sobre princípios lógicos e não sobre dogmas impostos pela força das armas e pelo exercício de torturas físicas e espirituais, esse seria um pressuposto que poderia ser defendido sem muito esforço. Pois se é Deus quem escolhe o seu representante na terra, por suposto, só ele poderia liberá-lo. A renúncia de um Papa seria o mesmo que Jesus Cristo chegar e dizer “estou cansado, não aguento mais a hipocrisia da humanidade, quero o meu boné, põe outro no meu lugar” e coisas assim.
 
Tudo isso seria um argumento assás contundente se o apóstolo Pedro fosse mesmo aquele que instituiu o Papado, dando legimitimidade para a Igreja de Roma reivindicar esse status. Mas até hoje nenhum historiador de verdade conseguiu provar que Pedro ao menos tivesse visitado Roma algum dia, embora se saiba, com toda certeza, que Paulo o fez, e que provavelmente foi ele que levou o Cristianismo para Roma.
Aliás é bastante duvidoso que a Igreja de Roma fosse uma obra de Pedro, ou tivesse alguma coisa a ver com ele. Porque, Pedro, na verdade, era um judeu que acreditava piamente que Jesus era o Messias de Israel e sua mensagem era dirigida apenas e tão somente aos judeus, a quem ele viera resgatar. A idéia de que Jesus era o Cristo (que é um conceito grego e não judeu), e que ele tinha vindo para salvar a humanidade foi uma idéia de Paulo e não de Pedro. De fato, nos Atos dos Apóstolos, um dos documentos mais informativos sobre os primeiros anos do Cristianismo, é bem visível a querela entre os seguidores de Pedro e de Paulo, a respeito de quem deveria receber a mensagem cristã. Para Pedro e os demais discípulos, somente os de sangue israelita. Para Paulo e seus seguidores, todos os cidadãos do Império Romano deveriam receber a mensagem redentora.
 
Asiim, se os seguidores de Pedro tivessem vencido a disputa, o Cristianismo dificilmente teria se tornado uma religião mundial, pois a Igreja de Jerusalém, como se chamava o grupo liderado por Pedro e Tiago, o irmão de Jesus, era um grupo sectário, que pensava, agia e vivia à maneira dos Essênios, os precursores do Cristianismo. E com certeza teriam sido esmagados junto com as demais seitas judaicas no expurgo que os romanos fizeram com os judeus após a guerra de 66-70, quando o Templo de Jerusalém foi destruído e metade da população judaica foi chacinada. Flávio Josefo, um dos poucos historiadores antigos que fazem referência aos cristãos, conta que Tiago, o “Irmão do Senhor”, foi sentenciado em 62 e.C, supostamente por pregar o credo cristão em Jerusalém.Esse episódio também está referido no Atos dos Apóstolos, 12: 1, embora ali o cronista dissesse que Tiago é irmão de João, e não de Jesus, como Flávio Josefo e outras fontes informam.
 
Os maçons gostam de dizer que a Maçonaria é uma instituição perfeita, feita por homens imperfeitos. Essa é uma proposição ambígua e totalmente despida de qualquer estrutura lógica. Pois se institutição é feita por pessoas e elas são imperfeitas, a obra que eles constroem não pode ser perfeita. Pode acaso existir um edifício perfeito que se assente sobre alicerces imperfeitos? O mesmo vale para a Igreja de Roma. Trata-se de uma estrutura fundada sobre móveis políticos e ideológicos que refletem, como alíás, todos os demais credos religiosos, apenas as aspirações das pessoas que o seguem. No caso do Catolicismo, é a natural ambiguidade de toda instituição que se associa ao poder temporal para conservar os próprios privilégios, que gera as crises em que ela se vê envolvida de tempos em tempos. Deus não tem religião nem templos em seu nome. Sua religião é a Justiça e seus templos são os espíritos e os corações dos homens.
 
Quem quiser acreditar que o Papa Bento XVI resignou por que está doente e se sente incapaz do conduzir os destinos da Igreja Católica, que acredite. Mas, na verdade, ele está saindo porque não aguenta mais tanta hipocrisia, tanta falsidade, tanta promiscuidade, tanta politicagem barata dentro de uma instituição que se arroga o direito de conduzir os destinos espirituais da humanidade. Afinal, o próprio Deus já deve ter desistido de corrigir a humanidade, pois já tentou três vezes e o resultado é esse que nós temos hoje. A primeira vez foi quando Ele afogou a velha civilização num dilúvio e mandou a família de Noé criar uma nova. Não deu certo. O que saiu de Sem, Cam e Jafet foi pior que a geração afogada. Então Ele resolveu escolher entre os vários povos que se formaram , um povo que pudesse servir de paradigma moral e espiritual para os demais. Isso também não funcionou muito bem, pois Israel, o povo que Ele escolheu para modelo, nunca conseguiu ser o que Ele queria que fosse. Então Ele mandou o próprio filho para ensinar a humanidade a se comportar. Deu no que deu.
Quer dizer, nem Pinochet (o paredão, puro e simples), nem Piaget(a educação pelos exemplos, pelo carinho) funciona com a humanidade. Daí o Papa deve ter pensado. “Se nem Deus consegue consertar essa gente, porque eu tenho que morrer tentando?” Então resolveu cair fora e terminar seus dias num mosteiro.
Honi soit qui mal y pense.
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[1]. Em latim no original. Essa frase foi cunhada por um cortesão francês num baile, quando ele abaixou para pegar a liga de uma mulher, que havia caído no chão. Todos olharam para ele com ironia e ele então disse em latim “Honi soit qui mal y pense.” "A vergonha é de quem pensar mal disso."
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 17/02/2013
Reeditado em 22/02/2013
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