Carta 011 - A morte não é o fim
A morte não é o fim?
Escreve uma leitora de São Paulo: “No funeral do meu pai, o
pastor falou que ‘A morte não é o fim’. Sou evangélica e já fui
católica, mas nunca tinha escu-tado essa afirmação em
nenhuma igreja. Depois ele criticou o fato de eu haver proibido
que meus filhos pequenos fossem ao enterro. Você poderia me
ajudar com um esclarecimento?”
Prezada amiga,
Paz e Bem, da parte de Jesus!
Os textos românticos, tempos afora, têm insistido, ao relatar a perenidade do amor, que morrer não é o fim, e que o amor perpassa a vida material, aden-trando no terreno das realidades posteriores e eternas. Infelizmente, quem sabe por falta de um maior discernimento pastoral, ainda há hoje, como na Jerusalém antiga, cristãos que pensam que a morte é o fim de tudo, e que julgam que a cruz é a conclusão trágica de uma história, linda, porém sem maiores horizontes.
As grandes escolas teológicas alemãs, desde fins da década de 60 insistem, não só na realidade bíblica da vida depois da morte, como em seus aspectos an-tropológicos da incapacidade dualista de separar corpo e alma. A esse respeito K. Rahner ensina: “A antropologia cristã seria falsa e incompleta, se concebesse a es-catologia humana como uma mera e abstrata salvação da alma, fato meramente humano, e se atribuísse imortalidade somente à alma, tornando seu destino inde-pendente da ‘ressurreição da carne’, isto é, da salvação integral do homem” (in: Zur Theologie der Todes, Freib., 1958).
De fato, tem razão seu pastor, pois na morte “a vida não nos é tirada, mas transformada”. Cruz, morte e sepultamento, assim como sucedeu a Jesus, são marcos no caminho, a indicarem um novo tipo de vida; um início. Aquilo que apa-receu no meio dos discípulos, não era nenhum fantasma, muito menos uma alma-do-outro-mundo, mas o Crucificado que voltou a viver, depois de vencer a morte. É assim que Deus age. Ele é capaz de transformar derrota em vitória e levar a fra-queza a suplantar a força. A morte não é o fim, mas o começo de uma vida nova, definitiva. O caixão é um berço...
A esse respeito, L. Boff esclarece: “O mundo não marcha para um fim dramá-tico, dentro de uma convulsão cósmica, mas para a consecução de sua meta e global floração das sementes que nele estão germinando. Numa palavra: o cristianismo prenuncia o céu como convergência realizadora de todas as pulsações humanas” (in: Vida para além da morte. Ed. Vozes, 1973). Contrariando as crenças orientais e todos os postulados reencarnacionistas, o cristianismo surge anunciando a vida eterna àquele que, morrendo com Cristo pelo batismo, haverá de ressuscitar com ele. Partindo da premissa de Paulo que
É dado ao homem morrer uma só vez (Hb 9, 27)
Deste modo, a vida eterna é conseqüência e continuação da vida terrena. Deus criou o homem para a felicidade. A imortalidade que perdemos com o pecado de Adão, foi-nos devolvida pela ressurreição de Cristo. Como ato da natureza ou de fatos fortuitos, a morte biológica é o fim da nossa matéria corruptível, sem que is-so signifique uma vitória sobre a vida, pois
Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos (Lc 20, 38).
A vida humana é ontologicamente mortal. A morte não é um fenômeno que acontece num fim da vida, mas que se matura junto com a vida. A morte não é simples fracasso biológico ou um drama existencial. Ao contrário, o ser humano nasce duas vezes (na concepção e na morte), mas nunca morre, pois aquilo que chamamos de morte nada mais é que uma transposição do presente para o eterno. É uma transformação; para melhor. Morte, nessa conformidade, não é tragédia, mas bênção. Sendo o homem um ser aberto a todas as dimensões, a morte não é um fim, mas abertura a uma nova etapa, mais plena e mais consciente de vida.
Não podemos ver a morte como um fracasso ou uma frustração. Só pensa assim quem possui uma crença vacilante ou nenhuma fé. Na morte há mais ele-mentos positivos que negativos. Tanto no parto, na formatura universitária como na morte, os elementos são os mesmos. Há o fim de um tempo e início de outro. Na morte passamos da vida provisória (biós) para a vida definitiva (zoé). A vida continua depois da morte. Morre a matéria finita, mas Deus nos dá outro corpo:
Quando a nossa morada terrestre, a nossa tenda for desfeita, receberemos de Deus uma habitação no céu, uma casa eterna, não construída por mãos hu-manas. Por isso, suspiramos neste nosso estado, desejosos de revestir o nos-so corpo celeste (2Cor 5, 1s).
No entanto, e as estatísticas, oriundas de algumas pesquisas no-lo atestam, que o homem atual não tem certeza do que vai acontecer depois da sua morte. Pa-ra alguns (cerca de 27%), tudo acaba na morte. Perdidos na noite da descrença, muitos deixam de lutar para construir uma vida depois da morte. Desistem de procurar o bem e a verdade. Confundem o bem e o mal, negando a existência do pecado e do inferno.
Se os mortos não ressuscitam, também Cristo não
ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, a fé que vocês têm
é ilusória e vocês ainda estão nos seus peca-dos, e aqueles
que morreram em Cristo estão perdidos (1Cor 15, 16ss).
Por isso é bom sempre acreditarmos na intervenção de Deus em nossa vida e em nossa história. Por isso, não tem sentido termos medo de fantasmas. Jesus caminha conosco para exorcizar e destruir essas falsas idéias. Sábio é o homem que vive aqui com esperanças na vida além. Viver de maneira cristã é sabedoria; é graça. Muitas teorias materialistas, hedonistas e existencialistas falam na morte como o fim de tudo, uma eterna frustração.
Com isso fazem da vida um caminho de ansiedade, pois tudo tem um fim, sem recuperação. Para muitos, a morte é co-mo um fim de férias, uma despedida de algo que nunca vai voltar a acontecer, um vazio. Morte não é um final, mas um fim. É diferente. É fim como objetivo alcan-çado, e por isso se transforma em começo de algo pleno e definitivo.
Não existe destino natural do homem que não seja, simultaneamente, seu destino sobrenatural. A vida eterna é conseqüência e ampliação da vida terrena. Há, portanto, uma vida depois da morte, sim. Jesus, aquele que voltou da morte nos disse isso e provou, usando seu corpo como prova da ressurreição. A cultura materialista, gestada por uma sociedade sem fé, tem cometido alguns equívocos a respeito da morte:
1. Idéia de um Deus cruel que leva nossos entes queridos:
Deus quis... é vontade dele... Deus levou papai... Isso leva
a criança a estabelecer uma relação de animosidade com
Deus, um sentimento negativo. Na vida adul-ta, terá
bloqueios para amar um Deus assim. Morte e Deus tornam-se
juí-zos afins;
2. Manter a criança desinformada: vovô foi viajar...
Essas mentiras só agravam o quadro;
3. Afastar as crianças dos funerais
Recomenda-se nem tanto ao mar (despedir-se à força,
beijar o defunto), nem tanto à terra (tirar a criança de casa,
afastá-la dos funerais). Tais atitudes dão uma idéia mais
horrenda da morte. A morte como um fato comum da vida,
deve ser encarada com a maior naturalidade possível.
Como afirma o tanatologista E. A. Assumpção “A criança, ainda livre das de-formações culturais que nós adultos já sofremos, é capaz de compreender muito mais do que julgamos o que se passa em torno dela, especialmente se tivermos o cuidado de dedicar-lhe o tempo necessário, numa circunstância tão significativa pa-ra a vida futura” (in: Os que partem, os que ficam. Ed. Vozes, 1993).
Para compreender que a morte não é o fim, damo-nos conta de que cemité-rio, no grego, kümetérion, quer dizer dormitório. Ou seja, os que lá estão “adorme-cidos”, haverão de despertar, chamados à Luz e à Festa sem fim. A escatologia (Parte da teologia que estuda a “vida depois da morte”) sempre enfrentou a oposi-ção dos ambientes teologicamente hostis. Quando Paulo falou em ressurreição, os ouvintes (gregos) foram embora. Ele podia, como se diz, ter dado “uma volta” nos seus interlocutores, mas preferiu anunciar a verdade como ela é, e por isso ficou falando sozinho:
Quando ouviram falar de ressurreição dos mortos, alguns
caçoavam e outros diziam: “Nós ouviremos você falar disso
em outra ocasião’ (cf. At 17, 32).
Igualmente, quando fala em ressurreição, Jesus enfrenta a oposição dos sa-duceus (cf. Mt 22, 23-30). Para os que têm esperança, aquela esperança cristã, de fato, a morte não entristece além da perda material de uma pessoa querida. Co-mentando sua própria morte, que se avizinhava, Tereza de Lisieux dizia: “Não mor-ro, entro na vida” (in Lettres Générales, Paris, 1968).
A morte é aparente. Ela atin-ge somente aquilo que foi destinado a ela: a carne humana. Pelas leis da termodi-nâmica, a energia não pode ser destruída, mas transformada. Ora, considerando-se que o homem todo é uma potência energética, podemos concluir, se quisermos juntar provas científicas, que o ser não sofre destruição, apenas transformação. Diversos trechos do Novo Testamento atestam que a morte não é o fim:
... e eu o ressuscitarei no último dia (Jo 6, 39. 40. 54)
... quem crê possui a vida eterna (Jo 6, 47)
... nunca morrerá...(Jo 6, 50)
... viverá para sempre ... (Jo 6, 58b).
Na profissão de fé de Jó, no fim de sua miséria, encontramos uma referência à visão de Deus, na outra vida:
Eu sei que o meu redentor está vivo e que no fim me
levantará acima do pó. Mesmo com a pele aos pedaços e em
carne viva, eu verei a Deus (Jó 19, 25s).
Para quem gosta de provas, as Near death experiences, (Experiências da proximidade da morte), dão aquilo que a fé concede aos que crêem. As NDE foram descobertas por volta de 1979, quando, pela primeira vez, depois da chamada morte clínica, uma pessoa foi reanimada. As pessoas que voltaram de uma primei-ra fase da morte, apesar de haverem ocorrido em contextos culturais diversos, re-latam, mais ou menos as mesmas experiências. Essas NDE ocorreram em cinco estágios, com narrativas de pessoas que foram consideradas mortas, e, alguns mi-nutos depois, tornaram a viver.
É possível, se você desejar, ver estes temas e outros de escatologia, mais de-senvolvidos em meu livro “O Grão de Trigo. Reflexões Cristãs sobre e Vida depois da Morte” (Minha tese de Mestrado), Ed. Ave-Maria. 2000.
Um abraço para você!