O Projeto de Deus para a Familia
O PROJETO DE DEUS PARA A FAMILIA
Em sua infinita misericórdia e sabedoria, Deus quis desde sempre, e o quer, particularmente hoje, que o ser humano se salve. O matrimônio cristão é um dos instrumentos eficazes desse projeto de salvação, e constitui o lugar natural onde se cumpre a inserção da pessoa na grande comunidade salvadora que é a Igreja. Deus, como um pai cheio de misericórdia, preparou para cada um, de maneira especial, a salvação. Cada pessoa, dentro de sua vocação específica, de acordo com o estado de vida que escolheu em consonância aos apelos divinos, tem sua caminhada na direção da salvação.
Tornando-se uma família, o grupo de pessoas que se ama, busca viver a mística da comunidade, vivendo de forma coerente, crescente e fiel o chamamento recebido, desde o princípio. Deus projetou a família humana, a partir do amor de um homem e uma mulher, para que conduzisse seus membros, outras famílias e a sociedade como um todo, à felicidade maior de sua comunhão, e destinou-a a tornar-se formadora de pessoas, educadora na fé, irradiadora do amor e promotora do desenvolvimento, fatos capazes de proporcionar a seus membros o crescimento total.
Desta maneira, além de resgatar o ser humano na direção do transcendente, a família torna-se valor insubstituível, capaz de dar ao indivíduo, desde sua infância, a base psicológica e afetiva para a construção da pessoa adulta. Como afirma Leo Buscaglia, “Pessoas bem construídas trazem em si o alicerce do amor”.
O ser humano é a razão-finalidade de toda a criação. Deus não criou o mundo, a natureza, as riquezas e os animais para si. Criou-os para o homem. O homem é o centro de toda a criação, criado para amar, ser amado e assim tornar-se feliz. Essa é a finalidade da existência da pessoa: a felicidade. Junto com essas características, o homem também recebeu a liberdade, que é a capacidade de escolher. O homem tem tanta liberdade que pode até escolher a perdição e a infelicidade.
No interior do Rio Grande do Sul há um ditado que diz: “Queres ser feliz? Um dia? Compra uma roupa nova! Uma semana? Mata um porco! Um mês? Acerta na loteria! Um ano? Casa-te! Toda a vida (e na outra)? Une-te a Deus! A sabedoria popular ensina que só unindo-se a Deus o ser humano pode ser feliz por toda a sua vida (e também na futura). Unindo-se a Deus, construindo uma casa sobre a rocha, a duração é eterna.
É curioso observar os jovens jurando-se amor eterno, fidelidade e apoio mútuo. Aquilo é sinceramente o que eles desejam naquele momento. É como alguém querer ir à lua de fusca. O desejo é válido; as ferramentas é que são insuficientes. Quando é perguntado aos futuros casais o que vai garantir o casamento deles, invariavelmente se escuta: o amor! Quando se aprofunda a questão: e o que vai garantir o amor de vocês? A resposta já não vem tão rápida e fluente. Se Deus é amor, só ele, como rocha, presença e arrimo, é possível enraizar uma comunidade de amor, uma família.
A família, pelo desejo de seus componentes e projeto amoroso de Deus, torna-se uma comunidade, comum-unidade, que salva salvando-se, instrumento de libertação, pelo amor. Cada pessoa traz, dentro de si, o germe do amor e da vida sobrenatural, como a minúscula semente da laranja traz a frondosa laranjeira dentro de si. Assim o ser humano traz em seu interior uma árvore de afeto, bondade e fraternidade, justamente porque é o invólucro daquele potencial de amor com que seu Criador o projetou. Criado para o amor e para a felicidade, o ser humano é a única criatura da natureza que às vezes contradiz a finalidade para a qual foi criada. No ar, ao redor de nós, há sons e imagens. Se ligarmos um rádio ou um aparelho de televisão, ouviremos música, veremos imagens. O que falta, então? Falta sintonizar! Assim é a graça de Deus.
Ela está aí, gratuita e generosa; basta a gente sintonizar. No tocante à família, sucede a mesma coisa. O amor está ao nosso lado, vivo disponível. Basta a gente sintonizar-se nele. Jesus Cristo ensinou:
Quando duas ou mais pessoas estiverem reunidas em meu
nome, eu estarei no meio delas (Mt 18, 20).
Essa advertência inflete sobre o poder da oração e da invocação do nome de Deus, mas também se refere à família, que vivendo no amor de Deus, tem Jesus em seu meio. Se marido e mulher, tendo a coragem de dizer sim à oferta generosa da amizade de Deus, forem capazes de vencer o egoísmo, e trouxerem Cristo para dentro de sua casa, ela tornar-se-á uma Igreja doméstica, e como tal, um núcleo de amor e salvação. Reunidos em meu nome não significa uma simples reunião humana ou uma eventual invocação.
Vai mais além. Reunidos em nome de Cristo quer dizer viver o amor, a solidariedade, o serviço desinteressado, a doação espontânea, a facilidade de perdoar e a prodigalidade de ajudar, de se fazer presença.
A família destinada por Deus à salvação, através de um plano de amor infinito, torna-se eleita do Pai para a santidade das pessoas e do mundo. Sobre isso há um magistral ensinamento de São Paulo:
Como escolhidos de Deus, santos e amados, vistam-se de
sentimentos de compaixão, bondade, humildade, mansidão e
paciência. Suportem-se uns aos outros e se perdoem
mutuamente, sempre que tiverem queixa contra alguém.
Cada um perdoe o outro, do mesmo modo que o Senhor
perdoou vocês. E acima de tudo, vistam-se com o amor, que
é o vínculo da perfeição. (Cl 3,12s).
Como Igreja Doméstica, a família é chamada, à semelhança da “Grande Igreja”, a ser sinal de unidade, amor e salvação. Deus não predestina ninguém à perdição. Para que isso suceda é necessária uma rejeição voluntária a Deus e persistir nela até o fim da vida. Deus não quer que ninguém se perca, mas que cheguem todos à conversão (cf. 2Pd 3, 9).
Este tópico, que se refere à conversão pessoal, se adapta também à espiritualidade familiar. Deus destinou todas as famílias à unidade e à concórdia. Se existem lares em crise ou destruídos, isso ocorre por causa das pessoas, que buscam outras bases fora de Cristo. No campo de sua edificação, a família é como um santuário da vida, e como santuário, fiel ao projeto divino tem alguns pontos a cultivar:
a) catequese no lar
Consiste em habilitar os pais a serem os primeiros
educadores na fé;
b) liturgia doméstica
É o ressoar do coração eclesial no seio da família;
c) formação de espírito missionário
É onde a família, fiel ao “escutar e pôr em prática”
capacita-se a multiplicar a Boa-Notícia da salvação.
Dando-nos a noite para valorizarmos o dia, o calor para termos saudade do frio, a seca para sentirmos falta da chuva, Deus nos mostra, na alternância da natureza, a insatisfação do ser humano. Giovanni Papini, o célebre escritor italiano, disse que “a vida do homem é um permanente desejo”. Nisso vemos que a nostalgia de um paraíso perdido nos remete às utopias do futuro.
Ao contrário do que afirmam muitos, só Deus pode saciar todo esse desejo de infinito do ser humano. Só Deus pode nos colocar no caminho do verdadeiro amor. Nosso encontro, como casal, como família, não foi casual. Embora se rejeite qualquer idéia de destino ou fatalismo, na verdade deve-se reconhecer, por trás de tudo, um projeto de Deus, um plano carinhoso e individualmente traçado, para nos fazer felizes, nesta e na outra vida.
Nesse particular, pelo amor, marido e mulher são constituídos, reciprocamente, agentes da felicidade e do amor, um do outro. O filósofo alemão Max Scheler disse que “... damos valor às coisas que consideramos úteis e de importância”. Sob essa premissa, por que alguns não dão valor à família, se ela representa ninho de amor, projeção à felicidade e sinal da salvação? Por que nossos governos, que desperdiçam recursos em projetos eleitoreiros, excesso de funcionários apadrinhados, nepotismo e corrupção, não investem mais na pessoa, não se preocupam mais com a estabilidade das famílias? Uma família estável ou desestruturada, assistida ou abandonada, torna-se berço de políticos, santos ou criminosos. A escolha é da sociedade.
Se nossa sociedade cultivasse mais a idéia da família como origem de tudo, e desprezasse o consumo, a competição e a alienação, se poderia ver mais claro em nosso meio, o demonstrativo das três vitórias de Cristo: sobre os valores mundanos, sobre o pecado e sobre a morte. Em todo o casal em crise, em toda a família problematizada, se pode notar, com clareza, traços de um afastamento de Deus. De certo preferiram erguer a casa sobre a areia, a terra solta, ao invés de fundá-la sobre a rocha, distanciando-se dos valores cristãos, do crer e por em prática, enfim, de dizer com os lábios e proclamar com a vida.
E foi grande a ruína dessa casa! (Lc 6, 49).
O plano de Deus visa salvar o homem para a outra vida, mas idealiza a felicidade a partir deste mundo. Ensinando o ser humano a amar, Deus mostrou-lhe o caminho do paraíso, dando-lhe a companhia do outro, marida ou mulher, de geração em geração.
O autor é Escritor, com mais de cem obras publicadas, no Brasil e exterior, entre elas "A casa sobre a rocha", Ed. Vozes, 2a. edição, 1999. Biblista, pregador de retiros de espiritualidade e Doutor em Teologia Moral.