Carta 004 - Aridez espiritual e Renovação

Aridez espiritual e Renovação

Uma senhora, da cidade de São Paulo diz que assistiu, no ano

passado, a uma curso que ministrei naquela cidade, onde falei

sobre “renovação espiritual” e ficou confusa. Ela afirma que foi

falar com o padre da sua comunidade e a resposta, por

superficial não erradicou suas duvidas. Ela se queixa de aridez

espiritual e me indaga porque o “fogo da perseverança” às

vezes diminui, chegando a apagar.

Cara irmã paulistana, Paz e bem!

Para começar a falar em “renovação espiritual” (RE) vamos nos socorrer de um trecho do profeta Habacuc:

Javé, ouvi falar da tua fama; aprendi a respeitar tuas obras, Javé. Ao correr dos anos, faze-as reviver; manifesta-as no curso dos anos. Na ira, lembra-te de ter compaixão (Hab 3,2).

É impossível crer em Deus sem admirar suas obras, descritas na sua Palavra. A Palavra é que sustenta nossa vida espiritual e mantém a Igreja. Por isto é preciso que se busque sempre uma renovação. Renovar é fazer de novo; é fazer melhor! Quando o bebê chora a mãe o atende; ele é incapaz, não sabe falar, não sabe comer sozinho, não sabe tomar banho... Nós somos mais ou menos assim: precisamos clamar a Deus para que ele nos socorra.

O povo hebreu que vivia no Egito, por causa de longos anos de servidão, desenvolveu uma mentalidade de escravo, incapaz de raciocinar fora do círculo-vicioso da servidão. Era preciso renovar para obter a libertação.

O Pai não nos trata como bebês a vida toda, senão nós não nos libertamos. É sabido que nosso conhecimento é limitado (cf. 1Cor 13,12). Em Oséias há um texto muito expressivo que nos dá pistas para entrarmos no conhecimento de Deus:

Esforcemo-nos para conhecer a Javé; sua chegada é certa

como a aurora, ele virá a nós como a chuva, como o

aguaceiro que ensopa a terra (Os 6,3).

O que é a aridez espiritual? É aquela perda de confiança, parece que Deus se esqueceu da gente, há a impressão que as nossas orações não são atendidas, tornamo-nos dispersivos, nada dá certo... Não é tão fácil dominar e disciplinar os sentidos interiores: vontade, inteligência, imaginação. Aliás, Santa Teresa mesmo, com seu fino humorismo, chama esta – a imaginação – de “louca da casa” que, como tal, tem a força de nos levar longe do que é essencial para estar a sós com o Senhor.

Deus, às vezes, permite as provações da aridez espiritual para que aprendamos a “buscar mais o Deus das consolações do que as consolações de Deus”, como disse São João da Cruz, um místico que tanto experimentou o que chamou de “noite escura da fé”. Ele afirmou que “o progresso da pessoa é maior quando ela caminha às escuras”. Os antigos mestres orientais ensinam que quanto mais escura a noite, mais próxima está a aurora.

Há três fatores que contribuem para a aridez espiritual:

 Voltar atrás (no sentido figurado)

O povo no deserto, diante das dificuldades queria renunciar

à liberdade, propondo uma volta à servidão do Egito, apenas

por estar com “saudades das cebolas que comia por lá”...

 Deixar como está (no sentido real)

O imobilismo funciona igualmente como um retrocesso; quem

não avança, não progride, automaticamente está regredindo;

 Desistir de lutar (acovardar-se)

Ocorre aqui o desastre total: a pessoa sente os efeitos

negativos das forças que a impedem de progredir, e por

preguiça (ou covardia) afirma “Estou fora!”. Esse laxismo é

fonte de todos os fracassos.

Esses fatores negativos ocorrem não só na vida espiritual das pessoas, mas também configuram obstáculos nas demais atividades, sociais, profissionais, cultuais, etc.

O “filho pródigo” – lembra dele? – não desistiu de lutar: “Vou me levantar e voltar à casa do meu pai!” (Lc 15,18). Se ele não tomasse essa decisão corajosa, continuaria “comendo a comida dos porcos”. É preciso ir em frente, jamais retroceder, nunca “deixar como está”. Jesus, Paulo e outras figuras bíblicas nunca se acovardaram, mas sempre andaram para frente: “Quem diz que está com Deus deve comportar-se como Jesus se comportou (1Jo 2,6).

Assim, se você quer fugir da aridez espiritual e buscar uma renovação precisa procurar o novo de Deus, para que ele a renove e ajude a corrigir suas limitações. Você pode questionar: onde e como a RE pode ocorrer? Assim como o corpo físico revigora-se diariamente, nosso interior precisa de constante renovação para manter-se fortalecido e plenamente saudável espiritualmente.

Conforme nos orienta a Palavra de Deus, a renovação espiritual deve ocorrer “dia após dia” (2Cor 4,16). A vida espiritual é uma continuidade, mas uma continuidade que é construída por uma comunhão e obediência exercidas dia-a-dia, momento-a-momento, sem qualquer intervalo. A renovação deve ser consciente e desejada. Há quatro fatores que ajudam a nossa renovação espiritual:

1. Perdão

A falta de perdão (dar e receber) cria traumas e depressão;

perdoar renova as feridas emocionais e reaviva a alegria

interior;

2. Compaixão

Compaixão – agir cum passio – é colocar-se no lugar daquele

que foi ofendido e sofre (cf. Mt 9,35s);

3. Misericórdia

É o benefício que se presta mesmo a quem não merece: não

é assim que Deus faz conosco? O bem sempre derrota o mal

(cf. Rm 12,21);

4. A prática do bem

O amor pratica o bem; quem ama faz o bem (cf. Rm 13,10;

Ef 6,8); o bem que você faz aos outros é Deus que faz a

você;

5. Saber doar (se)

Tem gente que pensa que doar é dar esmolas; doar é dar o

melhor (Deus deu seu filho único...); você só pratica uma

doação quando dá aquilo que vai lhe fazer falta (cf. 2Cor

8,1-3);

6. Sentido de plenitude

É preciso descobrir que o amor é o vínculo da perfeição e só

ele completa todas as nossas carências. O passar do tempo,

as rotinas e o costume tudo serve para anestesiar nossa

vida.

A renovação espiritual passa pelo desapego das coisas materiais, que em geral são supérfluas; você já foi capaz de doar algo que lhe fizesse falta? Às vezes quando pensamos mais nas desventuras do outro, esquecemos das nossas. Quando nos concentramos na nossa individualidade, olhando só para o nosso umbigo e as nossas dores, nos esquecemos dos outros, fraquejamos na solidariedade, a espiritualidade entra em baixa, abandonamos a Igreja, os sacramentos e a tibieza e a aridez nos assaltam. Começa por aí.

Devemos orar para que venha sobre nós – usando uma expressão empregada por você – o fogo da perseverança. O fogo não é a renovação, mas a efusão do Espírito Santo nos conduzindo (ou reconduzindo) aos caminhos da espiritualidade. Se orarmos, o milagre acontece! Não há nada que Deus não possa fazer! Colocar-se a serviço é uma das formas de obtermos a renovação do nosso interior. Servir – fruto do amor cristão – é prazer e prioridade. Por causa do amor Deus torna novas todas as coisas (cf. Is 43,19: Ap 21,5).

Você quer um ano diferente? Comece a buscar coisas diferentes! Ore de maneira diferente do que vinha fazendo até então... descubra outras formas de exercer seu apostolado... faça coisas novas... execute as tarefas velhas de outra forma... ambicione valores novos e maiores... Quer ver o milagre acontecer? Mude seu interior e sua maneira de ver as coisas!

Que a nossa busca de renovação não nos faça recair na futilidade e não nos distancie do amor. Que nosso coração se disponha a realizar as obras de renovação do Senhor (cf. Hab 3,2). Com isto você poderá vencer a anestesia que gera a aridez espiritual, que enfraquece o nosso espírito e nos deixa moralmente preguiçosos. Precisamos de renovação espiritual porque não podemos nos acomodar com o espírito do mundo (cf. Rm 12,7s) Devemos nos relacionar com o Pai porque só ele é Deus; ninguém (e nada) pode substituir o vazio de Deus em nosso coração; nós somos filhos dele; submissos ao seu amor, somos como que “a noiva do Cordeiro”. Pela oração e pela meditação da Palavra avivamos, renovamos e restauramos a presença de Deus em nós.

Fique com Deus!