Siladas Malafalha e sua sombra: cruzada medieval contra os GLBTS
Sou um estudioso da Bíblia e da História do Cristianismo que dificilmente perde tempo com o lixo evangélico na televisão brasileira. Pode ser que o fato de ter conhecimentos mais especializados sobre História não me transforme em figura crédula diante da potencialização vocal, teatralização e instrumentalização do nome de Deus que expressões como David Miranda, Edir Macedo e Siladas Malafalha praticam para confundir.
Neste sábado (14.04.2012) parei alguns minutos para ver a vociferação de Siladas na Rede Bandeirantes quando ele reprisava sessão do Senado Federal com os discursos irmanados de Magno Malta, por quem fui aos poucos perdendo respeito e referência, pois sua fala em favor dos mercadores da fé é um atentado a consciência e a cidadania do povo brasileiro e do Senador Lindenberg Farias, que conheci no PCdoB nos tempos de estudante. Lindenberg aprendeu as artimanhas do voto e do aconchavo, sabe negociar a alma com o diabo e em termos de fé, o ex-ateu é bastante ingênuo.
Siladas Malafalha se faz vítima de perseguição dos homossexuais, que segundo ele, querem lhe tirar a liberdade de empreender uma cruzada de preconceito e desinformação moral contra eles. Ele se considera homem da paz, mas se esforça por negar que primeiro, foi quem abriu fogo contra os que nada lhe devem, não consomem um centavo do dinheiro que Malafalha recebe, sentado, sem trabalhar, dos fiéis que se, Bíbla conhecessem, o deixariam falando no deserto.
Siladas esquece que uma das características das seitas é tocar o mesmo tom, a única nota, promover guerra santa contra um único assunto. O discurso marketeiro, político, que vinga facilmente dada a fragilidade educacional do nosso país, do Malaf, é a homoafetividade. Quando reclama dos direitos constitucionais de falar o que bem entende da vida particular dos outros, fico pensando se algum neonazista arrendar duas horas em emissoras de rádio e televisão e anunciar o racismo como meio de protegar a humanidade. Quem de nós, Magno, citaria o Artigo 5 da Constituição Federal para defendê-lo?
Quando vejo manifestações como a de Malafalha me lembro de Mateus 23 e da teoria da sombra de Jung. Siladas não faz pregações expositivas da Bíblia porque se obrigaria a situar algumas passagens no contexto cultural de época. Por isso, se aproveita do espírito supersiticioso, do temor de uma sociedade que não lê, menos as Escrituras e fundamenta nela seus medievais preconceitos. Malafalha é uma regressão à Idade Média, um entrave a libertação intelectual do nosso povo e um tropeço no entendimento da Bíblia.
Um fenômeno corre sob o tapete puritano resistindo mudanças históricas, a homoafetividade nas comunidades religiosas. É significativo o sofrimento e os transtornos emocionais que machucam a alma das vítimas dessa pressão tradicional e moral, levando algumas à desespero. Jovens se obrigam precocemente, a fugir do ambiente familiar e da vivência nessas congregações procurando espaço, convívio e privacidade para “ser o que são de fato” sem o juízo moral e o escândalo de quem não vive a intensidade dessas paixões e as condenam. Outro elemento ponderável na discussão dessa realidade é que, a condição da homoafetividade independe dos padrões morais que as igrejas estabelecem ou que famílias de viés conservador imponham como regra. Existe e resiste em cada culto, acampamento, união de mocidade e grupos. Quanto mais farisaísmo, mais secreta e próspera se torna a luta e a comemoração. Resta aos contrários contraditórios a crença de que aquilo que os olhos não enxergam o coração não sente. A homossexualidade reside nos líderes religiosos, pública ou como sombra de caráter. O mais voraz e veemente pregador homofóbico disfarça um ser que lida, doentia e dificultuosamente com sua sexualidade. Jesus Cristo disse algo próxima disso em Mateus 23. Quais seriam as dificuldades de famíliase, de grupos cristãos aceitarem a homoafetividade? Primeiro, a total ausência de crescimento intelectual que os deixa enfermos da inteligência. A maioria não lê, não se instrue, não faz cursos, não abre o pensamento para campos diversos do conhecimento humano, como Psicologia Analítica, História Cultural e Antopologia. Contamos com cristãos que acreditam que a Bíblia caiu do céu, encadernada, com zíper e traduzida em português. Dos púlpitos e das editoras, são cercados pelo dogmatismo medieval e das leituras descontextualizadas das passagens bíblicas, repetidas numa transposição histórica criminosa. A homoafetividade é humana tanto quanto outras. Segundo, a formação nos seminários e nas faculdades é severamente dogmática, farisaíca e denominacional, metodologicamente com viseiras. A Bíblia é ajeitada ao gosto denominacional. A Teologia deve mostrar ao estudioso as múltiplas formas de ver os temas, a diversidade de interpretações, não somente o contexto atual mas ao longo da história daquele grupo ou do sistema cristão. É a máxima dos teólogos de que a Bíblia seja interpretada em seu sentido literal, contextual, cultural e histórico. Do Gênesis ao Apocalipse fica claro como, doutrinas e conceitos foram sendo modificados e cada passo, superando escritos e escritores anteriores. Se o curioso comparar Eclesiástes com os escritos de Paulo de Tarso observará evolução quanto superação de idéias. Os clérigos não colocam estas verdades diante do povo. Na Bíblia existem princípios eternos e dados culturais superados. Na prática, abominamos a conduta recomendada pela Bíblia, apropriada ao contexto histórico em que foi escrita, entre as quais destacamos, superioridade do homem sobre a mulher, legitimidade da escravidão, poligâmia recomendada por Deus como direito do homem, o genocídio, assassinato institucional em caso de violação de padrões morais, prática sexual com finalidade procriativa apenas, permissão do concumbinato, ojeriza à homossexualidade. A Bíblia tem visão judaica e ignora, por completo, a contribuição de outros povos da época. Assim, abramos mentes e corações, o que está em nosso meio, se vier à tona, será mais digno que a nossa hipocrisia.