Fome da alma
Se alimentar é uma necessidade básica de todos os seres vivos. E a fome, essa necessidade de comer; é a maneira do organismo dizer que precisa de alimento. No entanto, existe uma fome que é peculiar ao ser humano: a fome da alma. Todo ser humano tem em si um vazio que precisa ser preenchido. Tal como o estômago, a alma também clama por alimento.
A origem dessa necessidade é relatada na Bíblia Sagrada no livro do Gênesis. No capítulo 3 nos é contata a história da “queda”. Antes do capítulo 3 é narrada à origem de todas as coisas, tendo como ápice a criação do ser humano (homem e mulher). Esse ser vivia uma plenitude física, relacional, existencial e relacional, pois vivia suprido por seu Criador, tendo nEle a fonte de sua existência.
Mas toda essa estrutura é abalada quando no capítulo 3 a serpente introduz no coração do ser humano a ideia de que poderia ser completo longe de Deus. “Vocês, como Deus, serão conhecedores do bem e do mal” (v.4) foram as palavras da serpente a mulher. Diante da sedução de serem autônomos, homem e mulher pecam e são expulsos do jardim e consequentemente da presença de Deus. Agora, homem e mulher já não são completos; vistos que já não desfrutam do jardim e da presença de Deus. O ser humano passa a ser incompleto e a carregar dentro de si um vazio e uma vontade de voltar ao jardim.
Fomos originalmente feitos para habitar no jardim. A mesma Bíblia no livro do Eclesiastes, diz que Deus “pôs no coração do homem o anseio pela eternidade” (3.11). O ser humano deixou no jardim um pedaço eterno de si. A partir daí todos nós passaríamos a ter uma fome, um anseio eterno.
A história humana é marcada pela busca de preencher o vazio da alma. Fazemos isso de diversas maneiras. Muitos de nós tentamos nos encher através da religião, de livros de autoajuda e terapia. Outros buscam em bebidas, drogas, sexo, no trabalho; ativismo; consumismo; em entretenimentos. A verdade é que a gente procura e se afunda em muitas coisas, nem sempre necessárias, visando um único objetivo: saciar a fome da alma (que vai querer sempre mais e mais).
Voltando para a Bíblia, agora no Evangelho de Mateus, temos narrado no capítulo 4 à história da tentação de Jesus. Após ser batizado e ouvir dos céus “Este é o meu Filho amado, em quem me agrado” (Mt 3.17), Jesus é levado ao deserto onde seria tentado pelo Diabo. O texto no versículo 2 diz que depois de jejuar quarenta dias e quarenta noites, Jesus teve fome. E nesse exato momento é que o Diabo aparece, assim como apareceu à mulher no Éden. E aparece propondo a Jesus um meio para saciar sua fome. Transforme essas pedras em pães é sua sugestão. O mais importante é a necessidade, não importa o que você terá que fazer, supra sua necessidade, você está com fome e diante da fome não existe certo e nem errado, continua ele.
Jesus contrapõe respondendo (citando o livro de Deuteronômio capítulo 8 versículo 3) que “nem só de pão [de saciar sua necessidade] viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (v. 4). Transformar as pedras em pães seria por em xeque a voz ouvida momentos antes. Seria dizer que diante da necessidade gritante de fome, a voz ouvida no batismo não era suficiente.
Diante da fome existencial não são raras as vazes que transformamos as pedras em pães visando preencher o vazio. Muitas pessoas estão com a cama cheia de sexo, mas continuam vazios e com fome interior. Outros caem no vicio simplesmente porque quando acaba a dose, o vazio volta, sendo necessárias outras doses. Por que será que apesar de atendermos as nossas necessidades a fome sempre volta? Qual a razão de tanta gente brilhante e talentosa se acabar mesmo tendo tudo? Fico pensando em qual seria o motivo de mesmo que façamos ou tenhamos algo que nos dê prazer, voltamos a ficar insatisfeitos, com fome.
Acredito que é simplesmente porque queremos suprir o eterno com o efêmero. Pensamos que coisas de duração temporária iram suprir o pedaço que ficou no jardim. Pois é, eles não vão! Porque "Existe no homem um vazio do tamanho de Deus". Nada, por mais prazeroso que seja, irá suprir a fome da alma, visto que ela tem fome é de Deus. A tentativa de saciar a fome da alma com algo que não seja Deus, só irá gerar frustração e aumentar a fome.
A fome da alma se torna menos dolorosa quando conseguimos, assim como Jesus, entender que nem só dos nossos anseios e necessidades vivemos, mas sim de Deus. A fome da alma dói, mas só piora quando queremos alimentá-la com algo que não é Deus. No final das contas, Santo Agostinho estava certo quando disse “[...] Inquieto está o nosso coração, enquanto não repousar em ti”. Não só o dele, mas o de todos nós está e sempre estará inquieto, enquanto não repousar em Deus.