Vocação: o tesouro, a pérola, a rede
Na vida cristã, tudo é vocação. Desde a nossa concepção recebemos um chamado de Deus: o chamado à vida. A resposta a esse chamado é dada pelos nossos pais que diante do convite de Deus deram o seu sim e nos permitiram vir a esse mundo. Depois que nascemos normalmente somos chamados pelo batismo a acolher em nossa vida a vida divina e nos tornarmos filhos de Deus no Filho de Deus e, mais ainda, sermos templos de Deus; morada do Espírito de Deus; tabernáculos da Santíssima Trindade. A esse chamado, nossos pais e padrinhos respondem sim em nosso nome. Porém, quando nós crescemos, somos mais uma vez chamados por Deus a dar o nosso próprio sim em sinal de nosso amadurecimento na fé. Isso ocorre na recepção do sacramento da confirmação. Toda a nossa vida é um contínuo chamado de Deus que nos interpela e espera de nós uma resposta.
Deste modo, falar de vocação é falar de uma relação de diálogo entre Deus que nos chama e nós que respondemos. É também falar de um relacionamento amoroso entre Deus e nós. É falar de sedução da alma, tal como se queixou Jeremias diante de Deus que o seduziu. É falar de uma relação onde nós, tal como o profeta, de plena posse de nossa liberdade nos deixamos seduzir pelo Deus de Amor e Bondade. E essa relação de sedução não se dá entre objetos, mas sim entre pessoas. Deus para quem ama não é um ser etéreo, um ser distante ou um motor imóvel. Deus é uma pessoa; um Tu; alguém com quem nos relacionamos e se relaciona conosco.
Todas essas coisas remontam a uma realidade que Jesus expressou por meio de três parábolas (Mt 13,41-51): a realidade do encontro. Não dá para falar de vocação sem falar de encontro. Vocação é encontro. E só entende a vocação do outro quem já teve um encontro; quem já se apaixonou e amou de verdade alguém.
Mas, o que é o encontro?
O encontro é o momento do estalo que dura a vida toda. É o momento em que o outro deixa de ser mais um, para tornar-se único. É o momento em que as luzes dos olhos se cruzam e as janelas de duas almas se abrem uma defronte para a outra. O encontro é algo semelhante ao que acontece nas três parábolas de São Mateus. É como se alguém encontrasse um tesouro no campo e por causa desse tesouro se desfizesse de tudo o que possui, porque acredita que o tesouro é o único bem necessário para ele. Quem encontra o tesouro não faz nenhum alarde. É discreto e vela com pudor aquilo que não está em sua posse. Simplesmente aposta tudo que tem, porque sabe o que encontrou. È interessante que a pessoa que encontra o tesouro não compra somente o pedaço da terra onde está o seu bem, mas ela compra o campo todo. Ela abraça o tesouro com tudo que ele traz consigo.
A vocação é ainda como alguém que está numa busca de pérolas preciosas e quando encontra a mais preciosa de todas não perde tempo em se desfazer das outras para adquiri-la. Quem encontra Deus não deixa as outras coisas pelo fato dessas serem más. Quem encontra o amor deixa os outros amores porque um único amor lhe é necessário e lhe satisfaz. O sentido da sua busca encontrou um fim. É interessante perceber que o negociante está numa busca. É essa busca que o move. Assim é a vocação: um apostar tudo pelo Reino de Deus.
A vocação também é semelhante a uma rede repleta de peixes, tal como ocorre no mar da vida. Nesta rede tem peixes grandes e pequenos. Tem peixes que prestam e peixes que não prestam. Porém, quando se vai para a terra, o pescador somente fica com o que é bom. Na vocação também é assim. Tudo é peixe, mas nem todo peixe serve para comer. Quem se sente chamado, é convidado a se responsabilizar pelo o que escolheu.
O que foi dito acima vale tanto para aquele que é chamado a devotar toda a sua existência a Deus na vida consagrada ou sacerdotal, como para aquele que é chamado no matrimônio a construir num relacionamento horizontal (marido-esposa) uma estrada que conduz para o céu onde está o autor toda vocação: Deus. Não há matrimônio sem encontro, pois neste sacramento o esposo revela a esposa o rosto amoroso de Deus e vice-versa. E, assim ambos se esforçam para ajudarem-se um ao outro a crescerem na descoberta da vontade de Deus revelada no cotidiano da existência.
Em Mt 13,41-51 existem três parábolas, mas uma única realidade: o Encontro. Assim também é com a vocação. Ela pode ser para vários serviços e ter variados estados de vida, porém, para o cristão, ela remonta a uma única realidade: o encontro. Sem encontro com Jesus Cristo, não há vocação no cristianismo.
Falar sobre vocação faz-nos lembrar de um episódio narrado em um livro onde um homem perdido em um deserto encontrou-se com um jovem príncipe que lhe pediu para desenhar um carneiro. E o homem pensou consigo: “Quando o mistério é impressionante demais, a gente não ousa desobedecer...”