Deserto
Vivemos numa época em que impera a realização pessoal e o bem estar do indivíduo. Todos estão procurando o que lhes é melhor. Com isso, raramente se aceita a realidade de sofrimento e pobreza, de desertos. A grande busca atual é pela calmaria das campinas. No entanto, o ápice do relacionamento com Deus não se dá nas campinas, muito menos em lugares calmos, se dá no deserto.
O deserto marca um aproximar-se de Deus de uma maneira íntima e pessoal. O deserto está presente na Bíblia tanto na vida de indivíduos, como na história de uma nação. Na Bíblia a referência ao deserto é literal, mas ele serve também de figura para a situação de solidão, sofrimento, desilusão, em que todo ser humano, em algum momento da vida, irá passar. Ele refere-se justamente a esfera humana de dificuldade, em que não se encontra saída, quer pessoal ou espiritual. Trata-se do deserto da alma. Das crises existenciais, onde a presença de Deus é muitas vezes questionada, por não ser perceptível.
O deserto marca o processo do homem de não só se encontrar com Deus, mas também consigo mesmo. Nesse processo de encontro consigo e com Deus a oração surge como ponto central e de equilíbrio dessa relação. O deserto torna-se não só importante, como indispensável na vida do homem. E não é mais tratado apenas no campo religioso. Luis Felipe Pondé, filósofo e professor da PUC-SP faz a seguinte afirmação ao falar sobre o deserto:
“(...) O processo de restauração instaurado pela atitude de Abraão (assumir a vontade de Deus como critério único de sua vida), contrario a tentativa de Babel (marcada pela decisão de construir o paraíso humano no mundo a partir de sua autossuficiência ridícula), passa pelo deserto, o lugar onde Deus pôs sua tenda. Lugar de vento que passa. Temos que ir ao deserto para ver Deus: o deserto materializa a visão hebraica de homem: somos vento que passa, pó que sofre, pensa e chora. Construir uma consciência do deserto não é para covardes” (PONDÉ, 2010, p. 201, 202).
O deserto é uma zona neutra, ponte de encontro que a ninguém pertence. E é nele que o homem se depara com a realidade de quem é, ou melhor, de quem não é. Embora não se entenda o deserto, na espiritualidade cristã ele desempenha uma função, uma razão de ser. E é nele que por meio da oração flui o processo de encontrar e deixar ser encontrado por Deus. No deserto só há uma realidade: Deus.
Todos os homens que passaram pelo deserto se depararam com uma única realidade possível chamada Deus. No entanto, nos dias atuais o deserto foi descartado por não condizer com a busca humana de conforto e satisfação. Igrejas lotadas por pessoas buscando escapar de seus desertos. Pastores, apóstolos, bispos e afins iludindo seus fies com promessas de uma vida longe do deserto, sendo que o encontro pessoal com Deus se dá também no deserto.
Deus está também no deserto, o problema é que muitas vezes nós não sabemos disso (Gn 28. 16). O fato de não vermos e de muitas vezes não sentirmos Deus no deserto, não significa que Ele não está lá, significa somente, que nós não o estamos enxergando e sentindo. Façamos de nossos desertos terra santa, lugar onde Deus também está.