Eleições 2022 – Uma Breve Análise das Eleições do Senado em São Paulo

O papel de uma consultoria política, ou de um consultor político individualmente considerado, é muita difusa. Nós achamos até um pouco arrogante da nossa parte nos considerar consultores, de verdade, mas este texto não precisa ser sobre isso. Enfim, o papel de uma consultoria (ou um consultor, que seja) é difuso e nós defendemos que ela precisa ser um agente externo que oferece perspectivas a quem nos procura, sejam essas perspectivas simples ou sofisticadas; unilaterais ou multilaterais; confirmatórias, questionadoras ou disruptivas, porém, neste texto especificamente, faremos uma pequena reflexão e alguns vaticínios que consideramos importantes acerca a eleição para o cargo de Senador da República no Estado de São Paulo em 2022, mas que entendemos estarem sendo negligenciadas pelos demais consultores.

Dito isto, iniciemos.

Conforme apurado pelo Tribunal Superior Eleitoral, o engenheiro Marcos Pontes de 59 anos foi eleito com 49,68% dos votos válidos, derrotando principalmente o advogado e ex-governador Márcio França, que amargou apenas 36,27% dos votos na corrida eleitoral. O resultado foi um choque de realidade em relação as últimas pesquisas eleitorais (principalmente de institutos importantes e consolidados como IPEC e Datafolha), algo que também merece uma análise mais pormenorizada, todavia que não será feita neste momento. Importante neste texto será aventar alguns pontos de vista que levaram a população a votar majoritariamente nele e o que poderá isso significar para a política, para o direito e para sociedade estadual nos próximos anos.

Nós não consideramos a vitória do Marcos Pontes uma vitória essencialmente do bolsonarismo, mas uma circunstância eleitoral proveniente no Estado de São Paulo, em que existe um vácuo de relevância deixado pelo PSDB e uma eleição presidencial que não permitira o surgimento de forças eleitorais que não fossem o ex-presidente Lula e o presidente Jair Bolsonaro. Entendemos que seria simplista, inclusive de maneira temerária, acreditar que apenas o bolsonarismo elegeria senadores em todo Sul, Sudeste e Centro-Oeste, mormente porque existem circunstâncias eleitorais e históricas (especialmente sobre a vida de cada um dos senadores eleitos) completamente díspares em cada um desses pleitos. Realmente a intransigência da parcela da população mais radicalizada com o bolsonarismo contribuiu para vitória do primeiro brasileiro a ir ao espaço. Acreditamos que a isso se coadunou a flexibilidade do público que não se identifica diretamente com os dirigentes da estrutura populista bolsonarista, mas também estava disposta a elegê-los ante outras candidaturas, bem como a hiperexposição do candidato em relação ao fato de ter sido ministro, com uma grande quantidade de inserções publicitárias no rádio, televisão e internet e a utilização de estratégias retóricas novas, como usar o nome de urna “Astronauta Marcos Pontes”, mesmo nunca tendo feito isso nas outras eleições que participara. Enfim, tudo isso contribuiu com a sua eleição, é fato, porém entendemos que o vácuo do PSDB foi elemento fulcral neste processo.

A partir do momento que levantamos esta hipótese, cabe a nós também explicarmos. Cumpre a nós suscitar um conceito extremamente específico enunciado pelo professor Paulo Bonavides para isso. Explicando sobre o que seria ciência política, adiantando que este é um conceito extremamente complexo, difícil e não terminativo: ciência política é o estudo cujo o objeto são os fatos, as instituições, as ideologias em sentido teórico e em sentido prático, do passado, do presente e do futuro. Haja vista a complexidade de que se incumbe a ciência política, o mesmo Paulo Bonavides elenca três dimensões de entendimento da ciência política, filosófica, sociológica e jurídica. Todos estes prismas, como ele chama, são de fantástico conceito e são sofisticados, porém, neste momento, nos cabe apenas o sentido jurídico, responsável pelo estudo estrito da unidade normativa do sistema de poder. Em um Estado Constitucional, produto de um texto constitucional promulgado por Assembleia Nacional Constituinte, a análise estrita normativa do sistema de poder é, portanto, a análise das estruturas do direito constitucional brasileiro. Então, mesmo que as pessoas expressamente ignorem o texto constitucional, acreditando que ele é uma é uma perfumaria, um elemento menos relevante dentro da política ou julguem a ele uma posição de relevância diversa do que ele realmente tem, elas não vão poder conceber uma análise politica factual sem considerá-lo, provavelmente considerando-o de maneira tácita, reproduzindo apenas uma estrutura constitucional do Estado Brasileiro que elas apenas aprenderam por hábito, sem nunca fazer uma reflexão, tal qual fizemos neste momento.

Considerando, portanto, o texto constitucional, rememoremos o que os legisladores constitucionais estabeleceram desde o seu primeiro artigo e é reiteradamente positivado ao longo de todo o texto constitucional na medida que a interpretação de um texto magno político e jurídico é especialmente marcada pela proscrição de ignorância ou despiciendo de um elemento em detrimento de outro: a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel de Estados, Municípios e Distrito Federal. Desta forma, considerando que o elemento jurídico (principalmente constitucional, que cria o Estado e impregna seu valor em todo o ordenamento jurídico nacional) veda a ignorância as estruturas jurídicas dentro de uma análise completa e profunda da política brasileira, conclui-se que na estrutura eleitoral, por mais que quotidianamente se despreza os estamentos jurídicos nos discursos e nas réplicas da discussão política, não se pode desprezar que concomitantemente a eleição presidencial e a eleição estadual irão se interferir. Negar isso é negar a estrutura constitucional que estabelece esta República é uma união em que os Estados também se fazem presentes.

Na medida que a eleição para o Senado Federal aqui no Estado de São Paulo não consegue se furtar da dicotomia e do estresse advindo da eleição presidencial de 2022, o então candidato Marcos Pontes se beneficiara e rivalizara diretamente com o candidato antagônico Márcio França, que passara a ter que assumir muito da rejeição ao petismo dentro do Estado de São Paulo, elemento extremamente importante nas eleições estaduais em todo o século XXI. Essa dicotomia ainda se beneficia de elementos diversos, alguns como a própria não renovação dos quadros do PSDB no Estado (dos dois ex-governadores que mais se erigiam como lideranças psedebistas, um praticamente já está bem idoso para uma participação efetiva na política eleitoral, e outro já não faz mais parte dos quadros no partido), os erros de estratégia de comunicação do candidato Rodrigo Garcia (que optara por uma comunicação muito utilitária e pouco ideológica e pouco condizente com a virtualização das campanhas politicas, mais relevantes desde 2018) e a escolha do candidato da coligação em que estava o PSDB, o ex-deputado Edson Aparecido (que debutava em eleições majoritárias, não sendo, portanto, conhecido do grande público, que também repetira os erros de comunicação do candidato a reeleição ao Palácio dos Bandeirantes).

Aliás, é bem claro que este vácuo do poder do Partido da Social Democracia Brasileira estava para acontecer uma hora ou outra. É precipitado dizer que ele acabou, mas é fato que o próprio desempenho eleitoral do partido era conturbado desde 2018, quando há o rompimento de João Dória com Geraldo Alckmin/Márcio França e a chapa de 2018 de Alckimin/Ana Amélia ao Palácio do Planalto naufragou ainda no primeiro turno, com erros de comunicação semelhantes ao candidato Rodrigo Garcia em 2022, pouco condizente com a virtualização das campanhas politicas e com tons agressivos de maneira contida, principalmente em momento errado.

Pois bem, passado o pleito, e agora? Quais predições podem ser colocadas?

Em primeiro lugar é crível pensar que o próprio Marcos Pontes não assuma o mandato como senador em um primeiro momento. Mesmo não fazendo parte da ala mais radical do bolsonarismo, Pontes serviu com obediência ao presidente nos momentos que isso foi posto a prova, tanto que teve um desgaste muito grande ao não se opor a demissão de Ricardo Galvão no INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) apenas pelo instituto corroborar com dados de que o desmatamento da Floresta Amazônica havia aumentado em 2019. Entre os desafetos do presidente, existem aqueles que sempre se posicionaram contra o seu governo e aqueles que foram expulsos do seu governo de maneira histriônica. Pontes não faz parte de nenhum desses grupos, é possível que em um eventual segundo mandato de Bolsonaro volte ao Ministério de Ciência e Tecnologia (lembrando que Bolsonaro perdeu o primeiro turno, mas ainda está no páreo na disputa presidencial), mas isso sequer é algo que entendemos ser muito destacável. Senadores se licenciarem do seu mandato para assumir cargos no governo federal (ou no governo estadual, Pontes também poderia fazer parte de um eventual secretariado de Tarcísio de Freitas na gestão paulista entre 2023 e 2027) não é algo novo, o agora antecessor de Pontes no Senado, José Serra, fez isso nos seus dois mandatos como senador.

O que nós achamos crível destacar é que a partir de 2023, Marcos Pontes será concomitantemente Senador da República e suplente imediato para assumir mandato dentro do Senado, ou ao menos compatibilizará as duas condições conforme diplomações oferecidas pelo Tribunal Regional Eleitoral, habilitando ao exercício dos mandatos, ou no caso da suplência, na expectativa de mandato, de acordo com o preconizado pelo Código Eleitoral. Ocorre que em 2018, uma das chapas vencedoras da eleição ao Senado Federal em São Paulo comportava Sérgio Olímpio, conhecido massivamente como Major Olímpio, como titular, Alexandre Giordano como primeiro suplente e Marcos Pontes como segundo suplente. É de notório conhecimento que o senador Olímpio falecera em 2021, vítima da pandemia de COVID-19, não podendo, portanto, cumprir o seu mandato. Desta forma, o primeiro suplente Alexandre Giordano fora convocado para assumir a condição de Senador da República, extinguindo sua condição de suplência nos termos do direito eleitoral, tornando Marcos Pontes pessoa imediata a assumir o exercício de Senador da República em caso de afastamento momentâneo/duradouro do agora Senador Giornado nos termos do regimento interno da casa alta da República. As circunstâncias que se sucederam com o tempo tornaram Pontes de um suplente com chances remotas de assumir o exercício do mandato a um Senador da República que também comporta a condição de único de outro Senador da República, senão uma situação inédita na história do país, peculiar a toda 58ª legislatura. Conforme esse ineditismo, pouco se discutiu sobre isso, se afinal ele mantém a posição de suplência ou não, mas acreditamos que não. Como suplência não significa mandato com prerrogativas e imunidades e licenciamento previsto em forma específica pelo ordenamento jurídico, diferente do que ocorre com o mandato, Pontes, juridicamente falando, não consegue conciliar as duas coisas e, dessa forma, deixa de ser considerado suplente do Senador Alexandre Giordano.

E isso revela algo que é sempre improvável dentro do ritmo da política do país e que segue sendo remoto, porém menos remoto do que em qualquer mandato da casa alta: a possibilidade de uma eleição suplementar ao Senado Federal antes de 2026 no Estado de São Paulo. Desde a promulgação da Constituição que vige em outubro de 1988, apenas uma vez foi necessária a providência de uma eleição suplementar ao Senado Federal, e nunca ocorrera dentro da história constitucional pós-1988 de uma eleição suplementar ocorrer por conta da previsão constitucional e regimental, que é razoavelmente clara sobre o que deve acontecer caso haja necessidade da convocação de um novo mandatário ao Senado: ela apenas deverá acontecer caso o afastamento do parlamentar Alexandre Giordano seja definitivo, isto é, o texto do Regimento Interno do Senado Federal prevê que a convocação do suplente ocorra por vacância ou licença, mas o Presidente da casa só deverá providenciar comunicação a órgão competente para adimplemento de eleição suplementar em caso de vacância combinada com ausência de suplentes coadunada com prazo superior a quinze meses do fim do mandato. Esta última é uma disposição constitucional que dirime dúvidas, mas o regramento interno da casa é soberano de acordo com a independência de um Poder Governamental defronte os outros. Provavelmente os legisladores senadores, responsáveis pela elaboração do regimento interno da própria casa, entenderam que o chamamento e a realização de uma eleição extraordinária e o prejuízo de ausência prolongada de um parlamentar na casa era uma situação pouco provável e de muito difícil precisão de impacto, optando pelo silêncio e pelo estabelecimento de prazos razoavelmente altos para evitar situações parecidas. Em que se pese a normatização interna corporis do Senado Federal ter autonomia, não descartamos que, caso essa situação ocorra, algum parlamentar ou possível interessado nas eleições estaduais de São Paulo pode se inquietar em relação a isso e interpelar o Poder Judiciário para questionamento, principalmente em caso de um afastamento superior a quinze meses, mas acreditamos que esta situação é tão hipotética que a expressamos por conta de um ponto de vista extremamente teórico, mas de necessário friso, pois o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal divergiram em relação a assunção provisória do mandato antes do provimento de eleições suplementares no único caso da história constitucional recente, a da ex-senadora Selma Arruda, acusada de crimes eleitorais em conluio com os seus suplentes.

Caso haja a necessidade de uma eleição suplementar, caberá ao Tribunal Superior Eleitoral a marcação de uma data, bem como a organização do pleito, sendo auxiliado pelo Tribunal Regional Eleitoral. E o que pode significar isso caso haja necessidade de um novo pleito?

Não é nossa missão delimitar tudo, afinal conforme salientado, essa situação era remota e permanece remota, menos remota é verdade, mas pouco factível em relação a realidade posta. Já reiteramos que a análise política possui dimensões de entendimento político, jurídico e sociológico, partiremos para elas. Juridicamente falando, um senador não é desprezível: ele possui iniciativa legislativa parlamentar para a consecução da função legislativa do parlamentar, que no nosso entendimento acaba sendo mais importante do que o próprio voto que ele tem dentro dos colegiados ou do Plenário, podendo fazer proposições ou emendas essencialmente disruptivas e inovadoras, impossíveis na ausência dele. Além disso, cabe apenas e tão somente ao Senado Federal o processo e o julgamento de membros do Poder Executivo, Poder Judiciário e Ministério Público. Em um cenário em que a política brasileira se vê mais radicalizada e isso tem tomado mais protagonismo nas discussões sobre a pólis, não é pouco a importante a presença de um voto a mais ou um voto a menos. Mais que isso, ao Senado cabe aprovação e arguição de Magistrados e chefes de missão diplomática, então não é completamente desprezível essa possibilidade.

Extravasando a análise jurídica constitucional, analisemos também a lei eleitoral. A norma que prevê regulamentações imprescindíveis para os processos eleitorais, a Lei nº 9.504 de 1997, estabelece que ordinariamente as eleições de Senadores da República devem ser em coincidência de datas das eleições para Governadores e Deputados. Isso pode parecer perfumaria, mas na medida que o direito proscreve sentido diverso a isso, ele torna a eleição para o Senado Federal mais conversadora em relação a mudança drástica de nomes. Explica-se: suponhamos que tenhamos um deputado federal bastante popular no Estado de São Paulo. Na hora da análise sobre o seu futuro, ele não poderá ignorar que caso ele queira concorrer a um cargo mais relevante, como o cargo de Senador, ele não pode ignorar que caso ele se proponha a disputar uma eleição mais difícil, ele aumenta o risco de perder o pleito e colocar em inércia a sua carreira eletiva. Na medida que é possível uma eleição extraordinária, essa escolha não precisará ser feita, pois perder a eleição não significará ficar sem mandato algum, possibilitando uma escolha menos drástica em relação a carreira. E isso significa impacto justamente na dimensão sociológica da política. A análise social significa o estudo e a análise da história da evolução política e sua racionalização, sua legitimidade e sua essência. Uma eleição que tende a ser menos conservadora dentro da lógica empregada pelos candidatos em relação as suas próprias carreiras, possui uma capacidade de uma mudança ou confirmação mais violenta da evolução política do Estado. Quando foi asseverado que nas eleições estaduais de 2022 o PSDB foi o grande derrotado, isso poderia ser mais facilmente alterado caso uma pessoa ligada ai partido consiga se sagrar vitoriosa em eventual pleito. O mesmo ocorre com a dimensão filosófica: uma alteração em relação a história da evolução política pode muito bem estabelecer ou recrudescer ideias relativas a essência e a justificação dos fenômenos de poder, em relação a uma diversificação ou uma radicalização de pautas a serem discutidas.

Essa é uma mera abstração, é um texto que, conforme salientamos reiteradas vezes, fala sobre uma situação hipotética que apenas se tornara menos remota com a eleição de Marcos Pontes, mas que é uma reflexão que sentimos que deveria ser minimamente estudada e escrita, na medida que não vimos isso ser aventado pela mídia corporativa ou alternativa, tampouco por analistas políticos que consignamos respeito.

Gabriel Figueiredo
Enviado por Gabriel Figueiredo em 07/10/2022
Reeditado em 07/10/2022
Código do texto: T7622372
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