Consciência fanática em tempos de penúria racional

Na história encontramos diversos momentos marcados por fanatismos, negacionismos e conservadorismos. Todos esses ismos precisam ser bem entendidos para que não se cometa injustiça. E uma das coisas que sempre foi salutar para o avanço da ciência, da sociedade e da cultura foi a consciência crítica. Sem crítica não há como a ciência avançar. A crítica é sempre a melhoria da visão que se tem de um determinado fenômeno. Sem a crítica a ciência não avança e ela deve ser sempre pública. Todos precisam saber o caminho percorrido para não repetir o processo e para melhorar permitindo que se avance no horizonte da descoberta.

A consciência crítica se opõe frontalmente à consciência fanática. O fanatismo se vê como absoluto, ponto final de um processo. Ele se vê como a voz da verdade, incontestável. O fanático assim torna-se intolerante com todos aqueles que agem e pensam de maneira diferente. Ele não vê nenhuma possibilidade de diálogo. É absoluto. Suas palavras são dogmas de fé. Somente ele está salvo. A consciência fanática pode ser encontrada no meio religioso e no meio sociopolítico. O pior fanatismo é quando há uma mistura do viés religioso com o viés político.

Esse fanatismo é perigosíssimo, e pode cair no obscurantismo dos tempos medievais. Lutero criticava a fala de um monge que dizia que “cada moedinha que tilintava em sua bolsa era uma alma que ia para o céu”. O fanático acreditava nisso sem questionar e Lutero levantou imediatamente 95 teses críticas à venda de indulgências.

Infelizmente o fanatismo penetrou em tantos grupos religiosos através de um procedimento curto e rápido, o fundamentalismo. Esse se tornou a sustentação teórica do fanatismo. Assim, a Bíblia passa a ser lida pelos óculos fundamentalistas. Então “tá na Bíblia”, diz sempre o fundamentalista fanático. Os religiosos fundamentalistas comportam-se como os sacerdotes do Templo de Jerusalém, os donos da Lei, os donos das Escrituras Sagadas. Jesus foi o grande crítico da religiosidade presente no Templo, chegando até a usar do chicote para expulsar os vendilhões daquele recinto religioso.

A vida de Jesus Cristo foi o contraponto crítico que se estabeleceu no seio do judaísmo antigo e por isso foi crucificado. O fundamentalismo não tem competência para discutir, mas para paralisar o oponente com a arma que estiver a seu dispor. No caso de Jesus, a mentira tornou-se a arma desses sacerdotes do templo que levaram Pilatos a mostrar a possibilidade de escolha entre Jesus e Barrabás, mas a fake News de então funcionou perfeitamente. E os sacerdotes se viram livres de qualquer culpa, pois foi o povo que pediu a morte de Jesus.

O fanático assim procede sempre. Escapa da culpa, da responsabilidade, da crítica, e se torna absoluto. Ao mesmo tempo tem um poder enorme de sedução, pois sua oratória não tem escrúpulos de colocar até Deus acima de todos. Tudo em nome de Deus. Então é a vontade de Deus.

Com essa linguagem religiosa, o fanático leva sempre consigo outro componente social, a consciência ingênua. Essa é levada sempre acreditando nas melhores intenções de quem se dirige a eles. Como cresce a religião que atua nos meios onde prevalece a consciência ingênua. Entre eles se colocam os profetas do fanatismo, do fundamentalismo. Parece que asfaltam o caminho para o céu verdadeiro. Dissimulação pura e simples, caminho do erro quase sempre. Como se tornou fácil salvar tantos “Barrabás” nos tempos atuais! Como se tornou fácil crucificar tantos “Jesus de Nazaré” nos tempos de fanatismos!

Como convencer uma multidão já convencida e enraivecida presente na praça, em frente a Pilatos, para que solte Jesus? O maior desafio dos tempos atuais não é tanto convencer o povo que Barrabás é o mal, mas convencer o povo que Jesus não tem culpa nenhuma. Esse é o desafio! Sem esse trabalho de crítica a história não avança, a ciência permanece inimiga, a crítica é taxada com rótulos da mentira que convence o mesmo povo.

Quem manda poder tem sobre a consciência ingênua são os líderes religiosos, que nos púlpitos vão orientando o povo a escolher Barrabás. Dizem pregar as Escrituras, mas na verdade pregam a submissão e transformam seus fieis em fanáticos que serão conduzidos como um rebanho. Não há apenas pastor com consciência crítica, como Jesus disse “O Bom Pastor”. Há pastores que levam seu rebanho para o abatedouro da fome, da exploração, da miséria. Então, o sacrifício não mais será oferecido nos altares, mas nos palanques.

A penúria é a fome de inteligência que não é sentida. Torna-se insaciável, pois não há movimento para a busca de comida boa. A inteligência se enrola em poucas expressões e palavras de ordem. Mais nada. Poucas palavras são suficientes para a consciência fanática. Essa é a grande penúria. E quem levar comida boa para essa população faminta (sem saber que é faminta) é taxado de mil rótulos condenatórios, degradantes, acusatórios. O fanático é a mais expressão da penúria intelectual dos tempos atuais. Muitas já falam em um novo iluminismo. Mas o fanático não consegue sequer distinguir iluminismo de comunismo. Para ele tudo é uma coisa só. O fanático não enxerga um palmo à frente do nariz.

E termino com o iluminista Voltaire: “Não concordo com nenhuma só coisa que dizeis, mas defendo até a morte o seu direito de dizê-las”. No fanatismo até esse direito é confiscado pelos sacerdotes do Templo. Os fiéis devem apenas ouvir e obedecer. A penúria parece não ter fim.

Edebrande Cavalieri
Enviado por Edebrande Cavalieri em 08/09/2021
Reeditado em 10/09/2021
Código do texto: T7337870
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