Rubem Fonseca contra a falsa dicotomia na política

O grande escritor Rubem Fonseca (1925-2020), falecido em 15 de abril de 2020, apoiou o Golpe Civil-Militar de 1964 e foi colaborador do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPÊS), organização de direita ligada à ditadura militar.

São fatos públicos e notórios. Todavia, como autor de livros de literatura, ele é um clássico, portanto, sua obra é universal, está acima de ideologias. Não é por acaso que o maravilhoso livro "Feliz Ano Novo", coletânea de contos com forte conteúdo violento e erótico, foi censurado pela própria ditadura. É uma obra inovadora e transgressora.

Contudo, este artigo fará uso de outra criação literária do autor: Agosto (1990). É um romance histórico, porém com elementos ficcionais e premissas de novela policial: Fonseca constrói uma trama comum em ficções criminais, mas a conecta com a crise política que culminou no suicídio de Getúlio Vargas em 24 de agosto de 1954.

O que me chamou atenção no livro, no entanto, foi uma fala específica do comissário Alberto Mattos, um dos protagonistas da trama.

Ao ser questionado se era lacerdista (referente a Carlos Lacerda, jornalista e adversário político de Vargas) ou getulista, Mattos simplesmente respondeu: "tenho que ser uma dessas duas merdas?"

Quando critico o desastroso Jair Bolsonaro, aparece bolsominion acusando meu suposto petismo. Ou seja, se você não é gado do presidente, como ele, só pode ser gado do PT/Lula, não há outra alternativa além da postura bovina. Uma falsa dicotomia.

Diante disso, só me resta fazer como Mattos e perguntar: tenho que ser uma dessas duas merdas?

Mas é importante esclarecer: não estou dizendo que Bolsonaro e PT são iguais. Evidente que o atual presidente é muito pior.

O problema é que a degradação populista que o PT sofreu e ainda sofre ajudou a criar uma massa de esquerdistas acríticos. Petista e lulista são vistos como sinônimos. E se dizer lulista é praticamente se assumir como gado do Lula.

Sou de esquerda. Mas não sou gado e não quero ser gado de nenhum político.

Fica aqui minha homenagem tardia ao grande Rubem Fonseca, talvez minha maior referência para ser escritor