O Patrono da Imprensa no Brasil: Hipólito José da Costa

“Na cabeça de cada um existe um mundo. Na de um estudioso há constelações. A de Hipólito da Costa é uma via Láctea.” ( Riopardense de Macedo 1921-2007).

Neste ano de 2020, a imprensa brasileira completará, em 1º de junho, seus 212 anos de existência. Esta efeméride tão significativa nos remete à importância cultural e política de Hippolyto Joseph da Costa Pereira Furtado de Mendonça (1774-1823), na história do Brasil, a partir dos valores humanistas e libertários que nortearam a sua existência no exercício daquilo que mais amou em sua vida: ser jornalista !

O ideal hipolitano

Seu discurso jornalístico - pautado pela liberdade de pensamento e pelo senso de justiça - não se restringiu apenas às relações entre a metrópole portuguesa e a sua colônia na América (Brasil). Na realidade, nosso jornalista se trata de um humanista imbuído de um ideário maior, quando decide apoiar também os movimentos de emancipação das colônias sob o jugo do imperialismo hispânico, defendendo a liberdade de expressão contra a opressão do absolutismo centralizador que vinha sendo derrotado no mundo e substituído, em várias partes do mundo, pela monarquia constitucional ou pelo regime republicano.

A Maçonaria

A Ordem Maçônica, na época, era o ponto de intersecção nas Américas de todos os revolucionários liberais. Ao defender a liberdade de pensamento, combater as injustiças e a exploração desmedida das riquezas abundantes nas Américas, as lojas maçônicas se constituíram no eixo de apoio e de fomentação de discussões filosóficas. Nela se encontravam os pedreiros livres que visavam à construção de um nova sociedade, lutando por uma América livre, a exemplo de José Francisco de San Martín y Matorras (1778-1850) e de outros nomes importantes que a história registra.

É dentro desse amplo contexto histórico de ações libertárias e anticolonialistas que se insere a figura notável de Hipólito José da Costa. Fundador, em Londres, do primeiro jornal brasileiro - o Correio Braziliense (1808-1822) – devido à proibição, desde 1747, de circular impressos na Colônia (Censura Régia), seu nome está registrado na Galeria dos Herois Nacionais.

De acordo com os conhecidos biógrafos - Mecenas Dourado e Carlos Rizzini, -Hipólito José da Costa se tornara maçom na Loja George Washington, na Filadélfia, quando, a pedido do Conde de Linhares, cumpria uma missão de ordem econômica, científica e diplomática nos Estados Unidos da América e México. Infelizmente, esta Loja sofreu um incêndio, no qual se perderam documentações importantes, como o livro de registro no qual estaria documentado o ingresso de Hipólito José da Costa na maçonaria. Suas anotações, acerca desta viagem, foram encontradas na Biblioteca de Évora, em 1955, e reunidas no livro “Diário de minha viagem à Filadélfia / 1798-1799”, cujo prefácio foi escrito por Alceu Amoroso Lima (1893-1983).

Sua prisão

Em 1802, ao retornar da Inglaterra, após fazer contato secreto, com os maçons britânicos, acerca das lojas portuguesas, ele foi preso pelo chefe de polícia, Pina Manique, tendo sido entregue à Inquisição sob a acusação de pertencer à ordem. Após três anos, sofrendo interrogatórios e maus tratos, conseguiu fugir da prisão do Santo Ofício, com o auxílio de irmãos maçons, encontrando asilo político na liberal Inglaterra.

O livro “Narrativa da Perseguição (1811)”, no qual Hipólito José da Costa descreve seus padecimentos na prisão, foi reeditado, em 1974, pela editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em parceria com a Associação Riograndense de Imprensa (ARI), no ano do centenário do seu nascimento. Na capital londrina, ele publicou o Correio Braziliense, casou-se, em 1817, com Mary Ann Troughton, resultando desta união três filhos; e ali viveu, por 18 anos, até a sua morte.

O único quadro

Na iconografia oficial do gaúcho Hipólito José da Costa (1774-1823), há um único retrato em que este aparece, com a mão direita, segurando o seu mensário o “Correio Braziliense”. De autor desconhecido, esta obra se encontra, no Brasil, no Palácio do Itamaraty, após ter sido doada por seus sucessores. No quadro, destacam-se o seu Correio Braziliense (1808-1822) e o tradicional símbolo da Ordem Maçônica, representado pelo esquadro e compasso unidos. Segundo os especialistas, é provável que este conhecido quadro a óleo - tenha sido pintado no ano de 1820.

Ao pesquisar a história desta obra de arte, descobri que a tela pertenceu ao Grão-Mestre Augustus Frederick (1773-1843), duque de Sussex, que era filho do Rei Jorge III, da Inglaterra, e amigo pessoal do patrono da nossa imprensa. Após a morte do duque, a obra passou às mãos da viúva de Hipólito da Costa, Mary Ann da Costa, e, na sequência, aos seus descendentes. Hoje, o quadro se encontra exposto no Itamaraty, graças à doação de sua trineta Rosemary Claire Porter.

A primeira reprodução deste quadro ilustrou o livro do jornalista paulista Carlos Rizzini (1898-1972), cujo título é “Hipólito da Costa e o Correio Braziliense”. Esta obra foi editada, em 1957, pela Cia. Editora Nacional.

A descoberta do túmulo de Hipólito José da Costa

Na importante revista “O Cruzeiro“, de 29 /10 /1955, seu biógrafo, Carlos Rizzini, publicou um artigo inédito sobre a descoberta do túmulo de Hipólito José da Costa, em Berkshire, na Igreja, Saint Mary, The Virgin, em Hurley. A troca de correspondências, ocorrida entre o diplomata brasileiro, Gastão Nothman, que se encontrava em Londres, com o jornalista Carlos Rizzini, no Brasil, foi primordial nessa busca.

O Dia 1º de junho

O Dia Nacional da Imprensa no Brasil nos remete a 1º de junho, pois nesta data, do distante ano de 1808, começou a ser editado o Correio Braziliense ou Armazém Literário, circulando, pelas ruas de Londres, de forma independente e sem censura. Esta efeméride faz parte do nosso calendário oficial por determinação da Lei Federal, nº 9.831, assinada, em 13/09/1999, pelo então presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso. O responsável pelo projeto de lei foi o deputado, do PSDB gaúcho, Nelson Marquezan (1938- 2002).

Durante este longo processo, a participação da Associação Riograndense de Imprensa (ARI) foi fundamental, somando-se à persistente luta do jornalista gaúcho Raul Quevedo (1926 2009), que, desde a década de 1970, havia iniciado essa campanha com o apoio do historiador pelotenser Cláudio Moreira Bento. Até o ano de 1999, o Dia da Imprensa no Brasil era comemorado em 10 de setembro, pois nesta data, após a vinda da Família Real (1808), começou a circular a Gazeta do Rio de Janeiro, que se tratava, na realidade, de um órgão oficial da metrópole portuguesa e, portanto, voltada aos interesses lusitanos.

O legado mais importante de Hipólito José da Costa foi o “Correio Braziliense ou Armazém Literário” (1808-1822). Impresso durante 14 anos e meio, a diversidade de temas e a riqueza de informações estão presentes em suas 175 edições, que foram organizadas em 29 volumes. do Correio Braziliense. Na seção “Miscelânea” se encontra a coluna “Reflexões sobre as novidades do mês e Correspondência“, onde o patrono da nossa imprensa debatia assuntos sobre o Brasil

O jornalista Raul Quevedo (1926-2009), em seu livro “Em Nome da Liberdade / A saga de Hipólito da Costa” (1997), editado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), compara o Correio Braziliense a uma verdadeira enciclopédia, na qual seu diretor, redator e revisor, Hipólito José da Costa, registrou, em português, os fatos mais importantes no aspecto sociopolítico, cultural e econômico que ocorreram naquele período da história das Américas e da Europa.

De acordo com a historiadora e especialista em História da Imprensa, Isabel Lustosa, Hipólito José da Costa considerava brasileiros os que comerciavam com o Brasil; brasilianos, os nossos indígenas e brazilienses, os portugueses nascidos no Brasil. Ao grafar o título Correio Braziliense com a letra Z, torna-se evidente que o seu jornal se destinava, principalmente, aos portugueses nascidos no Brasil.

O pioneiro à criticar a escravidão no Brasil.

Em março de 1814, em seu jornal, ele foi pioneiro ao criticar a escravidão no Brasil. Ao sugerir que houvesse uma abolição gradual, Hipólito José da Costa tinha consciência quanto às consequências negativas, caso esta ocorresse de forma sumária e sem uma preocupação social com aquela massa humana, que estava sendo liberta dos grilhões da escravidão.

Em novembro de 1822, Hipólito José da Costa fez uma severa crítica no Correio Braziliense: “:

É ideia contraditória querer uma nação livre, e se o consegue ser, blazonar, em toda a parte e em todos os tempos, de uma liberdade, mantendo dentro de si a escravidão, isto é, o idêntico costume oposto a liberdade. Os brasileiros, portanto, devem escolher entre essas duas alternativas: ou eles nunca hão de ser um povo livre, ou hão de resolver-se a não ter consigo a escravidão.”

No Brasil, infelizmente, houve uma abolição bastante tardia. Depois de 400 anos, de uma economia baseada no latifúndio e no braço do escravizado, foi assinada a Lei Áurea, pela princesa Isabel, em 13 de maio de 1888. Em torno de 700 mil escravizados foram libertos. Conquistaram a liberdade, exceto o direito ao passaporte da cidadania plena. O legado foi a miséria e a invisibilidade social de uma população de libertos desprovida de condições básicas para inserir-se em um novo modelo econômico, que se estabeleceu a partir da Revolução Industrial.

As ideias liberais, difundidas no Correio Braziliense, influenciaram de forma incisiva no processo político da independência do Brasil (1822) em relação a Portugal, e também ecoou nas colônias da América sob o jugo espanhol.

Segundo Barbosa Lima Sobrinho (1897-2000), o Correio Braziliense se manteve sempre fiel aos objetivos para os quais foi criado: lutar pela liberdade de pensamento e combater o despotismo dos poderosos.

O fundador da imprensa no Brasil, Hipólito José da Costa, nasceu, em 25/03/1774, na Colônia do Sacramento (Uruguai), quando esta estava sob o domínio português , e faleceu, aos 49 anos, em Londres, no dia 11 /09/ 1823, devido a uma infecção intestinal. Seus restos mortais foram depositados numa urna que se encontra, atualmente, no jardim do Museu da Imprensa Nacional, em Brasília, desde 2001. O seu translado, da Inglaterra para o Brasil, contou com o apoio do Grande Oriente do Brasil (GOB) e da Fundação Assis Chateaubriand.

Criado, em 10 de setembro de 1974, durante o bicentenário de nascimento do patrono da imprensa brasileira, o Museu da Comunicação, atualmente, é dirigido pelo museólogo Welington Silva. O nome da instituição é uma merecida homenagem ao criador do primeiro jornal brasileiro.

*As fontes bibliográficas estão citadas dentro do próprio texto.