POR QUE A CLASSE MÉDIA PENSA COMO RICOS E NÃO COMO TRABALHADORES?
A pergunta foi feita por meu amigo Antonio, em uma discussão sobre o porquê da classe média não entrar na luta pelas Diretas Já e se aliar a Lula, no “Nós contra Eles”, que na visão dele, é trabalhadores contra capitalistas. A pergunta faz sentido, já que a maioria das pessoas de classe média são assalariados não vive do capital. A resposta explica porque não teve classe média nas greves e últimas manifestações petistas. Mas vai além, é o caminho para conhecer melhor o Brasil e entender suas chances de mudança.
Entender como a classe média pensa é fundamental para saber o que ocorrerá em eleições e na política. O Brasil tem péssima distribuição de renda. Há cerca de 144 milhões de eleitores. Uma parte deles são pobres, porém, politizados e tendem a sempre votarem com a esquerda. São algo como 40 milhões dos eleitores.
Tem algo como 10 milhões que são a elite, mais classe média alta, composta por empresários, altos executivos e servidores públicos das melhores carreiras e em geral votam para a direita. São poucos, mas dominam empresas e comunicações, conseguem com isso influenciar muitos.
Tem uns outros 50 milhões de eleitores de renda baixa e não politizados, que muitas vezes não votam e em outras votam no líder das pesquisas, seguem os outros.
E existe a classe média, com os cerca de 40 milhões restantes, a maioria próxima da pobreza e alguns próximos da riqueza. Nas eleições, é o fiel da balança, o seu apoio em geral decide o vencedor.
A característica de mobilidade social dela é algo que as outras não têm. Quem nasce rico, salvo grande desgraça, será sempre classe alta. Quem nasce numa comunidade, salvo um talento especial para o futebol ou música ou via crime, muito dificilmente vai enriquecer.
A classe média não. Podem ser pobres num momento da vida e quase ricos em outro, dependendo de terem bons empregos ou não. E podem mudar de ideia, às vezes apoiam a esquerda. Foi o apoio dela que permitiu ao petismo ter mais de 70% de aprovação numa época. Por outro lado, foi a presença dessas pessoas nas manifestações que deu o apoio para o impeachment de Dilma.
Achei a pergunta do título excelente, porque permite falar sobre várias coisas mal entendidas. A primeira delas é o que é classe média no Brasil. O governo petista sempre bateu no peito que aumentou de forma sem precedentes a classe média. Isso porque considera como tal que todos que “saíram da pobreza” ao passar a ganhar mais de R$ 77 mensais por pessoa, com o bolsa família.
Eu entendo essa como uma definição totalmente inadequada, com forte viés político, para fazer as pessoas acreditarem que estavam progredindo com as ações do governo. Sair da pobreza absoluta não é o suficiente. Sem dúvidas houve ganhos, mas não os entendo como suficientes para tanto. Os programas têm valor, melhoraram a vida dos mais pobres, mas não os levou de fato para a classe média.
Se queremos analisar de verdade, proponho um conceito baseado mais na economia. Em minha visão, classe média é quem não depende totalmente do governo para comer, morar, estudar e tratar da saúde, mas tem o suficiente para satisfazer necessidades básicas quase todo tempo. Por outro lado, em condições normais, não consegue acumular riqueza mensalmente.
Na minha visão, um número mágico para uma análise centrada é o salário mínimo do DIEESE, que calcula há anos com rigor técnico quanto um trabalhador precisa ganhar para sustentar uma família de 4 pessoas e valia em dezembro/16 R$ 3.856,23, arredondando R$ 4.000 . Isso dá mais ou menos 4 Salários Mínimos (SM).
Se uma família de 4 pessoas ganha até R$ 2.000, vive com enorme dificuldade. Se ganha até R$ 3.000, talvez consiga pagar um plano de saúde, viajar de vez em quando. Para ter um carro, conseguir comprar bens e uma casa melhor, ter os bens que as pessoas das novelas têm, precisa mais. Mas somente se ganha mais do que R$ 4.000 consegue viver sem todos serviços públicos.
Sei que vai soar preconceituoso, mas é apenas uma visão diferente. Nada tenho contra classe baixa, ser pobre não é crime, e ninguém que seja o é por opção, quem ganha menos de R$ 4.000 por mês não é classe média, é classe baixa e depende de serviços do Estado (saúde e educação gratuitas, transporte baratos e subsídio para moradia) para viver.
Eu acho, portanto, que uma família para ser classe média teria que ganhar individualmente no mínimo 4 SM . Por outro lado se ganha mais de 20 SM, consegue acumular, para os padrões do Brasil é rico. Então, nesse meu conceito, classe média é a família que ganha de R$ 4.000 a R$ 20.000.
Quem são as famílias que ganham entre R$ 4.000 a 20.000? São as que têm pelo menos uma das pessoas com no mínimo segundo grau, e em geral não veio de famílias muito pobres. E isso é importante em nossa análise, porque quem vem de família de classe média muitas vezes recebe bens de seus pais, no mínimo quando eles morrem.
Então, tem capital. Pode não ser muito, mas voltando a pergunta do Antonio, muda algo essencial. A classe média em geral é rentista (recebe renda). Não vive do capital, porém esse complementa sua renda. Pode ser uma casa própria, até um imóvel para alugar, um dinheirinho na poupança, um plano de previdência. É um dinheiro que é ganho pela propriedade.
Ou seja, se pensássemos na ideia já ultrapassada do comunismo original, teria bens a serem expropriados. Então, um dos motivos para a classe média não apoiar ideias comunistas, as mais radicais de esquerda, é porque teria o que perder. Podem, no entanto, apoiar ideias menos radicais da esquerda.
Esse ponto já descarta o "Nós e Eles" como capitalistas X trabalhadores. Porque mesmo sendo trabalhadores, a classe média tem algum capital. Os capitalistas do Brasil não somam 10% dos eleitores, não seriam o suficiente para ganhar eleições. Eu acho que o verdadeiro conflito é entre os que querem governo mais liberal, que interfira menos na vida, contra os que querem o governo controlando a economia, ditando as regras e provendo os serviços. Mas isso é assunto para outro texto. Vamos nos concentrar no pensamento da classe média.
Eu sei que a esquerda atual não prega mais isso e que Lula não é comunista, até porque hoje é rico. Só que existem coisas que os governos mais de esquerda fazem que afetam a classe média. Não aumentar a tabela de imposto de renda pessoa física (IRPF) ou aumentar suas alíquotas tira dinheiro direto do bolso deles. Aumentar IOF sobre aplicações financeiras também. Aumentar IPTU ou qualquer tributo sobre propriedade idem. Enquanto os ricos que financiam políticos têm como obter isenções, a classe média não tem defesa alguma contra isso.
Então, um dos motivos pelos quais a classe média teme a esquerda é porque as ideias deles podem afetar o bolso deles, e isso gera medo. Quem tem poucas propriedades tem mais medo de perder do que quem tem muitas.
Há outros motivos. As propostas de governo são outro. Para quem é classe média, programas de renda mínima, água para o agreste, em alguns casos até o Minha Casa, Minha Vida, acrescentam pouca qualidade de vida. E, no entanto, é a classe média, a maior pagadora de impostos do país que paga por eles. Muitas das propostas da esquerda usam dinheiro dos tributos e não oferecem retorno para a classe média. Claro que há interesses comuns com os dos pobres, como escola gratuita. Mas na verdade, a maior parte da pauta de propostas da esquerda não melhora a vida da classe média.
Um outro ponto importante é que a classe média é em sua maioria de assalariados que trabalham em empresas. E essas trouxeram para essas pessoas a maioria das coisas que conquistaram na vida, pelos salários que pagaram na vida. Muitas foram promovidas e pegaram bons salários. A maioria recebeu treinamentos que aumentaram suas capacidades. Algumas receberam participações em lucros, conseguiram ajuda em seus cursos de formação escolar. Uns poucos tiveram usos de bens de empresa como celulares e carros que depois puderam comprar. Nas demissões, receberam FGTS e multas rescisórias. As empresas fizeram coisas para a classe média que são relevantes, melhoraram suas vidas. Não são inimigos, em geral fizeram mais por elas do que o governo.
Muitos da classe média ocuparam posições de chefia ou gerência. Eles são próximos dos donos da empresa, dão ordens e precisam cumprir as vontades desses para manterem seus benefícios. Agem como eles, vão trabalhar de carro. E não participam de greves, para não arriscarem suas posições.
Trazendo mais para a realidade do país, falando especificamente de porque a maioria da classe média não apoia o PT hoje. Embora haja gente da classe média que seja petista fanática, e também haja ricos que também o sejam, o fato é que Lula não traz propostas para a maioria da classe média. Os programas sociais que tanto preza, geram poucos benefícios para essa camada. E geram custos.
A questão do equilíbrio das contas é fundamental para a classe média. Um Estado que gasta mais do que arrecada fica endividado, tem de pagar mais juros, que afetam nossas prestações e gastos. Esse estado deficitário precisa de mais impostos, uma das propostas petistas é trazer de volta a CPMF e outra é aumentar os tributos sobre heranças e transmissões de bens. Quem é rico, pressiona os políticos – que também o são – e obtém isenções. Quem é de classe média não. Terá de pagar.
Nos anos de governo petista, a carga tributária no Brasil subiu muito e, principalmente com Dilma, o estado usou cada vez mais a contabilidade criativa para encobrir o gasto acima da arrecadação.
Os ricos não foram afetados. Em 13 anos de governo petista, ninguém falou, por exemplo, em acabar com a isenção do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) para lucros e dividendos. E há muitos anos a tabela desse imposto é reajustada abaixo da inflação. Ou seja, enquanto a classe média paga todo ano mais IRPF, Eike Batista, Joesley e Wesley, Jorge Lennan e outros que recebem milhões ou bilhões de lucros não pagam um centavo.
Não foi sempre assim. Nos anos dourados do petismo, talvez sem saber, o PT fez a segunda política que mais beneficiou a classe média. A primeira foi reduzir a inflação, feito do Plano Real de FHC. Mas a segunda foi a atualização das tabelas do IRPF, no governo Lula. A classe média é de assalariados. Um aumento na tabela que reduza o desconto de IRPF tira dinheiro do governo e põe direto na carteira da classe média. E é ela a maior beneficiada, já que os ricos não pagam IRPF e quem ganha menos de 4 SM paga pouco ou é isento.
O problema é que no primeiro aperto de contas, o petismo escolheu parar com as atualizações da tabela e usar o dinheiro nas suas obras, para ganhar doações de empreiteiros e permanecer no poder. O cinto da classe média foi apertando. E quando explodiu o desemprego, foram para as ruas contra o PT, apoiando o impeachment.
Influenciadores são outro motivo. A classe média tenta estudar em escolas particulares, onde a influência de professores claramente esquerdistas é menor. Quem estuda em escola pública, ao contrário, é bombardeado desde cedo por ideias de esquerda. Não estou julgando como errado, estou narrando um fato.
A outra diferença é na mídia, que no Brasil é profundamente conservadora, defende os valores da direita. Nenhum dos grandes jornais é de esquerda, nem as televisões. Das revistas mais importantes, apenas Carta Capital tem uma linha de esquerda. A maior revista do país, a Veja, é dos maiores inimigos do petismo. Influencia profundamente a classe média.
Há também a visão moralista. A classe média não começa com muitos bens. Precisa de estudo e trabalho para ganhar postos e sair da classe média baixa e se aproximar da alta. Compete entre si pelas regras, não tem atalhos. Por isso, enxerga corrupção como um enorme problema. É o "esperto" sabotando quem está tentando subir honestamente. Sem contar que quem ganha mais de 7 SM paga 30% de IRPF, que com mais 20% de ICMS nos produtos significam metade da renda em impostos. A corrupção significa roubar da classe média tudo que pagou. Um partido que queira seu apoio, precisa ter proposta contra corrupção.
Mas se eu fosse apostar em um mais do que outro, apostaria nas ambições, no que se quer na vida. O que quer uma pessoa pobre na vida? Sustentar seus filhos, conseguir sua própria casa, sobreviver. O que quer alguém de classe média? Ele já tem isso, não passa fome, bem ou mal tem onde morar, sustenta os filhos.
Ele quer se sentir rico, ter a qualidade de vida desses. Quer ter bens, viajar para o exterior, ter reservas para o futuro, ter segurança pública. Então, mesmo não sendo ricas, as pessoas de classe média pensam em onde querem chegar, em coisas que não são as preocupações dos mais pobres. O modelo de sucesso é serem ricos. Eles não querem ser o que eram no início de suas carreiras. Querem progredir. Não é uma visão bonita, tem um lado de preconceitos. Mas é o sonho que move as pessoas.
Acho que dei vários motivos de porque a classe média em geral não é alinhada à esquerda e, no Brasil, neste momento, ao petismo. Falta ao partido o que teve num momento, uma economia em crescimento, a classe média ganhando mais e evoluindo. Faltando os empregos e progresso, a classe média precisa em mudança. E não é a volta dos programas sociais que trará esse progresso para eles.
No momento atual, nenhum dos grandes partidos tem uma plataforma que encante a classe média. Sem contar que PSDB, PMDB, PT, DEM, PDT ou PP são todos quadrilhas de bandidos. Eu não confio em nenhum deles. E com Aécio, aprendi a nunca mais fazer voto útil. Entre candidatos ruins, anulo meu voto. Não sou nenhuma referência, mas conheço muitos que estão como eu, sem partido que me represente.
Se você chegou até aqui, espero que tenha valido a pena. Entender a classe média é fundamental para saber o destino do país. Eu não tenho a menor dúvida de que o partido que melhor atender a classe média vencerá as próximas eleições. E que sem se preocupar em atender a essa gente, nenhum dos partidos atuais irá para frente.
A pergunta foi feita por meu amigo Antonio, em uma discussão sobre o porquê da classe média não entrar na luta pelas Diretas Já e se aliar a Lula, no “Nós contra Eles”, que na visão dele, é trabalhadores contra capitalistas. A pergunta faz sentido, já que a maioria das pessoas de classe média são assalariados não vive do capital. A resposta explica porque não teve classe média nas greves e últimas manifestações petistas. Mas vai além, é o caminho para conhecer melhor o Brasil e entender suas chances de mudança.
Entender como a classe média pensa é fundamental para saber o que ocorrerá em eleições e na política. O Brasil tem péssima distribuição de renda. Há cerca de 144 milhões de eleitores. Uma parte deles são pobres, porém, politizados e tendem a sempre votarem com a esquerda. São algo como 40 milhões dos eleitores.
Tem algo como 10 milhões que são a elite, mais classe média alta, composta por empresários, altos executivos e servidores públicos das melhores carreiras e em geral votam para a direita. São poucos, mas dominam empresas e comunicações, conseguem com isso influenciar muitos.
Tem uns outros 50 milhões de eleitores de renda baixa e não politizados, que muitas vezes não votam e em outras votam no líder das pesquisas, seguem os outros.
E existe a classe média, com os cerca de 40 milhões restantes, a maioria próxima da pobreza e alguns próximos da riqueza. Nas eleições, é o fiel da balança, o seu apoio em geral decide o vencedor.
A característica de mobilidade social dela é algo que as outras não têm. Quem nasce rico, salvo grande desgraça, será sempre classe alta. Quem nasce numa comunidade, salvo um talento especial para o futebol ou música ou via crime, muito dificilmente vai enriquecer.
A classe média não. Podem ser pobres num momento da vida e quase ricos em outro, dependendo de terem bons empregos ou não. E podem mudar de ideia, às vezes apoiam a esquerda. Foi o apoio dela que permitiu ao petismo ter mais de 70% de aprovação numa época. Por outro lado, foi a presença dessas pessoas nas manifestações que deu o apoio para o impeachment de Dilma.
Achei a pergunta do título excelente, porque permite falar sobre várias coisas mal entendidas. A primeira delas é o que é classe média no Brasil. O governo petista sempre bateu no peito que aumentou de forma sem precedentes a classe média. Isso porque considera como tal que todos que “saíram da pobreza” ao passar a ganhar mais de R$ 77 mensais por pessoa, com o bolsa família.
Eu entendo essa como uma definição totalmente inadequada, com forte viés político, para fazer as pessoas acreditarem que estavam progredindo com as ações do governo. Sair da pobreza absoluta não é o suficiente. Sem dúvidas houve ganhos, mas não os entendo como suficientes para tanto. Os programas têm valor, melhoraram a vida dos mais pobres, mas não os levou de fato para a classe média.
Se queremos analisar de verdade, proponho um conceito baseado mais na economia. Em minha visão, classe média é quem não depende totalmente do governo para comer, morar, estudar e tratar da saúde, mas tem o suficiente para satisfazer necessidades básicas quase todo tempo. Por outro lado, em condições normais, não consegue acumular riqueza mensalmente.
Na minha visão, um número mágico para uma análise centrada é o salário mínimo do DIEESE, que calcula há anos com rigor técnico quanto um trabalhador precisa ganhar para sustentar uma família de 4 pessoas e valia em dezembro/16 R$ 3.856,23, arredondando R$ 4.000 . Isso dá mais ou menos 4 Salários Mínimos (SM).
Se uma família de 4 pessoas ganha até R$ 2.000, vive com enorme dificuldade. Se ganha até R$ 3.000, talvez consiga pagar um plano de saúde, viajar de vez em quando. Para ter um carro, conseguir comprar bens e uma casa melhor, ter os bens que as pessoas das novelas têm, precisa mais. Mas somente se ganha mais do que R$ 4.000 consegue viver sem todos serviços públicos.
Sei que vai soar preconceituoso, mas é apenas uma visão diferente. Nada tenho contra classe baixa, ser pobre não é crime, e ninguém que seja o é por opção, quem ganha menos de R$ 4.000 por mês não é classe média, é classe baixa e depende de serviços do Estado (saúde e educação gratuitas, transporte baratos e subsídio para moradia) para viver.
Eu acho, portanto, que uma família para ser classe média teria que ganhar individualmente no mínimo 4 SM . Por outro lado se ganha mais de 20 SM, consegue acumular, para os padrões do Brasil é rico. Então, nesse meu conceito, classe média é a família que ganha de R$ 4.000 a R$ 20.000.
Quem são as famílias que ganham entre R$ 4.000 a 20.000? São as que têm pelo menos uma das pessoas com no mínimo segundo grau, e em geral não veio de famílias muito pobres. E isso é importante em nossa análise, porque quem vem de família de classe média muitas vezes recebe bens de seus pais, no mínimo quando eles morrem.
Então, tem capital. Pode não ser muito, mas voltando a pergunta do Antonio, muda algo essencial. A classe média em geral é rentista (recebe renda). Não vive do capital, porém esse complementa sua renda. Pode ser uma casa própria, até um imóvel para alugar, um dinheirinho na poupança, um plano de previdência. É um dinheiro que é ganho pela propriedade.
Ou seja, se pensássemos na ideia já ultrapassada do comunismo original, teria bens a serem expropriados. Então, um dos motivos para a classe média não apoiar ideias comunistas, as mais radicais de esquerda, é porque teria o que perder. Podem, no entanto, apoiar ideias menos radicais da esquerda.
Esse ponto já descarta o "Nós e Eles" como capitalistas X trabalhadores. Porque mesmo sendo trabalhadores, a classe média tem algum capital. Os capitalistas do Brasil não somam 10% dos eleitores, não seriam o suficiente para ganhar eleições. Eu acho que o verdadeiro conflito é entre os que querem governo mais liberal, que interfira menos na vida, contra os que querem o governo controlando a economia, ditando as regras e provendo os serviços. Mas isso é assunto para outro texto. Vamos nos concentrar no pensamento da classe média.
Eu sei que a esquerda atual não prega mais isso e que Lula não é comunista, até porque hoje é rico. Só que existem coisas que os governos mais de esquerda fazem que afetam a classe média. Não aumentar a tabela de imposto de renda pessoa física (IRPF) ou aumentar suas alíquotas tira dinheiro direto do bolso deles. Aumentar IOF sobre aplicações financeiras também. Aumentar IPTU ou qualquer tributo sobre propriedade idem. Enquanto os ricos que financiam políticos têm como obter isenções, a classe média não tem defesa alguma contra isso.
Então, um dos motivos pelos quais a classe média teme a esquerda é porque as ideias deles podem afetar o bolso deles, e isso gera medo. Quem tem poucas propriedades tem mais medo de perder do que quem tem muitas.
Há outros motivos. As propostas de governo são outro. Para quem é classe média, programas de renda mínima, água para o agreste, em alguns casos até o Minha Casa, Minha Vida, acrescentam pouca qualidade de vida. E, no entanto, é a classe média, a maior pagadora de impostos do país que paga por eles. Muitas das propostas da esquerda usam dinheiro dos tributos e não oferecem retorno para a classe média. Claro que há interesses comuns com os dos pobres, como escola gratuita. Mas na verdade, a maior parte da pauta de propostas da esquerda não melhora a vida da classe média.
Um outro ponto importante é que a classe média é em sua maioria de assalariados que trabalham em empresas. E essas trouxeram para essas pessoas a maioria das coisas que conquistaram na vida, pelos salários que pagaram na vida. Muitas foram promovidas e pegaram bons salários. A maioria recebeu treinamentos que aumentaram suas capacidades. Algumas receberam participações em lucros, conseguiram ajuda em seus cursos de formação escolar. Uns poucos tiveram usos de bens de empresa como celulares e carros que depois puderam comprar. Nas demissões, receberam FGTS e multas rescisórias. As empresas fizeram coisas para a classe média que são relevantes, melhoraram suas vidas. Não são inimigos, em geral fizeram mais por elas do que o governo.
Muitos da classe média ocuparam posições de chefia ou gerência. Eles são próximos dos donos da empresa, dão ordens e precisam cumprir as vontades desses para manterem seus benefícios. Agem como eles, vão trabalhar de carro. E não participam de greves, para não arriscarem suas posições.
Trazendo mais para a realidade do país, falando especificamente de porque a maioria da classe média não apoia o PT hoje. Embora haja gente da classe média que seja petista fanática, e também haja ricos que também o sejam, o fato é que Lula não traz propostas para a maioria da classe média. Os programas sociais que tanto preza, geram poucos benefícios para essa camada. E geram custos.
A questão do equilíbrio das contas é fundamental para a classe média. Um Estado que gasta mais do que arrecada fica endividado, tem de pagar mais juros, que afetam nossas prestações e gastos. Esse estado deficitário precisa de mais impostos, uma das propostas petistas é trazer de volta a CPMF e outra é aumentar os tributos sobre heranças e transmissões de bens. Quem é rico, pressiona os políticos – que também o são – e obtém isenções. Quem é de classe média não. Terá de pagar.
Nos anos de governo petista, a carga tributária no Brasil subiu muito e, principalmente com Dilma, o estado usou cada vez mais a contabilidade criativa para encobrir o gasto acima da arrecadação.
Os ricos não foram afetados. Em 13 anos de governo petista, ninguém falou, por exemplo, em acabar com a isenção do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) para lucros e dividendos. E há muitos anos a tabela desse imposto é reajustada abaixo da inflação. Ou seja, enquanto a classe média paga todo ano mais IRPF, Eike Batista, Joesley e Wesley, Jorge Lennan e outros que recebem milhões ou bilhões de lucros não pagam um centavo.
Não foi sempre assim. Nos anos dourados do petismo, talvez sem saber, o PT fez a segunda política que mais beneficiou a classe média. A primeira foi reduzir a inflação, feito do Plano Real de FHC. Mas a segunda foi a atualização das tabelas do IRPF, no governo Lula. A classe média é de assalariados. Um aumento na tabela que reduza o desconto de IRPF tira dinheiro do governo e põe direto na carteira da classe média. E é ela a maior beneficiada, já que os ricos não pagam IRPF e quem ganha menos de 4 SM paga pouco ou é isento.
O problema é que no primeiro aperto de contas, o petismo escolheu parar com as atualizações da tabela e usar o dinheiro nas suas obras, para ganhar doações de empreiteiros e permanecer no poder. O cinto da classe média foi apertando. E quando explodiu o desemprego, foram para as ruas contra o PT, apoiando o impeachment.
Influenciadores são outro motivo. A classe média tenta estudar em escolas particulares, onde a influência de professores claramente esquerdistas é menor. Quem estuda em escola pública, ao contrário, é bombardeado desde cedo por ideias de esquerda. Não estou julgando como errado, estou narrando um fato.
A outra diferença é na mídia, que no Brasil é profundamente conservadora, defende os valores da direita. Nenhum dos grandes jornais é de esquerda, nem as televisões. Das revistas mais importantes, apenas Carta Capital tem uma linha de esquerda. A maior revista do país, a Veja, é dos maiores inimigos do petismo. Influencia profundamente a classe média.
Há também a visão moralista. A classe média não começa com muitos bens. Precisa de estudo e trabalho para ganhar postos e sair da classe média baixa e se aproximar da alta. Compete entre si pelas regras, não tem atalhos. Por isso, enxerga corrupção como um enorme problema. É o "esperto" sabotando quem está tentando subir honestamente. Sem contar que quem ganha mais de 7 SM paga 30% de IRPF, que com mais 20% de ICMS nos produtos significam metade da renda em impostos. A corrupção significa roubar da classe média tudo que pagou. Um partido que queira seu apoio, precisa ter proposta contra corrupção.
Mas se eu fosse apostar em um mais do que outro, apostaria nas ambições, no que se quer na vida. O que quer uma pessoa pobre na vida? Sustentar seus filhos, conseguir sua própria casa, sobreviver. O que quer alguém de classe média? Ele já tem isso, não passa fome, bem ou mal tem onde morar, sustenta os filhos.
Ele quer se sentir rico, ter a qualidade de vida desses. Quer ter bens, viajar para o exterior, ter reservas para o futuro, ter segurança pública. Então, mesmo não sendo ricas, as pessoas de classe média pensam em onde querem chegar, em coisas que não são as preocupações dos mais pobres. O modelo de sucesso é serem ricos. Eles não querem ser o que eram no início de suas carreiras. Querem progredir. Não é uma visão bonita, tem um lado de preconceitos. Mas é o sonho que move as pessoas.
Acho que dei vários motivos de porque a classe média em geral não é alinhada à esquerda e, no Brasil, neste momento, ao petismo. Falta ao partido o que teve num momento, uma economia em crescimento, a classe média ganhando mais e evoluindo. Faltando os empregos e progresso, a classe média precisa em mudança. E não é a volta dos programas sociais que trará esse progresso para eles.
No momento atual, nenhum dos grandes partidos tem uma plataforma que encante a classe média. Sem contar que PSDB, PMDB, PT, DEM, PDT ou PP são todos quadrilhas de bandidos. Eu não confio em nenhum deles. E com Aécio, aprendi a nunca mais fazer voto útil. Entre candidatos ruins, anulo meu voto. Não sou nenhuma referência, mas conheço muitos que estão como eu, sem partido que me represente.
Se você chegou até aqui, espero que tenha valido a pena. Entender a classe média é fundamental para saber o destino do país. Eu não tenho a menor dúvida de que o partido que melhor atender a classe média vencerá as próximas eleições. E que sem se preocupar em atender a essa gente, nenhum dos partidos atuais irá para frente.