A política, vinte séculos depois
Insatisfeito com o desempenho de um grande número de políticos, o que configura um cenário de falta de credibilidade e desesperança na política brasileira, procurei na história elementos científicos que explicassem a origem dessa cultura, onde o permissível e o ilícito são fragilmente separados por uma tênue linha.
Pois, incitado por essa inquietude cidadã, transitei por alguns cenários políticos, destacando o romano do século V a.C. ao III d.C., onde consegui, em vários momentos, traçar um paralelo entre o que aconteceu por lá e a realidade da política brasileira, o que me forneceu argumentos para dizer que, embora os tempos sejam diferentes, na política, nem tanto. Entre a Monarquia, a República e o Império, examinamos a República e suas semelhanças com a história contemporânea brasileira. Vejamos algumas coincidências. Na república romana era considerado honesto e legítimo os governantes se enriquecerem com as funções públicas. Via-se o Estado como uma fonte de enriquecimento, sendo que poucos serviam ao Estado e muitos dele serviam-se. Os cargos públicos dependiam da rede de clientelismo político do pretendente, da força de seus protetores e da aceitação do seu nome pelo conjunto da classe dirigente. O escolhido entrava para o serviço público para enriquecer, através da exploração de seus subordinados, pagando proteção aos seus protetores. Os subordinados, por sua vez, exploravam os administrados. A funções menores era comprada pelo novo ocupante, que procurava recuperar o investimento feito. O investimento era muito grande, pois deveria doar presentes alimentos e cargos a seus clientes, financiar espetáculos públicos, como teatro e lutas de gladiadores, incluindo algumas construções. O dinheiro público tinha duas mãos: uma retirava para o patrimônio do ocupante do cargo, a outra o distribuía aos eleitores. Na Monarquia, período que antecedeu a República, a vida política e social romana estava baseada nas comunidades gentílicas (descendentes e antepassados de uma mesma família) e restritas à população nativa da cidade e, os seus líderes, eram conhecidos por patrícios, os quais tinham o direito de vida ou morte sobre os outros membros. Os que não faziam parte das comunidades gentílicas, eram chamados de plebeus. Eram homens livres, podiam possuir terras, pagavam impostos e prestavam serviços militares. Estes, não podiam ter cargos públicos nem votar e portanto, não eram considerados cidadãos. Mas, além dos patrícios e plebeus, existiam os "clientes" e é esse grupo, que nasce na Monarquia e se estende pela República, o foco da nossa atenção, pois ele traz características genéticas, que contrariando as teorias de Darwin, não evoluíram, quando tomamos como referência os dias atuais. Os "clientes" eram homens livres, mas dependentes dos patrícios. Os "clientes" podiam ser pobres ou ricos, poderosos ou miseráveis, mas obrigados a prestar honras a seu patrono. Eram pessoas que pretendiam fazer carreira no serviço público, pobres coitados que não tinham como se alimentar, intelectuais pobres que dependiam de favores do aristocrata, comerciantes que esperavam do político proteção para seus negócios. Os "clientes" enfileiravam-se na porta do aristocrata para desejar-lhe um bom dia e render-lhe homenagens. Mas é na República que o "cliente" assume maior importância, pois passou a fornecer o grande eleitorado que votava em seus protetores para os cargos públicos.
Mas afinal, o que a política da Roma antiga tem a ver com o Brasil de hoje? Peguemos pois, os clientes e os protetores. Os protetores seriam os candidatos e os clientes os seus cabos eleitorais. Pois, na prática (excetuando-se alguns casos), observamos que os candidatos uma vez eleitos levam os seus cabos eleitorais e "afiliados" para o serviço público, usando o expediente de funcionários indicados para cargos especiais e funcionários em cargos comissionados, os chamados CCs, sem a preocupação se estes "clientes" tem ou não formação profissional e competência para desempenharem as funções para as quais são nomeados. Então, quando avaliamos a questão da política em nível nacional, passamos a entender como estes elementos de clientelismo, arraigados à nossa cultura, contribuem para a tendência dos serviços públicos funcionarem mal. Desta forma, freamos o desenvolvimento com qualidade e alimentamos o terreno para a corrupção, pois muitos clientes servem ao mesmo protetor, onde o comprometimento em administrar bem a coisa pública, via de regra, é substituído pela tolerância à indolência, consolidando a subserviência do cliente ao protetor. Todavia, não é justo que se generalize essa matriz comportamental para todo o Brasil, pois, se nos esforçarmos na pesquisa, ainda vamos encontrar municípios e estados, onde a política e a boa administração pública são praticadas, o que tem sido registrado com destaque por algumas mídias.