A Falácia da Alienação Futebolística
Chegamos à reta final da Copa do Mundo e acreditamos realmente que ela está sendo a Copa das Copas, mas não no sentido político-partídário do slogan governista, e sim no sentido futebolístico. A Copa tem nos apresentado jogos memoráveis, gratas e ingratas surpresas e exibições de gala.
Nota-se que os brasileiros estão divididos entre dois grandes grupos: os patriotas, que se emocionam e cantam o hino nacional em um brado retumbante e os superpatriotas, que são tão patriotas, que desejam a derrota da seleção brasileira, sendo certo que alguns querem o fracasso da nossa seleção com requintes de crueldade, pois torcem pela consagração do tricampeonato mundial da Argentina, nossa eterna e maior adversária.
A seleção brasileira, em sua 20ª participação em Copas do Mundo, chegou a final em 07 ocasiões, dos quais, conquistaram 05 vezes (58-62-70-94-02) e perderam 02 (50-98).
Mas será que o resultado da Copa do Mundo define a nossa vida política? Honestamente, não temos conhecimento técnico para responder. Centenas de respostas podem ser produzidas, através da Sociologia, Ciência Política, Antropologia ou qualquer outra ciência, inclusive a História. E observando os fatos históricos, temos condições de realizar um paralelo entre futebol e política, senão vejamos:
Em 1950, a seleção brasileira perdeu a final da Copa do Mundo, em pleno Rio de Janeiro, então Distrito Federal e capital do país, para o nosso vizinho Uruguai. O episódio ficou marcado como Maracanazo.
Ademais, o cenário político internacional era tenso, além do período pós-guerra, a Guerra Fria se iniciava. O Brasil, que até então era um país com uma economia predominantemente rural, era presidido pelo militar Eurico Gaspar Dutra, que tinha sido um dos líderes da implementação do Estado Novo e Ministro da Guerra da ditadura varguista. Segundo a linha de raciocínio dos superpatriotas, a derrota esportiva da seleção afloraria ideias políticas progressistas, mas não foi o que ocorreu. Três meses depois, Getúlio Vargas, ex-ditador, foi eleito democraticamente à presidência da República.
A seleção brasileira conquistou o seu primeiro título mundial em junho de 1958, na Suécia. Apesar do êxito esportivo, politicamente o momento era conturbado, pois o presidente Juscelino Kubitschek era constantemente acusado de corrupção, superfaturamento das obras da construção de Brasília e de favorecimento a empreiteiros. Contrariando a lógica superpatriota, em 1960, o povo brasileiro, campeão do mundo, elegeu o opositor de JK, Jânio Quadros à presidência da República.
Em junho de 1962, a seleção brasileira se tornou bicampeã mundial. Nesta mesma época, o Brasil vivia um clima político extremamente tenso. O presidente Jânio Quadros renunciou 11 meses antes e o seu vice-presidente, João Goulart, estava na China comunista. Os militares, que o viam como uma ameaça à democracia, tendo em vista as suas relações com o esquerdismo, realizaram uma intensa pressão política com o objetivo de impedi-lo de assumir a cadeira presidencial.
O término do embate se deu com a implementação do parlamentarismo. Nove meses antes do título mundial, Jango se tornou chefe de Estado, após a sua posse como presidente da República, mas não chefe de governo, cargo que foi ocupado pelo primeiro-ministro Tancredo Neves, que exerceu a função até julho de 1962, um mês após o bicampeonato. No ano seguinte, a população brasileira decidiu pelo retorno do sistema presidencialista, através de referendo.
Em plena ditadura militar, os 90 milhões em ação torceram pela melhor seleção brasileira de todos os tempos. Em território mexicano, o time brasileiro se tornou tricampeão do mundo. Porém, o país vivia os anos de chumbo, há um ano e meio antes da conquista definitiva do Troféu Jules Rimet, os militares introduziram o AI-5. Inúmeros grupos armados que diziam lutar pela democracia, mas buscavam a instauração da ditadura do proletariado surgiram, centenas de pessoas foram sequestradas, torturadas e assassinadas.
A década de 80, conhecida como a “Década Perdida”, foi um período de fracassos econômico e esportivo. No futebol, como fato marcante, poderíamos citar a derrota da seleção brasileira de 1982, na Espanha.
Nessa época, o regime militar já não contava com o apoio dos populares que clamavam pelo término da ditadura. Mas o futebol teve participação nesse movimento? Sem dúvida, poderíamos destacar a chamada Democracia Corinthiana, que contou com a participação de Sócrates e Casagrande e que visava um sistema de participação e gestão democrática do Sport Club Corinthians Paulista, em que jogadores, funcionários, comissão técnica e diretoria deliberavam sobre contratações, demissões, escalação e liberdade de expressão, tendo como filosofia: “uma pessoa, um voto”. Não foi coincidência o fato de que os astros do time com a segunda maior torcida do país participaram de forma ativa nas Diretas Já e no processo de redemocratização que culminou com o fim da ditadura militar em 1985.
Em julho de 1994, a seleção brasileira conquistou o tetracampeonato mundial, nos Estados Unidos. Entretanto, em maio de 1992, ou seja, dois anos antes da conquista do tetra, denúncias de corrupção na campanha eleitoral do candidato vencedor e, posteriormente, presidente da República, Fernando Collor de Mello, fizeram com que o Congresso Nacional instalasse uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que resultou no impeachment do presidente, que já havia renunciado ao cargo. O vice-presidente Itamar Franco, em dezembro de 1992, um ano e meio antes do título, assumiu a cadeira presidencial.
Em julho de 1998, em Saint-Denis, na França, Ronaldo Fenômeno, num episodio até hoje mal esclarecido, teve uma convulsão e toda a seleção entrou apática na final. O resultado foi a marcante derrota para a seleção local, com direito a exibição espetacular de Zinedine Zidane. Mais uma vez, utilizando a linha de raciocínio superpatriota, seria difícil uma conquista eleitoral, tendo em vista o fracasso esportivo. Errado, a situação política do país, após muitas décadas, tinha se tranquilizado e o presidente Fernando Henrique Cardoso, além de conseguir emendar a Constituição para poder disputar a reeleição, venceu o pleito eleitoral com facilidade no primeiro turno.
Em uma das piores Copas do Mundo para os brasileiros, pois quase todos os jogos eram de madrugada, em junho de 2002, no Japão, a seleção brasileira ganhou o pentacampeonato mundial. Se usássemos a lógica dos superpatriotas, os tucanos seriam beneficiados pela conquista do time brasileiro e elegeriam o seu sucessor, José Serra. Entretanto, o já desgastado governo FHC, através de inúmeras acusações de corrupção que envolvia o seu partido, em outubro de 2002, ou seja, quase quatro meses depois do último título mundial, perdeu as eleições presidenciais para Luiz Inácio Lula da Silva, ferrenho opositor dos tucanos.
A história nos mostra que a afirmação de que futebol é instrumento de política e alienação de brasileiros é equivocada. Acreditamos que a alienação, mais do que uma imposição de poderosos midiáticos ou econômicos, está relacionada ao comodismo do cidadão. Se o bolso está cheio, o país estará bem e vida que segue, todavia, se o bolso está vazio, o país estará numa ebulição política e mudanças poderão acontecer. Ademais, o cidadão que não que ser alienado, busca informação e conhecimento, ainda que sejam difíceis os meios. O cidadão que deseja viver alienado, ainda que tenha os meios, usará qualquer pretexto para alienar-se, seja futebol, novela, música, religião ou mídias parciais. Porque o mais importante para o alienado é não sair da sua zona de conforto, e não digo conforto no sentido material, mas no sentido intelectual ou ético. Viver na ignorância é uma benção!
Atualmente, notamos que, além de uma luta de classes inexistente que estão instaurando no Brasil, há uma bipolaridade da consciência coletiva, em que as mesmas pessoas ora apresentam os cartazes, postagens e jogos da velha anunciando “FIFA, Go Home” ou “Não Vai Ter Copa”, ora anunciando “Sou Brasileiro, Com Muito Orgulho, Com Muita Amor” ou “Tá Tendo Copa”.
Só sendo ignorante ou mau-caráter para acreditar ou propagar a ideia de que alguém vai votar na situação porque o Brasil ganhou a Copa do Mundo ou que alguém vai votar na oposição porque perdeu.
Basicamente, deveríamos ter dois grupos políticos: os satisfeitos que votarão na situação e os insatisfeitos que não votarão na situação.
Analisando, particularmente, o grupo dos superpatriotas, estes são, grosso modo, jovens extremamente insatisfeitos com as políticas públicas implementadas. Participam de ativismos, manifestações, black blocks e coletivos. Mas, ao mesmo tempo, são adoradores e propagadores do comunismo, socialismo, esquerdismo e a manutenção da situação no poder federal. A juventude tem apresentado um comportamento esquizofrênico na melhor das hipóteses, mas com cheiro de instrumentalização ou manipulação sob a batuta de partidos ou figurões políticos. Mas isso é papo para outra hora.
A Copa do Mundo está aí e está acabando. Curta ou não curta, isso é um direito seu. Aliene-se da forma que te traga mais prazer, seja assistindo aos jogos ou não. Mas não subestime a população, nos estamos de olho, sempre estivemos. Se os políticos corruptos, desonestos ou imorais estão lá, podem ter a certeza que não foi por causa do futebol, novela, samba, suor e sacanagem. Eles estão lá porque o povo quer e de bobo, esse povo não tem nada.
Cabo Frio, 05 de julho de 2014.