O embate entre Dilma e Aécio reedita o clima eleitoral de 1989

Por: Flávio Moura
Tenho ouvido bastante gente dizer que o clima nessa reta final das eleições lembra o de 1989: país dividido entre pobres e ricos, baixarias na campanha, o PT a enfrentar um candidato jovem e bem-nascido apoiado pela direita.
Tendo a concordar com a comparação, mas acho que, em certo sentido, está pior.
Havia acanhamento em apoiar Fernando Collor em 1989. Muitos de seus defensores não tinham coragem de defendê-lo em público. Os grandes jornais rejeitavam Lula, naturalmente, mas tinham pouca convicção no candidato alagoano. O Estado de S. Paulo declarou apoio a ele apenas nos últimos dias da campanha.
A Veja ajudou na construção do mito do caçador de marajás, mas tinha ressalvas com a figura messiânica. É conhecido o episódio em que Roberto Civita, então à frente da Abril, se recusou a recebê-lo na sede da empresa, durante a campanha, por ter sido avisado de última hora.
A Globo, de fato, contribuiu com a famigerada edição do último debate, em que o Jornal Nacional, na véspera do segundo turno, levou ao ar os melhores momentos de Collor – e os piores de Lula.
Mas ainda assim vale lembrar que a emissora precisava se valer de formas indiretas de apoio – a edição tendenciosa – para afirmar sua preferência. 
Mesmo na sociedade civil não era fácil achar quem se manifestasse a favor de Collor. O industrial Mario Amato disse que 500 mil empresários deixariam o país se Lula ganhasse. Mas era a voz da Fiesp, não de uma pessoa física. A atriz Marília Pera concordou em participar do programa eleitoral do PRN e até hoje sofre com o estigma.
Ninguém, em 1989, falava coisas que se tornaram comuns nas últimas semanas. Num vídeo desta semana da TV Folha, uma defensora de Aécio diz o seguinte:  “Temos que tirar o PT do poder, nem que seja preciso um golpe militar”. Num outro vídeo, da Carta Capital, um manifestante grita em direção a moradores de um prédio: “É petista? Então vai morar na favela!”
Entre os spans que chegam à minha caixa de e-mails, alguns apresentam a alternativa de forma clara: ou Aécio, ou os militares. Em 1989 não havia internet, então é difícil a comparação. Lembro dos toscos que vinham dizer que, se o PT ganhasse, seria preciso dividir nossa casa com os pobres. Mas eles não chegavam aos pés do que acontece nas caixas de comentário dos blogs – espaço em que viceja a hidrofobia conservadora que dá a cara do nosso tempo.
A grande imprensa abandonou os pruridos. Um blog abrigado na revista Veja faz campanha por boicote aos artistas que apoiam Dilma. A versão impressa da revista tenta uma bala de prata para acabar com o governo a todo custo. Os comentaristas de política dos telejornais não escondem a preferência. A Folha faz de conta que acredita que seus colunistas não podem revelar em quem votam.
A situação não está melhor no sentido inverso. Os blogs alimentados por verbas do governo petista – e são muitos — fazem o debate regredir a um tempo pré-1989. Ignoram qualquer contexto e partem para a chinelada. As comparações com o governo FHC são primárias, como se o país fosse o mesmo em 2014 e em 1994 e o plano Real uma obra de ficção.
Amigos que se dizem “de esquerda” nas redes sociais adotam comportamento de torcida de futebol – e se rendem a um “nós contra eles” que remete aos primórdios da redemocratização. Revistas apoiadas pelo governo estampam entrevista com Lula na capa a poucas semanas da eleição.
Se de um lado os tucanos se deixaram abduzir pela retórica do Clube Militar, do outro os dirigentes do PT vão caminhando para trás. A ojeriza a Aécio retira da pauta a urgência pela renovação da esquerda e varre para baixo do tapete os erros cometidos nos últimos doze anos e as limitações de Dilma.
Parte expressiva do frescor das manifestações de junho de 2013 vinha da falta de liderança. Sem bandeiras partidárias no horizonte, parecia nascer um modo novo de participar da vida política. Eventos como os que ocorreram em torno de Dilma esta semana em São Paulo, na frente da PUC, reforçam velhas práticas da militância e passam ao PT a impressão de que nada precisa mudar.
A eleição de 1989 era a primeira para o Planalto após a redemocratização. Seu desfecho foi triste, mas o país saiu fortalecido do impeachment, mais confiante no funcionamento das instituições.
Faz 20 anos que o Brasil está entre tucanos e petistas. Foram anos de avanços em muitas frentes – mas agora os dois lados resolveram acreditar que o adversário representa tudo o que existe de mais abjeto no universo.
O baixo nível da campanha faz que com que as candidaturas se reduzam àquilo que têm de mais básico. E aí, de fato, o que sobra são os estereótipos e xingamentos que estão por aí. 
Seria legítimo pedir da democracia brasileira mais do que essa simplificação, mas por ora é o que temos.
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FLAVIO MOURA
Flávio Moura, 35, é jornalista e doutor em sociologia pela USP. Foi diretor de programação da Festa Literária Internacional de Paraty (2008-2010), editor da revista Novos Estudos Cebrap (2004-2009), professor na Facamp (2003-2009) e coordenador de conteúdo on-line no Instituto Moreira Salles (2010-2012). Integrou as editorias de cultura do Jornal da Tarde, Valor Econômico e Veja. Entre 2005 e 2007, colaborou na equipe de editorialistas da Folha de S. Paulo. Desde 2012, é editor na Companhia das Letras. As opiniões emitidas neste espaço são de sua exclusiva responsabilidade.