Um Rápido Passeio de Trem
Após a leitura do texto "Trem: Boicote, Estupidez ou Crime", de Ordilei Alves da Costa, e com o convite para nos pronunciarmos a respeito dele, sentimo-nos propensos ao oferecimento de algumas considerações.
Inicialmente, devemos respeitosamente manifestar certa discordância em relação aos termos “boicote”, “estupidez” ou “crime” em relação ao que se fez com o trem no Brasil.
Ainda que o rodoviarismo tenha começado com Washington Luiz, foi na verdade com Juscelino Kubistchek que ele se intensificou.
Washington Luiz, o último presidente da República Velha, governou entre 1926 e 1930. Em 1940 contávamos com 41 milhões de habitantes, população inferior aos 43 milhões de pessoas que habitam hoje o estado de São Paulo. Em 1960, um ano antes de Juscelino deixar a presidência, o Brasil contava com 70 milhões de habitantes. Hoje a nossa população ultrapassa a casa dos 200 milhões.
Éramos, portanto, à época dos dois presidentes, um país pouco povoado, se consideramos a nossa extensão territorial. E tanto isso é verdadeiro que se atribui a saída da capital do Rio de Janeiro à necessidade de ocupação do planalto central.
Algumas razões podem ser apontadas para o declínio que se observou no transporte ferroviário a partir de Juscelino, provavelmente todas elas já bastante abordadas em diversos estudos e documentos.
Presumimos que a construção de Brasília tenha sido uma delas, já que a capital não poderia ficar ilhada no planalto. E o seu acesso por terra ensejou a construção de estradas de rodagem, mais imediata que a das estradas de ferro.
O automóvel era também, de certa forma, uma novidade para as classes de baixa renda, havendo uma larga oferta de espaço urbano para a sua utilização. Considerando-se o número de habitantes das cidades, por exemplo, em 1956, quando JK assumiu a presidência da República. Não se falava em engarrafamentos. O que é inevitável hoje em uma cidade como São Paulo, com cerca de 12 milhões de habitantes, em que o modal rodoviário é ainda o principal. Como em todo o país.
À época de Juscelino havia um carro popular, oriundo da Alemanha – o Volkswagen –, de custo mais accessível, capaz de realizar o sonho da classe média baixa. Concorria com o Volks o Wemaget, também de fabricação alemã, conhecido como DKW Vemag, candango ou DKW belcar. Em pouco tempo, estabeleceram-se no país montadoras desses dois veículos. O que significava a possibilidade de aumento da oferta de emprego. Sem falar no Dauphine, no Gordini e no Simca Chambord que vieram depois. Até que ponto não podemos falar também em pressão das fábricas estrangeiras para o início da implantação definitiva da indústria automobilística no país?
E a malha ferroviária, com os seus 38 mil quilômetros de trilhos em 1957, como ressalta Ordilei Costa em seu artigo, foi progressivamente sendo deixada de lado.
Mas o Brasil tem a tendência de não copiar os bons exemplos. Como acontece com o voto facultativo, praticamente empregado em todo o mundo democrático. Do mesmo modo, enquanto todos os países de dimensões continentais possuíam expressivas malhas ferroviárias, o Brasil permitia que a sua entrasse em processo de estagnação.
Então “boicote”, “estupidez” ou “crime” não deixaram de ser ações perpetradas por nós contra nós mesmos. Na medida em que não conseguimos ter visões mais futurísticas a respeito do que hoje conhecemos por mobilidade urbana; ou não conseguimos entender, como todo o mundo já sabia, que a integração territorial em países de grande extensão se dá de forma mais eficaz e econômica através de redes ferroviárias. Seja com o transporte de cargas ou pessoas. E não fomos capazes de exigir que nossos governantes tivessem o mesmo ponto de vista.
E isso não seria, em princípio, feito pelo homem comum. Para o qual muitas vezes as alterações de P.A. (projeto de alinhamento) ou construções de viadutos ou pontes estaiadas se configuram numa solução para os problemas de engarrafamento. Tal exigência deveria ter partido, em primeiro lugar, dos órgãos de classe ou associações, como CREA, Clube de Engenharia, SEAERJ, etc., com condições de oferecer pareceres técnicos melhor elaborados em termos de engenharia de transporte.
Quando a Avenida Presidente Vargas foi aberta, em 1943, houve quem se posicionasse contra a excessiva largura do logradouro. Que hoje vemos que é insuficiente para o número de veículos que por ela transitam diariamente. Ou seja, um atestado já anacrônico da superação da modalidade rodoviária em grandes centros urbanos.
Deveríamos ter tido a mesma visão que tiveram os projetistas da Presidente Vargas em relação à importância do transporte ferroviário em nosso país. O que continuamos não tendo. A julgar pela implantação dos corredores de tráfego, no Rio, pelo menos, através de BRT’s (Bus Rapid Transit), BRS’s (Bus Rapid System), etc. Depois de todo mundo estar cansado de saber que o transporte de massa se realiza sobre trilhos
Rio, 06/09/2013
Aluizio Rezende
Escritor, engenheiro civil
Membro da Academia Ferroviária de Letras
(O Artigo "Trem: Boicote, Estupidez ou Crime" está publicado no periódico "A Voz da Serra", de Friburgo)