Verdades e Mentiras
A história está repleta de verdades e mentiras. E elas podem ser, casuisticamente ou não, as duas faces da mesma moeda. Porque muitas vezes são confundidas ou travestidas dos mesmos significados, dependendo de quais sejam os interesses ou de quem sejam os interessados.
É verdade que Cuba não é um paraíso. Mas não é mentira que se ela estivesse nas mãos dos seguidores de Fulgêncio Batista, talvez fosse algo assim como um inferno para o povo cubano. Porque além da falta de liberdade de expressão, continuaria com os clássicos problemas de saúde, alimentação, educação e moradia, próprios dos países do Terceiro Mundo, cujas riquezas e matérias primas são vendidas a preço de banana para os do Primeiro Mundo. Para que eles façam seus testes nucleares, enviem seus foguetes à Lua e desenvolvam seus drones, ou aviões não tripulados, capazes de assassinar populações árabes de civis indefesos, ou de qualquer nacionalidade sem que eles tenham a perda eventual do aviador. Isso sem falar na possibilidade concreta de que Cuba poderia estar sob o domínio do sistema de poder emanado de Washington ou simplesmente anexada ao território americano. Como Porto Rico, onde em cada repartição federal tremulam lado a lado a bandeira do país e a dos Estados Unidos. E o cidadão porto-riquenho, viva ele no inferno ou no paraíso, nunca será cidadão norte-americano. Até porque o país dele tem língua, costumes e cultura próprias. Eles não precisam pedir emprestado.
O caso brasileiro de dependência felizmente não chegou a tal ponto. Por aqui, pelo menos, a nossa bandeira ainda tremula sozinha, ou em nível superior, à frente dos organismos governamentais. Não fomos ainda anexados, embora haja rumores quanto a isso em relação à nossa fatia da Amazônia. Que não é pequena.
Se é verdade que Cuba não é um paraíso, não é mentira que ela vem sustentando aos trancos e barrancos a sua independência. Aos trancos e barrancos porque teve a audácia de escolher um modelo diferente do que lhe estavam impingindo. Sendo por isso punida com um embargo covarde e feroz que já dura mais de 40 anos. Exatamente por não ter atuado como seus vizinhos da América Central e Caribe, submetendo-se ao jugo e à imposição de um poderoso sistema de comando e contrariando os interesses comerciais e econômicos daqueles a quem deveria obedecer.
Isto não é mentira. Porque se trata basicamente da história moderna de toda a América Latina.
Contudo, a blogueira Yoani Sánchez não quer (ou não pode) reconhecer que isso seja verdadeiro. Porque pode ter sido treinada para esse fim ou até, quem sabe, estar sendo remunerada com essa finalidade.
A traição nos surpreende quando é verdadeira. Foi assim com Judas, Joaquim Silvério dos Reis, com um grupo de oficiais da Wehrmacht, quando quiseram colocar uma bomba perto ou no colo de Hitler, e vários outros casos. É muito comum acharmos dentre os integrantes de uma equipe, pelo menos um que tenha sido cooptado e esteja lutando pelos interesses do lado adversário.
Pode ser o caso de Yoani Sánchez – ganhadora de vários prêmios literários de uma hora para outra, sem que seja apreciável a sua bagagem no contexto; pessoa com grande influência e presença marcante nas redes sociais, logicamente em todo o mundo; e, da noite para o dia, alcançando uma projeção internacional que muitas lideranças incontestáveis demoraram a conseguir. Tudo isso é verdade. Mas como foi conseguido? Não pode ter sido através de mentiras?
Há quem diga que os lucros obtidos com “os maiores prêmios de jornalismo e literatura do globo já teriam rendido a Yoani Sánchez a pequena fortuna de 300 mil dólares”. Pode ser mentira. Mas não pode ser verdade que ela esteja a soldo de um poderoso governo que tudo faz para desestabilizar o regime cubano, inclusive com um número expressivo de atentados? Como foi o episódio ocorrido em 1976 quando, num atentado contra um avião cubano, em que viajavam atletas e pessoas simples, morreram cerca de 80 pessoas. Será mentira que esse atentado teria sido cometido por um tal de Luis Posada Carriles que, ao que parece, “continua solto, livre em território norte-americano”, como lá se encontram livres muitos dos que cometeram atos tão violentos quanto os que atingiram as Torres Gêmeas? Será mentira a prisão por mais de 13 anos, nos Estados Unidos, de cinco cubanos que não cometeram crime algum além de procurarem o governo americano para fazerem denúncia de ato terrorista contra Cuba? Vamos torcer para que seja mentira que a blogueira esteja a soldo de um grupo de cubanos sediados em Miami e que conta, ainda hoje, com o apoio americano para atos terroristas contra Cuba por terem, seus antecessores ou os próprios, representado os interesses americanos na ilha no tempo de Fulgêncio Batista!
É possível que essa cidadã represente as aspirações do povo cubano? Quem irá nos dizer se os cubanos consideram-se majoritariamente insatisfeitos com o regime? Será que o mundo não vê, pelo menos com respeito, senão com admiração, os níveis de saúde e educação alcançados em Cuba, a despeito do bloqueio econômico, concebido com o propósito de asfixiar o país? Ainda que a medicina, como querem alguns, tenha em Cuba um caráter mais prático ou superficial que aprofundado. Como os cubanos teriam alcançado esses índices de educação e saúde se não tivessem uma alimentação adequada, por mais elementar que fosse?
Nessa abordagem que se vai tornando cada vez mais irreal, costuma-se condenar os regimes totalitários pela impossibilidade de as pessoas poderem sair de seus países, caracterizando-se o impedimento do direito de ir e vir, comum às sociedades livres. Mas sabemos que muitos niteroienses não vêm ao Rio com a liberdade que gostariam de ter por que não têm o dinheiro da passagem. E muitos cariocas residentes na Abolição, como a minha sobrinha, deixam de visitar com mais freqüência seus parentes em hospitais na Ilha do Governador pelo mesmo motivo. Essas pessoas e muitos outros brasileiros, apesar de terem liberdade para tanto, dificilmente teriam reais condições de deixar o país.
É preciso, portanto, avaliarmos com muito cuidado as posições da blogueira cubana que ora nos visita. Vamos ficar com as suas verdades, sim. Mas não vamos nos abstrair das suas possíveis mentiras. Ela, que está tendo a liberdade de sair de seu país para não falar bem dele. E a liberdade de não reconhecer a luta dos cubanos para continuarem insistindo na sua situação de independência, praticamente não desfrutada, na sua totalidade, por quase nenhuma nação da América Latina.
Rio, 18/02/2013