A Ética e a Moral
A ética e a moral
Não nos adaptemos aos modelos do mundo (São Paulo).
Como se sabe, ética e moral são grandezas um tanto quanto ausentes em nossa composição histórica, a partir da colonização. Talvez em conseqüência disto, essa carência, que se faz sentir progressivamente, nos dias de hoje, seja o fator de motivação da enorme crise social em que estamos imersos. A imprensa internacional, de uns anos para cá, não tem poupado espaços para relatar atos de corrupção e mau gerenciamento da coisa pública, perpetrados por políticos brasileiros. Junto com essas críticas, a mídia estrangeira destaca a impunidade e a violência, urbana e rural, como fatores do desequilíbrio social que corrói o Brasil.
Vergonhosamente (para quem tem vergonha, é claro) todas as atividades políticas são cercadas de escândalos, de abuso do poder econômico, conchavos, patrocínios de bancos, empreiteiras, multinacionais, etc. Esses patrocínios geram vínculos. Depois de eleito, seja um presidente, um congressista, um governador ou outra autoridade qualquer, com quem ficará seu coração? Vai decidir contra “eles” ou contra a massa pobre e obscura que o elegeu? A crise da ética em um regime social acarreta uma série de distorções a seus membros. Bem grave é a perda da liberdade, que acontece em troca do perfilamento, muitas vezes compul-sório ou subjacente, das pessoas à ideologia do sistema. Nesse contexto, cabe in-dagar: o que é ser livre? Desde os postulados da filosofia estóica (séc. IV a.C.), encontramos citações referentes à liberdade do indivíduo, classificando a faculdade de ser livre como um dom da divindade.
Mesmo que não se queira dogmatizar a compreensão sobre liberdade, tem-se que buscar juízos aproximados, como a possibilidade de uma pessoa fazer suas próprias escolhas e colocá-las em execução. Ser livre é um direito natural que o homem tem. Não se pode, porém, confundir a extensão ética da liberdade. Sou livre para fazer o agatón (o que é bom), o que tem valor social. Livres, de acordo com Platão, são os homens que agem de acordo com a ética da razão. Fora disso há alienação e cativeiro. Quando os capitalistas tentam, através de mil estratégias e retóricas, afirmar que não existe outro caminho para a humanidade que a livre-iniciativa do mercado, estão cerceando a liberdade humana, saindo do campo econômico para pervadir o ideológico. Se não há opção, a economia-livre não é li-vre! Nesse caso, a liberdade das chamadas elites, aquelas contempladas pela per-tença ao mercado, converte-se em cativeiro e exclusão para um sem-número de pessoas, alijadas do consumo. Isto é imoral!
Sob o ponto de vista ético e moral surge a pergunta: por que o povo brasilei-ro empobrece mais a cada década? A resposta vem do BID, um órgão mundial das finanças: “os custos dos ajustes sociais, especialmente na América Latina, recaem sobre as classes média e baixa”. No Brasil a crise da ética tem dois pontos-chaves: a corrupção e sua impunidade. Os meios de comunicação denunciam um fato. O governo “manda averiguar...” ou “toma as providências cabíveis”, e depois mais ou menos duas semanas o assunto perde as primeiras páginas e é sepultado com uma cortina de silêncio. Com isso cresce a impunidade. Não se escuta dizer se os corruptos foram presos, obrigados a indenizar o que roubaram, cassados ou demitidos. Nada. Tais facilidades estimulam novas atividades ilícitas.
Como vivemos no meio de uma crise de ética, não há justiça. Com isso cria-se a impunidade, a violência, a filosofia do cada-um-por-si, a lei do mais forte, a busca de justiça pelas próprias mãos. Um ex-vizinho meu disse recentemente: “Se entrar ladrão em minha casa, eu mato. Não adianta chamar a polícia. Eles fazem o jogo dos bandidos. Dias depois soltam o ladrão, e arrisca ele voltar à minha casa para me matar...” No Brasil, de tanto em tanto, quando a cobrança de providên-cias moralizadoras é muito grande, o governo aumenta a verba de propaganda institucional, para atenuar a pressão das grandes redes de tevê. Dou como exem-plo duas campanhas recentes, da Rede Globo: a primeira, contra a “prostituição infantil” e a segunda “contra o turismo sexual” feitas por algumas agências de viagem no exterior. Pura hipocrisia!
Primeiro porque não se acaba prostituição, intimidando ou fazendo diminuir o número de clientes das prostitutas. A prostituição é efeito, não é causa. A causa é a fome, a miséria, a falta de políticas urbanas, o desemprego, a ausência de pro-gramas para reter o camponês no campo, é a crise na educação. É isso que gera a prostituição de meninas, a partir de dez, doze anos. Quanto ao chamado “turismo sexual” constata-se outra hipocrisia. E o carnaval brasileiro? Como são feitas as propagandas no exterior? Não são montadas em cima do erotismo das mulatas, nuas ou seminuas, rebolando? E as chamadas da Rede Globo para o desfile das escolas de samba, não induzem a um turismo sexual? As grandes utopias já não são o motor capaz de promover mudanças profundas em nossa sociedade. Vive-se a paranóia do imediato, o possível, o alcançável. O materialismo prático im-perante, não dispõe de outros incentivos, a não ser o interesse egoísta.
Volta-e-meia os congressistas (Senadores e Deputados Federais) ameaçam boicotar a votação das reformas (muitas delas vitais para a segurança do traba-lhador e governabilidade do Estado) caso mexessem em seus privilégios. Recor-dam que privilégios são esses? Enquanto o trabalhador, só pode desfrutar da aposentadoria (com um salário miserável) após trinta e cinco (homens) ou trinta anos (mulheres) os parlamentares, após oito anos de serviço (??!) adquirem o direito de aposentar-se pelo IPC, com um salário superior a US$ 12,000. O povo, que “paga a conta”, não tem essas regalias, que o corporativismo, a falta de ética e a desfaçatez moral quer perenizar em favor dos congressistas. A falta de ética pode ser encontrada no fim de muitos raciocínios indagadores a respeito da desordem social que há em nosso país. A ética, como ethos (bom comportamento moral vivido à luz do direito natural) não é vivida nem buscada, e por configurar-se uma situação de injustiça, não há paz.
Para convalidar atos imorais e sem ética, cresce, cada vez mais, em nosso meio, uma moral de situação: “Isso é feio ou errado, mas se todos fazem, se é para o bem do grupo, se vai dar dinheiro, é válido. No terreno da moral, certos intelectuais e comunicadores de tevê, criaram a “moral de escolha”. Ser homossexual é uma boa, segundo eles, porque é uma escolha de vida. Ora, nem tudo que é escolha de vida é ético. A própria nomenclatura mudou. Antes o indivíduo era ladrão, hoje ele é um vivo; no passado, o cara era vagabundo, hoje é play-boy; antes, era explorador, hoje, sabe o que quer; a mulher, no passado era adúltera ou puta mesma, hoje é liberal; a nova moral tem desculpa e atenuantes para tudo
Há dias, um empresário brasileiro, da área de comunicação, foi entrevistado na tevê: “Uma pesquisa recente indicou que mais de 70% dos programas de computador que estão rodando no Brasil são cópias piratas. Isso é reflexo de uma índole corrupta”. A resposta é notável: “Não. Tudo depende da maneira como se vê a situação. Para o fabricante até pode ser uma atitude de corrupção, mas para quem a pratica é uma inocente maneira de enfrentar a competição do mercado. É o direito pela sobrevivência...” Eu já vi um político nordestino afirmar que “nosso maior princípio ético diz que feio é perder!”.
E assim vamos. Ladeira abaixo, julgando que somos espertos...
O autor é Doutor em Teologia Moral, Filósofo e Escritor. Autor de mais de cem li-vros, entre eles “A crise da ética”, Ed. Vozes, 3ª. edição, 2000.