Ainda há esqueletos no armário

AINDA HÁ ESQUELETOS NO ARMÁRIO

Em todos os armários, segundo Agatha Christie († 1976), especialista em contos policiais, existem fantasmas insepultos, histórias sem um epílogo, resquícios de algo misterioso, não-resolvido.

Na política brasileira também se observa esse fenômeno. A ditadura militar que devastou o Brasil (1964-1985) é hoje desconhecida pela maioria dos brasileiros com menos de 25-30 anos de idade. Foi um dos períodos mais negros de nossa história. Igual aos órgãos de Stalin, Hitler e Mussolini, a “polícia política” brasileira (DOPS) invadia lares, prendia e fazia desaparecer cidadãos, sem vestígios nem explicações.

Bastava que alguém não gostasse de alguém e o denunciasse à repressão, ele era preso, torturado até confessar o que não havia feito. A partir daí o destino era incerto: morto, torturado, inutilizado, sumido ou, no mínimo “expurgado”, perdia emprego, cargo público, etc. Existem pessoas desaparecidas até hoje. Muitas foram mortas e seus corpos atirados em valas comuns e inominadas.

Aqui no Brasil fala-se muito no terrorismo oficial da Argentina, do Chile e de outros países da América Latina, mas silencia-se diante da barbárie que assolou os brasileiros. A repressão (forças armadas, polícias e órgãos de espionagem) não trabalhava sozinha. Tinha o apoio de partidos políticos a ela subservientes. Esse conluio político tinha o nome de ARENA, que é a chocadeira de partidos modernos, como o PDS, PPR, PP, PFL (agora DEM), PSDB e outros. No passado pré 64, a conspiração nidava no PSD e UDN, entidades onde o D significava sofisticamente “democrático”, mas que abrigava todos os golpistas nacionais.

Até a minha Igreja tem culpas no cartório, muitas delas até hoje não redimidas. Enquanto alguns de seus segmentos proféticos denunciavam o arbítrio e o desrespeito, dando a cara para bater (muitos foram perseguidos torturados e mortos) uma boa parcela de prelados que, quais vivandeiras deslumbradas, eram comensais dos palácios e dos quartéis, contribuindo, segundo constou, na elaboração de listas dos seus pares que eram “subversivos”. Muitas dessas autoridades religiosas, que hoje formam a ala conservadora da Igreja, e querem passar uma imagem de santidade, não moveram uma palha quando da prisão, morte e tortura de padres, religiosos e agentes de pastoral.

Muitos dos que falam em democracia hoje, apoiaram o golpe, a violação da Constituição, o rompimento do tecido social, a perda dos direitos humanos, o arbítrio extremista e a tortura. Se não apoiaram, pelo menos calaram diante dela. Execram Fidel, Chávez, mas esquecem o que aconteceu no Brasil, no tempo do ditador Médici, quando estudantes, religiosos, jornalistas e ativistas foram mortos ou torturados. Eram tão descarados os golpistas, que afirmavam que sua ditadura visava consolidar a democracia.

A figura dos “esqueletos no armário” se observa hoje ainda na conduta de alguns radicais, que revelando um pensamento anacrônico, tentam ressuscitar o golpismo, com saudade do desrespeito às instituições, talvez com saudade de ver os tanques na rua, passando por cima da democracia. Nessa tentativa, parecem não entender que as ditaduras não levaram a nada, apenas acirraram ânimos e emporcalharam a história do país. A quem critica a ditadura ou não segue a ideologia deles é chamado de “panfletário”. Desmerecem as palavras “esquerda” e “socialismo”, como se referissem à lepra. Para esses só deveria haver sua “direita” doentia.

Se querem ressuscitar os fantasmas do passado e encarnar seus esqueletos, teríamos que também ir atrás daqueles que mataram inocentes, dos tantos torturadores que passeiam por aí, impunes e acobertados por uma injusta e unilateral “lei de anistia”. Os opositores foram mortos, presos, desaparecidos, cassados ou mutilados, enquanto os carrascos andam por aí, impunes, posando de bacanas, democratas, patriotas e até de bons cristãos.

Filósofo, escritor e ex-professor de Ciência Política. Doutor em Teologia Moral