QUESTÃO DE CONTABILIDADE

O dito “mensalão”, propriamente, não é uma questão de justiça, mas de contabilidade. Deve ser bastante frustrante para os ministros do Supremo Tribunal de Justiça se confrontar com um bando de ladrões. É também humilhante aos cidadãos terem que assistir impotentes a este espetáculo, sendo representado nos mais altos escalões da República. Claro, não se trata apenas de ladrões de galinha, mas tudo que está sendo discutido neste processo do “mensalão” envolve números, manipulados por gente poderosa que mente, engana, e ri daqueles que, por seu voto, alguma vez, declararam que queriam que eles os governassem. Na verdade, é uma questão de quantias matemáticas, manipuláveis com computadores. E, como se trata de quantias financeiras mal computadas, isto deveria ser resolvido honestamente nos escritórios de contadores, nas agências financeiras, nos Bancos, e não nos mais altos escalões da justiça. É nas práticas contábeis que existem as brechas legais, ou não existem leis, possibilitando a manipulação de números, que permitem a corrupção dos cidadãos. Os “caixas dois” dos partidos, as “lavagens de dinheiro”, os “dinheiros do tráfico”, e tantos outros dinheiros, são dinheiros não contabilizados. Fazer com que estes dinheiros sejam inseridos no fluxo legal do dinheiro de uma nação é questão de contabilidade. O bom funcionamento da contabilidade de um país é um dos sinais característicos dos países civilizados. A partir do que nesta área contábil aconteceu, e continua acontecendo, no Brasil, que lugar estaria ocupando o Brasil no ranking dos países civilizados? Com certeza, próximo ao patamar do “rebaixamento”, com vocação de “lanterninha”! Tudo isto revela que existe um poder corrupto no Brasil, que permite políticos corruptos, contadores corruptos, empresários corruptos, cidadãos corruptos. E uma das pragas da humanidade, desde a Antiguidade histórica, é a corrupção. A corrupção sempre foi uma importante responsável pelas desgraças da humanidade. É verdade, não existe apenas a corrupção contábil, mas ela é o início de muitas outras corrupções: corrupção da linguagem, que se chama mentira; corrupção eleitoral, que se chama fraude eleitoral, compra de votos; corrupção da justiça, que se chama injustiça, venda de sentenças; corrupção da fidelidade, que se chama traição; corrupção do poder, que se chama abuso de poder; corrupção do sistema de propriedade, que se chama grilagem, “gatunagem”, ladroagem, etc... De tudo isto, e ainda de algo mais, estão repletos os relatos históricos. Superar os desvios de conduta em todos estes âmbitos se denomina de processo civilizatório. E, na medida em que se consegue uma ordem legal, e uma consciência cidadã, que repudia as mais diversas e abomináveis corrupções, pode-se afirmar que uma sociedade é civilizada. E o ponto de partida fundamental para que se instaure uma ordem civilizada, para viver em paz, é zelar por uma contabilidade ética. Prefere-se, no entanto, permitir que a contabilidade continue aética, sem cidadania. Coisa lamentável! Penso que seria um passo civilizatório importante, para o Brasil do futuro, constituir um “Supremo Comitê de Contabilidade” no país, pois isto evitaria o vexame ao Supremo Tribunal de Justiça ter que se confrontar com “bandos”, “quadrilhas”, e que tais. Um vexame também para os cidadãos, que entendem que a missão da suprema justiça em seu país não é correr, meses inteiros, atrás de corruptos, e gritar “pega ladrão”.

Inácio Strieder é Professor de Filosofia – Recife/PE