O Estado como o “Duplo”, um ente mitológico. (O que protege e o que condena)
Édipo do homem “desdobrado”. Sófocles (Édipo rei) questiona até que ponto o homem, cuja condição consiste em estar aqui (aspecto humano) e fora daqui (aspecto sobre humano), é o motor absoluto de suas ações. A dualidade ressalta a mitologia dentro do aspecto benéfico; maléfico, dicotomia que reencontramos nas figuras-simbolo das religiões (p.ex. diabo e anjo da guarda no cristianismo).
Na literatura a definição do duplo é mais rigorosa, o duplo é ao mesmo tempo idêntico ao original e diferente-até mesmo o oposto – dele. É sempre uma figura fascinante para aquele que ele duplica, em virtude do paradoxo que representa (ele é ao mesmo tempo interior e exterior, está aqui e lá, é o oposto e complementar), e provoca no original reações emocionais extremas (atração e repulsa).
O século XX é mais uma era de ditadores, cuja natureza os historiadores e politólogos provavelmente ainda não terminaram de discutir. De crises à revoluções, e de movimentos revolucionários a reações contra revolucionárias, século passado foi dominado desde 1918 por uma extensão constante do autoritarismo político. A instauração na Europa de regimes autoritários novos entre as duas grandes guerras, ora revolucionários ora reacionários, mas todos “totalitários”, nada mais é que o estopim de um fenômeno secular extremamente vasto.
A.Conte, em Les Dictateurs Du XXéme Siécle (os ditadores do século XX), enumera nada menos que 132 ditaduras em 169 países do mundo em 1984. O desmoronamento, em 1945, do fascismo e do nazismo não interromperam o processo.
O “totalitarismo” não cessou de crescer, sob múltiplos aspectos e denominações, por quase todos os países, em todos os continentes, reabilitando a idéia de ditadura em nome de sorte de doutrinas e ideologias. Admiradas ou reprovadas, essas experiências deixaram marcas na memória coletiva.
As carreiras fulgurantes de um Mussolini, um Franco e um Hitler na Europa, Um Stalin na Ex União Soviética, um Mao Tsé Tung na China, um Perótis e um Getúlio Vargas, na América latina, um Gisékia Toure ou um Idi Amim Dada na África, criaram uma impressionante teomitologias pelo destino, cercados de uma “aura” misteriosa, novos “salvadores” não cessam de surgir aqui e ali, movidos por um secreto desejo de divindade, prontos a lançar-se contra a adversidade, a dominar o caos e a salvar os povos a noção de poder é ressacralizada.
As ditaduras se tornam, nesses novos discursos políticos, o princípio último de explicação dos acontecimentos. Um incomensurável impulso de poder, a “vontade de poder”, cujo advento Nietzsche, profetizada para este século, parece realizada por todos os lados, sendo os ditadores sua encarnação viva. Eles surgiram – ou teriam surgido - -como outros ídolos, outros Deuses soberanos, do nada para para realizar o desígnio obscuro de uma providencia misteriosa. Desnaturação do senso do sagrado, como sugerem os ensaios de R.Crossman, Le Dieeu dês Tenebres ( o Deus das trevas), ou B.H Lévy, La Barbárie á visage humain ( A barbárie de rosto humano).
As relações entre ditadura e o sagrado são confusas. Quebrando ídolos, restaurando cultos antigos, fundando seitas novas, os falsos profetas proliferam na literatura, rivalizando se com Deus. Desde 1900, a vontade do poder, ensaio póstumo de Nietzsche, anunciava uma prodigiosa mutação dos valores. O advento do niilismo religioso contemporâneo confirma isso.
As representações históricas e políticas parecem ocultar os aspectos religiosos dos fenômenos ditatórios. O Mito impõe-se de outra forma. O culto do poder faz nascer na Europa, entre as duas guerras, regimes autoritários, verdadeira religiões “seculares”. Os ditadores são deuses vivos, novos demiurgos da história. Uma prodigiosa mitologia ditatorial, cuja originalidade dos sociólogos e cientistas políticos R,Caillois, A.Salvy, H Sabais tentaram definir, é constituída por aportes sucessivos consagrados na vida política contemporânea a permanência dos “fenômenos fascistas”, a preeminência do “fenômeno stalinista” e em época mais recente, a explosão em todos os continentes do que chamamos, a partir dos anos 1930-1950,”fenômeno totalitário”.