PANOPTICON
Panopticon é o título parcial de um livro, publicado em 1791 pelo pai do utilitarismo inglês Jeremy Bentham(1748-1832). Neste livro, que é uma coletânea de cartas que Bentham escreveu a um amigo na Inglaterra quando visitava seu irmão Samuel na Rússia (1785-1788), o autor apresenta um projeto moderno para a construção de prisões mais econômicas. Na Rússia Bentham confiava que a Czarina Catarina, a Grande, se interessaria por seu projeto. Panopticon significa “visão total”, composta pelas palavras gregas “pan” (tudo, total) e “opticon”(visão, visualização). Bentham se antecipa, assim, em muito, ao Big Brother 1984 de Orwell. Nas prisões, construídas segundo o projeto do panopticon, existiria apenas uma guarita, na qual bastaria apenas um vigilante para observar todas as celas simultaneamente. Os prisioneiros nas celas, no entanto, não enxergariam o guarda, mas estariam conscientes de que estavam sendo vigiados constantemente, e assim não transgrediriam as normas do cárcere.
Interessante esta ideia do filósofo Bentham, propondo uma vigilância constante e total nas prisões, com um custo mínimo material e humano. E isto muito antes das câmeras atuais dos Big Brothers. Mas por que estou recordando a arquitetura do panopticon de Bentham, quando hoje as câmeras permitem um controle total em qualquer ambiente? É curioso, pois na época de Bentham a preocupação era apenas com a vigilância dos prisioneiros, hoje esta preocupação se extende a toda a população. As guaritas não são mais construções materiais, mas virtuais. As câmeras que nos vigiam se encontram por toda a parte: nas agências bancárias, nos shopping centers, nas escolas, nos hotéis, nas lojas, nos estádios de futebol, nos aeroportos, nos parques, nas ruas... Tem-se a convicção de que com uma vigilância total se conseguirá inibir a criminalidade. Será?
Voltemos ao panopticon de Bentham. A proposta de Bentham, embora muito econômica e viável para uma sociedade pequena, com reduzida criminalidade, teve pouca aplicabilidade, embora em algumas partes do mundo se construíssem alguns prédios segundo a proposta do panopticon. Constatou-se que poucos criminosos desistem de seus delitos, mesmo sabendo que podem ser presos por terem sido observados e reconhecidos. Esta psicologia, de não recuar no que se faz porque alguém nos observa, não existe apenas entre os criminosos, também se verifica entre as pessoas de fé religiosa. A teologia cristã ensina que Deus vê e sabe tudo o que planejamos e fazemos. No entanto, todos cometem pecados. Nem a “visão total” de Deus inibe os homens mais religiosos de transgredirem a Sua Lei, muito menos os bandidos permanecerão bonzinhos porque a tecnologia dos homens os vigia. Não me parece, por isto, que se consiga acabar com os crimes, por mais câmeras que se instalem pela cidade. Isto não significa que a tecnologia da “visão total” não deva ser incrementada. Em alguns casos ela já foi muito útil. Contudo não devemos ser ingênuos, e pensar que as câmeras de vigilância vão se sobrepor a múltiplas causas sociais e culturais que motivam a criminalidade. Câmeras até podem inibir os crimes em certas horas e locais, mas pouca serventia terão caso não se enfrentar as causas que levam as pessoas a transgredirem as leis. Isto não apenas em relação a homicídios, roubos, latrocínios, mas também em relação a corrupções e outras falcatruas. Portanto, os “panopticons” eletrônicos não passam de meios para soluções, mas não são a solução para acabar com a criminalidade. E, como são meios para determinados fins, não devem prejudicar o ser humano em outros de seus direitos fundamentais como, por exemplo, a sua privacidade. Em diversos momentos já se constataram transgressões legais usando a “vigilância total” de forma abusiva, invadindo a privacidade das pessoas. Dali a “vigilância total” também exigir uma vigilância para que ela mesma não se torne criminosa.
Inácio Strieder é professor de filosofia- Recife- PE.