Ti Nélson
Ecce homo! Nélson Pelegrino, Regente Vitalício da República do Nélson, de Divinópolis, MG. Também Rei Momo, absoluto, de tantos carnavais, e quadrilheiro - marcador, bem-entendido - contumaz... Balancez, en arrière, avancez... E todo mundo se afrancesava naquelas noitadas juninas...da terrivelmente acolhedora Divinópolis...
Eu inicialmente conhecia, só de passagem, e de crescente curiosidade, a República do Nélson localizada à Rua Itapecerica, a que saía da ponte do bairro Niterói, e bravamente desafiando todos aqueles quadriláteros que compunham o traçado da cidade do Divino, penetrava enviesada e só de poliedros calçada, até o coração da cidade...para depois, ser seu inquilino, durante o primeiro semestre de 1968, quando já em sede nova, muito bem localizada, na esquina da Rio de Janeiro com a Praça do Santuário. E praticamente frontal à casa do reverenciado Major Guadalupe, pai do Acadêmico Cláudio.
Com sua batuta de Maestro, Nelson - acho que ele dispensava o acento agudo sobre o e, assim como o grande Almirante Horatio Nelson, lobo do mar - tudo regia com disciplina férrea e um coração de pudim... Quanto a mim, após dois anos de seminário diocesano, onde cursara o colegial clássico, em 1966 e 1967, após ser "disciplinado", sin laude, pelo Senhor Reitor, Monsenhor Hilton Gonçalves de Souza, pela leitura proibida e escondida de Os Cangaceiros, de José Lins do Rêgo, restava a vida profana para concluir aquela instância última antes de habilitar-me ao ensino superior.
E fui parar, com Osvaldo André, Héber Alvim e José Rinaldo Pereira, no terceiro ano do Estadual do Porto Velho. Pra sermos colegas de Heraldo Alvim, José Elísio, Ernane Reis, José de Almeida, Luciano Fonseca, Romeu, Alfeu, Gilson, Eustáquio, as quatro musas Alaíde, Jeanne France, Marlene e Tânia...e sermos alunos de Adélia, Adércio, Dona Didi, Míriam Pirfo, Helena Alvim, Job.... - se de alguém me esqueço aqui, me me faça a gentileza de uma manifestação, que, com prazer, emendarei na próxima edição... (paulo.wangner@itamaraty.gov.br) ...
Mas voltemos ao Ti-Nelson, figura carismática urbi et orbe. Um de seus traços mais presentes era a propensão ao humor, castigat ridendo mores... Com aquela cicatriz linear, ao longo de toda a testa, aparentemente decorrente de um haver batido tanta cabeça, mostrava-o agora um cidadão bem situado, celibatário convicto, orientador de tantos sobrinhos, e dono de um dos mais exclusivos points da cidade, nos almoços sabadais quando recebia grande afluxo de estudantes universitários, vindos de burgos distantes, e até mesmo de Beagá, à busca do saber que a metrópole do centro-oeste mineiro oferecia.
E seus jovens republicanos eram protegidos com o zelo de uma leoa pos-parto. Duma feita, eu me achava presente na sala de estar da República, depois do jantar, em meio a um animado convescote, e o ouvi atender um telefonema, a que respondera:
- O Luisinho acabou de sair com a noiva dele...(O Luisinho era um exímio violonista farrista, bon-vivant...ao que me dava a conhecer) ...
Ao que do outro lado da linha, incontinenti veio o veemente protesto:
- Noiva dele? A noiva dele sou eu...!
E Ti-Nelson rebateu, sem hesitação:
- E eu não sei, minha queridinha ponte-novense...? A "noiva" a que me referi, e que ciúmes pode provocar, é o seu violão, cujo toque é sem par...
Nos exatos quatro meses letivos que vivi, republicanamente, confesso: recebi quatro belas missivas de um romance nascente, e realizei três profecias, tendo acertado plenamente duas delas.
E explico: pensionista de certo luxo até, tinha às mãos quase todas as páginas, e tardes, a edição do Estado de Minas e numa delas, na seção que trazia novas sociais do interior do Estado, mal divisei a figura excelsa, ainda que em preto e branco, de uma Angela Stecca, eleita então Miss Uberlândia, determinei: esta será a Miss Minas Gerais. E até mais.
Doutra feita, participando de um "bolo de linha" numa contenda de um clube argentino, acho que o Vélez, contra o Vasco da Gama, a que assistíamos animadamente, era diversão, minha gente, sobrou-me um número oito que era de meio-campista...
com menores chances de fazer gol...e não foi que revertendo o próprio pessimismo, ganhei uma bolada duns 30 dinheiros...Agradeci ao Salomone, o artilheiro, e fui me empanzinar na padaria vizinha...com direito a refrigerante...e troco...
Tente fazer isso hoje...
Quanto à terceira profecia, não sei se chegou a cumprir-se: em meu primeiro pernoite na República, saudoso de casa, e sem ânimo para telenovelas, fui me recostar cedo. Logo chegou um hóspede ocasional, de São José dos Salgados, moço já mais maduro e que pelejava com os estudos e o trabalho, de rara polidez, com o qual bati longo papo. Tainá, o nome do moço. Quando nos demos boa noite, vaticinei:
- Tainá, com essa sua voz, você tem o caminho aberto para se tornar locutor, de mão e boca cheias...