Normose
Há muito tempo, folhando uma revista, encontramos um pequeno artigo sobre uma tal de Normose.
Como se tratava de algo, para nós, desconhecido, a partir desse primeiro contato, começamos a pesquisar e nos aprofundar na tal de Normose para descobrir do que ela tratava, para que servia, de onde surgiu e se nos trazia algo de útil ou aproveitável.
As nossas primeiras pesquisas indicaram que a Normose é uma palavra inventada pelo brasileiro professor José Hermógenes Andrade Filho, para definir o que Ele denomina de a Doença da Normalidade.
No entanto, fomos alertados pela também pesquisadora Dra. Vanda Emilia Malinverni, de que bem antes do professor Hermógenes, o padre ortodoxo, psicólogo e pesquisador francês Jean-Yves Leloup, já havia publicado sua teoria usando o neologismo Normose para definir o que ele considerava a peste do século.
Sem entrar no mérito da primazia da autoria da palavra Normose, e, mesmo porque, embora com abordagens diferentes, os dois pesquisadores tratam do assunto basicamente da mesma forma, continuamos as nossas pesquisas e começamos a escrever o presente artigo.
Nosso principal objetivo é levar aos interessados, tudo o que encontramos a respeito do assunto e como não poderia deixar de ser, como critico dar também o nosso parecer e a nossa visão sobre essa denominada peste do século ou doença da normalidade.
Embora a palavra normose, como relativamente nova que é, em termos de definição de comportamento, o que ela se refere é tão velho como se andar a pé.
Desde que o homem é homem, sempre teve uma inclinação e uma necessidade de se parecer com os demais, seja imitando atitudes, modo de vestir, falar ou simplesmente ter o que os outros têm, até mesmo, por uma questão de sobrevivência.
Segundo as proposições, a maioria das pessoas entende que para se dar bem, ou viver bem, tem que se encaixar num padrão ou estilo de vida que é imposto pela sociedade.
Tecnicamente, podemos dizer que normose é o conjunto de normas, conceitos, valores, hábitos, pensamentos e modo de agir, aprovados pela maioria ou a doença do ser normal.
Hoje, todas as pessoas tem que se enquadrar num padrão que a cada dia que passa muda suas regras e normas conforme vão surgindo novos conceitos e produtos de consumo que passam a ditar a moda, comportamentos e costumes.
Estamos presos a propagandas de modelos que nos induzem a consumir determinadas bebidas, alimentos exóticos ou naturais e remédios, a usar roupas, sapatos, vestuário da moda ou até fazer tatuagens.
Possuir equipamentos eletrônicos, utensílios, e a posse de bens como carros, lanchas, propriedades e o apego a tudo que dá prazer como, jogos, clubes, associações e apostas que se repetem compulsivamente, inclusive pertencer a alguma religião.
Não se pode negar que a normose é um conjunto de várias regras que devem ser obedecidas por todos os que querem entrar para o seleto grupo dos iguais, só que o padrão propagado não é exatamente fácil de alcançar, pois tudo tem um preço.
Você precisa de determinada quantidade de pares de sapatos, igual número de trajes, comparecer à várias reuniões e jantares sociais por mês, manter o peso adequado, fazer viagens turísticas, de preferência internacionais, ter quase tudo o que os outros tem e ainda oferecer algumas festas para seus amigos.
O próprio desejo desenfreado de posses e de propriedades é uma normose tão comum quanto os hábitos alimentares de comer batatas fritas, hambúrguer, consumo de vinhos, carnes ou ser o primeiro da classe.
De acordo com as proposições do professor Hermógenes, para uma pessoa ser considerada normal, tem que ser magra, alegre, bonita, sociável, bem sucedida, que bebe socialmente, esta de bem com a vida e não pode parecer, de forma alguma, que está passando por algum problema conjugal e muito menos por crise financeira.
Como poucos conseguem alcançar ou mesmo se manter nesse patamar, os que desejam ansiosamente atingir essa posição e não conseguem, se tornam doentes mentais ou frustrados inconsoláveis.
Quem não se normaliza ou quem não se encaixa nesses padrões, acaba adoecendo e angustiado por não poder ser o que os outros esperam que ele seja, e isso gera as depressões, síndromes do pânico e outros transtornos mentais decorrentes do não enquadramento.
Pela via da busca desenfreada de um corpo perfeito, pelo o uso de anabolizantes, silicone, bronzeadores, energéticos, bulimias, anorexia, academias, drunkorexia etc. as pessoas perdem os seus valores, sua estima e a sua própria personalidade.
Assim, a normose estimula a inveja, auto depreciação e ânsia de querer o que muitas vezes não se precisa e nem se tem condições de adquirir.
Como nem todos têm cacife para bancar todo esse aparato é bom que as pessoas tomem consciência de que o normal de cada um é ser original e autêntico.
Não tome para si as ilusões ou desejos de ter a vida dos outros, nem se endividar, até o pescoço, nas casas bancárias ou nos cartões de crédito, para satisfazer uma desenfreada ambição.
A normose está doutrinando erradamente muitas pessoas, homens e mulheres que poderiam, se quisessem, ser bem mais felizes se fossem autênticos. Por exemplo, preocupado com o que os outros possam pensar você se arma de coragem e vai ao velório ou pelo menos ao enterro de uma pessoa, que era apenas sua conhecida, e expressa as suas condolências, só para mostrar para todos que você esteve lá.
Da mesma forma, mesmo estando indisposto e sem vontade alguma, gasta uma pequena fortuna, perde um tempo, que para você é precioso, só para cumprir o protocolo de comparecer a um casamento, uma formatura ou até mesmo a uma solenidade de posse de um político.
Temos que viver de forma integra simples e sincera, fazer aquilo que devemos e queremos fazer. Se estivermos sofrendo não temos motivo algum para esconder. Se não quisermos não vamos. Da mesma forma, quando estivermos contentes devemos dizer e mostrar para todos que a nossa alma está iluminada e feliz.
Não podemos afirmar que a normose seja realmente uma doença ruim, porque afinal, todos devemos progredir, mas também não podemos negar que como doença psicossomática que é, pode tomar conta do nosso corpo e principalmente da nossa alma.
É por isso que alertamos, se não puxarmos o freio de mão das nossas ambições e dos nossos desejos desmedidos, certamente iremos morar na “Casa Verde” e se submeter aos tratamentos prescritos pelo psiquiatra Dr. Simão Bacamarte que, muito antes da antipsiquiatria de Lacan ou das teses de Foucault já tratava dos, supostos, alienados da normose.
O Dr. Bacamarte é o personagem principal do conto O Alienista de Machado de Assis, vale a pena ler essa pequena obra.