Cinto aguerrido?

Ser menino, já virando rapazinho, naqueles anos cinquenta não era mole não. Mais difícil até do que ser menina-moça, embora não parecesse assim à primeira- nem à derradeira - vista.

Mas reconheçamos que para as meninas-mulheres, além de darem conta das obrigações da casa, muita coisa restava a fazer para se cuidar bem da aparência. Botar os papelotes no cabelo, depois de lavá-lo e enxugá-los em um hairdrier, que trabalheira, mesmo se houvesse melhor torneira, ou mesmo que houvesse uma bacia que não comprometia. E dar um brilho nos sapatos brancos, com a alvaiade?Ou seria o alvaiade? O que se arruma ou se rima, é que não se pode descurar da vaidade.

Os arsenais de cosméticos de hoje em dia se ruborizariam diante da falta de um singelo xampu nas penteadeiras de outrora. Ou daquela caixinha de rouge,quase tão solitária frente ao espelho. Mas alguma coisa era preciso ser feita e mesmo sem um par de pinças, um bom milagre se ajeita, e taí a moça feita e perfeita. Só não se revela ainda essa libélula porque não botou a roupa domingueira, hesitante que está entre a organza e o tafetá.

Já pros meninos-homens, a que recorrer, senão ao espelhinho ovalado, geralmente com um escudo de time de futebol no seu verso ou, no caso dos mais ousados,a gravura du´a mocinha sedutora, desprotegida, quase sem roupa? Melhor metê-lo no bolso traseiro da calça para que as irmãs não fiquem xeretando. O arranjo do topete pode esperar. Ou espetar.

Mas o lenço, não. Sem lenço se estava sem documento.Era peça essencial, não para se assoar, mas para quando se ia à missa, estendê-lo entre ao piso e a calça passadinha, de molde a proteger o vinco ainda a fazer aquela dobrinha, retinha, alinhadinha. Ou então pra servir de assento, em algum parapeito, ou mesmo cru cimento, que o mancebo, atento, ciumento, oferecia à amada.

O mais difícil, contudo, para a rapaziada, e nisso perdia pras moças de goleada, era a incerteza de poder controlar as manifestações do cupido nas horas em que o desejo, esse bandido, tornava o cinto mais aguerrido.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 31/01/2015
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