Keith Jarret no La Scala

Algumas imprecisões acerca das impressões causadas pela fenomenal performance do mestre zen Keith Jarrett tocando no La Scala.

A falta de rigor é minha. Incapacidade de romper com a limitação dos meus sentidos, de estruturar o que não cabe na estrutura - a vida é a estrutura.

Mas a música está fora da pauta,e dentro da vida e nunca mais haverá noite igual aquela.

A indeterminação,é o próprio corpo,é o oxímoro, é o improviso de Keith Jarrett na noite de 13 de fevereiro de 1995 no La Scala de Milão.

O lugar vago, o não-lugar, onde vai chegar o mestre zen? De onde chegou o mestre zen? De onde parte Keith Jarrett? A história do menino-gênio: anos de estudo na academia, anos de estudo na boêmia; o passado eterno, o futuro presente, o verbo.

O improviso, o irrepetível, de súbito arrebatou minha carne, me levou ao coração das luzes, de repente me fez olhar para o fogo que não se repete:"Cortejei o fogo durante um longo tempo, e muitas faíscas voaram até o passado, porém a música nesta gravação fala, finalmente, o idioma da própria chama" fala o mestre no encarte do Concerto de Vienna.

Partir de um lugar seguro: espírito,corpo, técnica. O desenvolvimento dessa técnica, ele, "o mestre zen", fala em: "recepção", fala: "sou um canal para o criativo".

O momento único, improviso de Keith Jarret, é um ataque ao racionalismo. Aqui o mestre Zen: isso não pensa, isso goza.

Improvável improviso. Não se repete. Colônia, Vienna, Paris, Rio, La Scala.

Surprender-me sempre. Outra música. Mais música, outra música.Ele não se repete e eu sempre ouço outra música, mesmo ouvindo centenas de vezes os concêrtos.

Desconcêrto, desconserto, disconcerto-me. Sagrado anticanônico, ausência de cifra, retomada de rituais pagãos, xamanismo, humano e sagrado.Demasiado humano.

As impressões, etéreas; vagas, ondas de fogo, labaredas do sem fim. A surpresa por ouvindo, ver onde ele chegou. Acompanhar esse percurso único, centenas de vezes até que ele seja incorporado como um desenho no tapete, surpresa de ver-se na Caçada, enxergar-se no mapa, ausentar-se do não lugar, imprimir-se num verbo, num corpo.

La Scala, Steinway,YouTube, VDownloader, mp3 320kbps,o concerto está registrado. Proíbe-se a transcrição daquilo que foi tocado.

Somente o concerto de Colônia foi transcrito.O La Scala, foi gravado, está no espaço virtual,está no meu pc. Sem ele eu não teria ouvido, tudo teria escapado. Eu não estaria.

No espaço virtual, entre livros, entre ouvidos, entre e abra a mente, entre a senda de Oku, entre todos os caminhos, caminhemos. Nós estamos na senda, no caminho de Oz.

Não importa onde se chega o que importa é a caminhada.

Pausa para mais uma vez o doce deleite, entre ouvir: " someone born to sweet delight, someone born to endless night". Noite sem fim, nunca haverá noite igual aquela.

São variados os caminhos e ele nos leva por eles com todos os sentidos, em todos os sentidos.Alegria de chegarmos a um lugar. Felicidade. Gozar.