A GUILHOTINA

Ando muito contristado com o panorama sanitário em nosso país e o cumprimento das necessárias medidas de distanciamento social. Constantemente me sinto molestado com esses formatos internéticos de "lives" de conteúdo discutível, porque meramente publicitárias e outros instrumentos de mobilização das massas receptoras para tentar manter os aficionados, assentados na intenção de manter os nichos do mercado consumista de artistas e seus grupos. Também convivo com muita saudade de algumas pessoas que fazem da poesia a sua voz presencial no mundo, sugerindo e fomentando uma côdea de felicidade nos corações aflitos. Nem a proximidade de ser contemplado com uma possível imunidade através de vacinação me motivam. Nunca a humanidade forjou tantos "mortos-vivos". Todos os dias a finitude bate à porta com a sua guilhotina. Não tenho medo da Covid-19 porque não é de meu feitio sentir temor da morte, porém não me agrada a ideia, pois entendo que ainda tenho algumas coisas a fazer neste plano. A Poesia absolve os bem-intencionados e o humano ser absorve os seus benéficos efeitos. A virulência da peste nega à criatura humana até o direito de palavra. Fala-se boquirroto de esperanças e sonhos. A peste não me parece ser o dedo do Absoluto a mudar o curso do crescimento demográfico. Morre-se para que sejamos mais ou menos fúteis? Verdade é que convivemos com o avanço da tecnologia e a banalização da vida. Viver-se assim como e com que finalidade? Parece-me que o Cristo Homem apeou do cruzeiro para mostrar novos caminhos aos óvulos fecundados. Como bem vês, o coração amoroso reitera o amor ao semelhante. Que a Paz interior nos faça mais densos e melhores para a perspectiva de um mundo futuro constatando o desaparecimento de cerca de um milhão de pessoas sobre a sua superfície. O que fazer? Conviveremos a contragosto com a memória dos que, abruptamente, se foram. Porque os heróis, neste período de pandemia, formam a linha de frente e adentram – ainda que mascarados – em nossa casa a todo momento, através dos meios de comunicação. E em cada família acaba se formando um gueto de massa de manobra a serviço da politização desse flagelo pandêmico. A saudade emergente e a repulsa aos incompetentes forjarão prosas e versos memorialistas. E o transcurso dos dias catalogará os irresponsáveis genocidas.

MONCKS, Joaquim. A VERTENTE INSENSATA. Obra inédita, 2017/21.

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