A ARTE DA INVENÇÃO LITERÁRIA
A invenção Literária é o esforço de espírito para tratar de um determinado assunto, assim como os desenvolvimentos que se relacionam com ele. Para descobrir um assunto e os recursos que ele sugere, a primeira condição é refletir sobre ele, amadurecê-lo.
Na maioria das vezes, por não ter refletido bastante sobre um determinado tema é que o autor se vê embaraçado para escrever.
Portanto, devemos sentir o assunto. Por incrível que pareça a grande dificuldade dos autores não está no escrever, mas no sentir.
Por isso, eis um grande princípio: só se escreve bem, no momento em que sentimos o assunto de forma profunda. Quando escolhemos bem um tema, e verdadeiramente o assimilamos, tornando-o familiar, somos capazes de explorá-lo sob todas as formas e faces.
Se as ideias não vierem, é porque o assunto não está bem amadurecido. É preciso pensar nele bem, demoradamente, até que o mesmo fique num estado de efervescência tal que sintamos vontade de nos livrarmos dele.
Aí usemos o papel ou a tela do computador para fazê-lo.
Por outro lado, quando vamos descrever as sensações é preciso que sejamos capazes de senti-las como sentiriam os nossos personagens.
Por exemplo, se um homem que foi vítima de atropelamento, e por horas permaneceu sem socorro, por certo viveu momentos de angústia extrema.
Ponha-se então no lugar dele. Mergulhe na mente dessa pessoa, veja sua família, associe outros fatos a esse. Ele tem filhos? Tinha um compromisso inadiável? Estava desempregado e iria a uma entrevista de emprego? Estava voltando para casa depois de uma longa ausência?
Mas também poderemos conduzir o leitor a um outro momento da vida dessa pessoa. Quem sabe houve um outro acidente em que ele tenha se envolvido no passado, ou alguém de quem ele gostava muito também tenha vivido tal situação.
E se algo dessa natureza jamais aconteceu a quem está escrevendo, como podemos adivinhar as sensações que aquele homem teria? Aí entra a nossa capacidade inesgotável de inventar, de imaginar. Nisso está o dom da criação. A arte de escrever nada mais é, portanto, que a arte da substituição. Trata-se, como se diz, de nos colocarmos no lugar do outro, mesmo que seja pura invencionice nossa.
Lembre-se da empatia! Na psicologia e nas neurociências contemporâneas a empatia é uma “espécie de inteligência emocional” e pode ser dividida em dois tipos: a cognitiva – relacionada à capacidade de compreender a perspectiva psicológica das outras pessoas; e a afetiva – relacionada à habilidade de experimentar reações emocionais por meio da observação da experiência alheia.
E é exatamente disso que vivem os grandes narradores.
Mas voltemos ao nosso personagem que se encontra acidentado e na angústia por ele vivida. Pensemos nisto durante algum tempo, tragamos para nós tal situação.
Vejamos o carro se aproximando, nos atingindo e fugindo em seguida. Sintamos o asfalto em contato com nosso corpo (gelado ou extremamente quente), a nossa vontade de ficar de pé e o corpo não respondendo aos nossos comandos. Vejamos em uma parede imaginária um relógio com os ponteiros lentamente avançando, a duração das horas, o silêncio, o clamor por socorro, o desespero, o abandono das forças, a extenuação lenta.
De repente nos vem a imagem distorcida de alguém que se aproxima...
Não nos esqueçamos de que a gradação nesse caso tem uma importância muito grande.
É fundamental que tenhamos a ilusão do fato em todas as suas circunstâncias, com a gradação, o crescendo doloroso e, por certo, a morte nos abeirando. O importante não está em descrever o fato em si, mas em exibir minuciosamente os seus pormenores.
É pelo trabalho, pela sensibilidade e imaginação, que se conserva e fortifica a faculdade da invenção.
Para excitar e apurar essa nossa capacidade não há nada melhor do que a leitura e a observação. Os desatentos jamais serão grandes narradores. A cultura da imaginação é, assim, de grande importância.
É preciso que ela seja permanente, conservada, ininterrupta, pois tudo depende da imaginação. A própria sensibilidade, sob o ponto de vista literário, não é senão a arte de nos impressionarmos pela imaginação.
Ela é a capacidade que temos de representar o objeto, sob forma de quadros e com os seus pormenores. O nosso espírito é uma máquina fotográfica na qual fica impresso – mais ou menos –, por um tempo, tudo quanto vimos.
É um tesouro que se acumula continuamente e é onde vamos buscar recursos para o que precisamos criar em se tratando de Literatura.