O SER INQUIETO E A POÉTICA

Por mais que se queira fechar a boca do ser inquieto, do insatisfeito com o sistema que lhe povoa o espiritual e o corrói; com a injustiça social e política que lhe dói; com o amor que o poeta não conseguiu possuir (esse “possuir” ou o “ter” imaginário nos jogos do amar) enfim, para com aquilo tudo que o cerca e o instiga, a história do humano ser está aí a demonstrar, no decorrer dos séculos, que não há como levar a efeito o dano intencional de lacrar a expressão poética. Não se trata apenas de um fazer decorrente do elenco dos direitos subjetivos públicos, nas democracias, mas fundamentalmente a expressão do viço ardente do pensamento que se derrama pulsante tal o sangue da artéria femoral lacerada. Quem trabalha com a farsa, a fantasia, o sonho, através da inventiva faz a (sua) reinvenção da vida. Nem a célula numa prisão de segurança máxima ou mesmo a morte no cadafalso acaba com a palavra nascida sob o signo da Poesia, que fica soando intermitente e dotada de imortalidade quanto à plangência. Daí a sua atemporalidade no decurso dos séculos. A expressão poética é sempre um pedido de socorro à busca de receptores. E mais: nela floresce a todo o tempo – similar a um plangente sino – o abraço materno, o retornar à gestação uterina, em que povoam os silêncios de palavra e imagens nascidas deste mesmo silenciar e, naturalmente, ressoam no território do gestar em segurança, na aprazada paz placentária. Graças à Senhora Poesia e seus meandros, o espiritual configura-se uma potente armadura a serviço do Bem. Para os dotados de atilada sensibilidade, tudo ao alcance do pensamento verte Poesia, porque esta promana da vertente prazerosa do Mistério, o sábio resfolegar do Absoluto, de modo a possibilitar a convivência harmônica para todos, nos atos da vida de relação. Em poética, o pensamento se derrama pulsante, molha e empapa o que penetra e vaza nos tecidos do receptor a esperança de viver o Novo, para o bem de si e dos seus assemelhados.

– Do livro inédito OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2015/20.

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