POÉTICA & UTILIDADE PRÁTICA

Nada é tão imprestável quanto aos critérios de utilidade prática (por si mesma) do que a Poética. Como vício original, vige nela uma atroz inutilidade. É de sua natureza axiológica valorar aquilo que nasce do inexplicável, aparentemente, sem mais nem menos. Tudo assentado no que “poderia ter acontecido no plano fático e não logrou acontecer”, a teor do que nos ensina em sua Arte Poética, em meados do séc. IV a.C, o filósofo grego Aristóteles, o primeiro e um dos maiores sistematizadores da história do pensamento. No poema que é a sua materialidade formal, brigam ideias e ações, ressaltando a farsa, a fantasia, a inventiva, o sonho, bafejados por uma palpável veracidade obtida pela fortaleza do discurso, que se torna coloquial na cabeça e na sensibilidade de seu receptor/leitor, através de um natural e peculiar processo que provém da dialética do viver gregário. A Poética parece-me ser fruto da resiliência e/ou da teimosia de viver em busca da felicidade. Um sempre escabroso encontro para os humanos tempos difíceis do milênio terceiro, que navegam na pós-modernidade líquida sobre o sabão úmido da instabilidade e do tempo fugidio da volubilidade. No entanto, sem essa rara e única peça fruto da emoção e da racionalidade do ser, não se tem como aguentar o perpassar da vida, seja o sujeito um pertinaz pessimista ou um contumaz otimista.

– Do livro inédito OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 04; 2015/19.

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