O IMPRESSO E O VIRTUAL

Sou da geração do livro impresso, jamais li integralmente uma obra em apresentação virtual. Quando muito, leio até umas 10 (dez) páginas de matéria que me seja muito interessante, atraente e/ou assunto de cuidados e/ou distinção para com o autor. Até o momento presente não tive o prazer de ler um livro (de cabo a rabo) apresentado no formato virtual, talvez isso ocorra porque o meu defeito visual (uso óculos há 50 e tenho quase 74 anos) causa-me cansaço e perda de interesse na leitura. Também porque, especialmente em Poética (que é a minha “cachaça brava”), me acostumei a fazer cotas marginais, marcando o que gosto ou não, e anotando os poemas, textos e respectivas páginas, ali na apresentação da obra, na folha de rosto. Assim, para ler um livro de poemas por inteiro, gasto, no mínimo uma semana, e, quando o termino, está todo riscado a caneta, com marcador colorido, onde cada cor contém o seu código diferencial e ético, enfim, prenhe de anotações de toda a ordem, tudo para que, em qualquer situação eu possa dar asas à palavra vista, tida, havida ou nua, avara de atributos. Cada signo para mim é um desafio à reflexão, ainda mais quando se trata de palavra inserida na peça poética – o poema – que é a materialidade da Poesia da contemporaneidade, visto que esta, como tal, não tem forma, formato ou predisposição estética definida – é apenas um momento de beleza único, ímpar, deste gênero literário. São realmente muito poucos os autores de poemas que se apercebem de que, no gênero poético, de pouco vale a inspiração – que me parece ser o iniciante sussurro do Mistério, aquele que ocorre no momento em que o autor entra em “estado de poesia”, assente, portanto, na individuada emoção capaz de traduzir a sensibilidade autoral frente a um sensitivo momento. No entanto, é esta centelha de derramamento da sensibilidade, “inspiração” ou de acesa “espontaneidade”, que produz o desencadeamento emocional para o nascimento da peça poética. Sem esta, dificilmente se materializa a contento o que se queria fixar no poema. Quanto a mim, depois de mais de quarenta anos de luta com a palavra, em Poesia, prefiro ser visto e identificado como um poeta-artífice: aquele que se apercebe que o poema com Poesia, a peça poética lavrada não se perfaz com sentimentalismos ou torrentes emocionais, e, sim, com palavras que os traduzem e cujas imagens assentadas nas figuras de linguagem, especialmente a metáfora, trazem à tona momentâneos sentimentos subjacentes à garatuja poética inicial. Segue-se, no criador que conhece o seu ofício, o polimento da peça exsurgida. É o segundo momento de criação, a que chamo de “transpiração”. Todavia, caso estes sentimentalismos sejam explícitos na pretensa peça poética, a destroem como um cata-vento de açúcares, porque o texto se perde em estéreis derramamentos, negando o gênero poético. O filósofo grego Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.), em seu tratado sobre a Arte Poética, diz, peremptoriamente: "A Poesia só conta o que poderia ter acontecido". Nunca, portanto, pode se referir ao que acontece ou aconteceu no mundo dos fatos, porque este relato não cabe e/ou não é para ser registrado pelo gênero Poesia, e, sim, pela Prosa, ou seja, a linguagem utilizada em seu sentido denotativo e na qual predomina o racional. E mais, sem a metáfora não há como se configurar a Poética, porque só se consegue chegar ao mundo imagético com a linguagem em sentido conotativo. É importante consignar: aquilo cujo texto que “não diz, apenas sugere”. Enfim, o que fazer, sou um condenado ao pensar, aprendi a observar o mundo como uma silhueta cinzenta capaz de ser colorida pela Poética. Este é o universo frio e exigente da Poesia à hora da confecção, agraciado pela palavra em seu vestido de festa. E me agrada repetir: o que posso fazer? Aprendi assim e muito me apraz fazer isso sem pressa, nunca de afogadilho. Desta sorte, minhas inofensivas armas e afazeres sobrepairam ao som e ao ritmo das palavras. Essa é a sacralidade com que temos de recepcionar a Poética. Nada mais, nada menos: apenas palavras e agradável ritmo ao ouvido. E a libação do que o poema propõe como arte e vida, acima desta e futuros. Todo o resto é silêncio sideral. Por ora, em meu obreiro espírito, o virtual ainda está na globalidade silenciosa, mesmo que fale com força e talento, e apaixone a muitos, por seu baixo custo, sua praticidade tecnológica e o largo alcance aparente de via de mão dupla que a reflexão propõe. É, no entanto, caminho sem retorno. O devir proporá respostas ao coração ansioso de beleza estética.

– Do livro inédito OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2015/20. (revisado)

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