O TALENTO E A TRÍPLICE COSTURA

A Poética é, antes de tudo, o fruto estético que parece emergir de tríplice costura: a que exsurge da filosofia e seus meandros; o que avulta no indivíduo fruto do andejar da humana criatura na trajetória rumo a sua finitude e, por fim, os conflitos de sua agônica psique condenada ao pensar, resultando na possível identificação dos efeitos e/ou antagonismos e afeições entre o Ego e a Alteridade para a resolução desses conflitos emocionais, de modo a que o agente possa antever a colimação da felicidade como um bem individualizado, pessoal. Todo o resto é malabarismo ou traquinagens da palavra através da qual o indigitado emissor anseia por soluções. Porém, estas não cabem no poema como carapaça, que não serve como morada, mas pode ser proteção para a inquietação e a angústia. Cabe louvação antecipada ao poeta-autor pela dedicação à palavra poética e seus territórios de domínio, na contemporaneidade. Somos muito poucos a fazer esse exercício com maior compromisso. Estou certo de que sempre seremos poucos. Corajosos e resistentes arautos quanto ao passar do tempo, suas mazelas incidindo sobre nós mesmos. O que impressiona e fica na memória do poeta-leitor são as ideias que conseguimos registrar para a posteridade através da lavratura da peça poética e sua divulgação. O olho crítico do futuro dirá o que poderá vir a permanecer como signo verbal literário capaz de alguma sobrevivência, tudo aferido pela receptividade registrada nas redes sociais, hoje tão ao alcance da mão, pela vendagem de livros nas plataformas da virtualidade e os tradicionais best-sellers anunciados pelas agências que controlam e registram as edições impressas. Por ora, o que temos de fazer é criar, recriar o que for possível e prover de perceptível patamar estético. Contudo, isto só será possível se acompanhado de “alguma travestida verdade” nos escaninhos memoriais daqueles que ombreiam no dia a dia como obreiros da palavra, arautos do Novo, que está sempre assentado no conluio de linguagem motivado pela farsa, fantasia, inventiva e os sonhos, especialmente em Poesia. Essa é a destinação maior dos condenados ao pensar: marejar os olhos devido à impotência de ações corretivas (que não cabem ao artista, por serem verazes a partir do plano fático e não no da criação literária) e a maturidade de princípios para lograr conviver com as injustiças sociais que levam à negação do valor Liberdade. Todavia, o amor ainda é bálsamo crístico, mesmo que ele nem sempre seja visível. A ação é o ato que marca o fértil sulco para água e semeadura. E esta ressuma em urgências de sóis e chuvas, porque a palavra é semente que pode ou não germinar. Tudo depende de ações objetivas em que o talento seja alçado.

– Do livro inédito OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2015/20. Revisado.

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