Silviano Santiago_As incertezas do sim - Pequeno estudo

SANTIAGO, Silviano. As incertezas do sim, in: Vale Quanto Pesa – ensaios sobre questões político-culturais. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982

Silviano Santiago inicia seu ensaio “As incertezas do sim” (in: Vale quanto pesa), citando a última coleção de poemas de João Cabral de melo Neto, A escola das facas (1980), que aparentemente só traz novidade na temática. A partir dai, a dialética de João Cabral passa por poemas onde as incertezas no trato com a realidade são excluídas.

Na poesia Menino de Engenho, a novidade não seria tanto o elemento nordestino do engenho, e sim em apresentar a relação do menino com o seu ambiente social.

O traço autobiográfico em Cabral serve de corpo-de-apoio para a voz abstrata e poética que antes falava com clareza, agressividade e dogmatismo, mas ainda sem o apoio de um corpo humano, atravessando a totalidade de sua produção literária, alimentada pela sua dor e incerteza diante do real, negando ao sujeito natural o valor do conhecimento. Ao apagar o “eu” pessoal do poema, ele conseguiu traçar o quadro mais crítico e contundente da realidade nordestina.

Se na poesia a despersonificação foi um recurso utilizado por T. S. Eliot para minimizar o talento individual e dar voz anônima da tradição, em Cabral esse recurso serviu para que não se percebesse o sentimento do sujeito, construindo poemas onde as incertezas da realidade fossem excluídas em favor das verdades irrefutáveis.

Voltando ao poema Menino de engenho, há uma temática vocabular semelhante entre a foice que corta a cana, que por sua vez também corta como uma foice. Numa troca verbal de palavras entrelaçadas no contexto, a foice corta a cana que corta o menino que corta as palavras. A nota da incerteza fica clara na pergunta, se o corta no menino é um vírus, que faz mal, ou uma vacina, que cura uma previne uma doença. No sertão não se fala apenas a língua do não. O sertão do sim é aristocrático e culto, diferente do sertão do não, que é o da fome, da sede e da miséria.

A poesia se enriquece com essa visão diferenciada e complexa da realidade, pois não mais excludente e autoritária. No “dueloa à pernambucana” somam-se ao “não” e ao certo “sim” a incerteza. Cabral agora opera suas palavras pelo sim e pela incerteza numa luta cordial, sem desvalorizar o inimigo pela sua inexistência e sem anular o combate por falta de facas. Ou de escolas.

Silviano faz o fechamento dizendo que o sim e o incerto não desmentem o passado. Enriquece a antilira de João Cabral.

REFERÊNCIA:

SANTIAGO, Silviano. As incertezas do sim, in: Vale Quanto Pesa – ensaios sobre questões político-culturais. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982