A POLÍTICA SE RENDEU AO POETA
A vida não me alheie no absorto
enquanto eu não me encontre, vivo ou morto,
e, estando vivo, enquanto eu não me esqueça.
Ronaldo Cunha Lima
Homem público, ex-governador da Paraíba, patriarca de uma família que há muitos anos faz um revezamento no poder, tendo a orgulhosa Campina Grande como principal reduto eleitoral, esse era o Ronaldo Cunha Lima, controverso, capaz de atirar em adversários políticos com a mesma mão que escrevia poemas de amor ou a mesma mão que estendia aos amigos nas noites de boemia e poesia pelos bares e restaurantes da Paraíba.
Homem que não perdeu a sua vida para a política. Podia ser encontrado nas ruas, na noite de Campina ou numa padaria, se movimentando no ritmo do povo que o estimava.
A homenagem maior que pode ser feita a Ronaldo é ressaltar o poeta que não morrerá, poeta de enorme talento. Foi também Advogado, que não deixava a poesia de lado na hora de defender uma causa. Em tempos que a erudição é relegada a segundo plano e que faculdades de Direito se propagam em todos os lugares, fazendo assim da OAB uma instituição pronta para reprovar os aventureiros bacharéis em leis, com índices de reprovação perto dos 90%, Ronaldo foi um advogado brilhante, a exemplo de José de Alencar e Rui Barbosa. Verdadeiro artista da lei, defendendo até violão preso em cartório, apelando para que a sensibilidade do Juiz estivesse no apelo da noite, que precisava do som do violão, tornando irrelevante o improvável delito. Na defesa do violão o advogado deixou falar o magnífico poeta.
Mande entregá-lo, pelo amor da noite
Que se sente vazia em suas horas
Para que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas finas e sonoras
(Habeas Pinho).
Poeta que sabia falar do amor, não de amores fracos, sempre a procura de perfeições e romantismos piegas, e sim de amores fortes, fortes na força do bem querer. Em 1955 estreou com o livro 50 canções de amor e um poema de espera, título revelador de uma poética amorosa que fez de Pablo Neruda e de Vinicius de Moraes os melhores representantes no gênero. O poeta Ronaldo Cunha Lima, artífice da sensibilidade, podia ser visto em mesas de bar, fazendo versos de improviso ou recitando os poemas de Augusto dos Anjos, estrela de um programa de televisão na extinta Rede Manchete, nos anos 80, em que Ronaldo recitava versos de Augusto sem errar uma única palavra ao contar a vida do poeta em versos improvisados.
Poeta. Era assim que gostava de ser chamado. Ser governador, senador, deputado é algo bem menor do que ser poeta, porque são coisas transitórias, mas ser poeta é ser imortal, é ser heroico. Essa identidade de poeta de Ronaldo Cunha Lima foi a mais acalentada, era o seu maior orgulho. Era como poeta que saía pelas madrugadas campinenses com seu amigo e também poeta Raimundo Asfora, levando os dois a generosidade própria dos vates imortais.
Despeço-me do Ronaldo poeta, que depois da agressão contra Burity teve a humildade de pedir perdão, de reconhecer o erro, fruto da impulsividade, de quem não via a vida apenas pelo prisma do poder. E como ele próprio dizia, o tiro em Burity acertou mais a mim do que a ele. Viveu como nos versos que sentenciou a esperança de todos indistintamente.
Eu viverei de sonhos e utopias
realizando as minhas fantasias
tornando cada qual mais verdadeira.