Diálogos literários entre Dalton Trevisan e Newton Sampaio
Resumo
O tema deste trabalho é estudar através das obras de dois escritores paranaenses Dalton Trevisan e Newton Sampaio a evolução da literatura paranaense pós “Semana de Arte Moderna” de 1922, fazendo uso do texto de Jorge Luís Borges, “Kafka e seus precursores”, e da teoria linguística formulada por Júlia Kristeva e Antoine Compagnon que trata da intertextualidade no ensino de línguas. No ensejo aproveitaremos para um resgate histórico de um autor importante na cultura do Paraná que ficou esquecido e que teve papel de destaque na evolução das letras do estado. Para este estudo serão analisadas algumas obras de Dalton – O Vampiro de Curitiba, Cemitério de elefantes e A Polaquinha – e de Newton Sampaio – Remorso ficção dispersa e Contos Reunidos.
Palavras chave: Dalton Trevisan, Newton Sampaio, precursores.
1. Introdução
Em nosso artigo procuramos analisar a evolução da literatura paranaense centrando nossas atenções, especificamente, em dois autores significativos, cada um em de sua época, e as relações entre suas obras, dentro do contexto literário paranaense em sentido restrito, e no brasileiro em sentido amplo. Diálogos literários procura analisar o que se lê de Dalton Trevisan na literatura de Newton Sampaio. Nosso estudo não visa estabelecer influências, mas analisar recorrências temáticas e formais, mostrando que há uma mundividência que liga os dois autores. Mostraremos que essa aproximação não ocorre no sentido de causa e consequência, ou de fonte e influência, no sentido de Tieghem, mas sim com o sentido de utilização do dialogismo, mostrando, também assim, a maturidade da literatura paranaense nesses autores, que podem ser vistos como a vanguarda em suas épocas. Para tanto nortearemos nosso estudo na Literatura Comparada e no texto “Kafka e seus precursores” (Otras Inquisiciones de Jorge Luís Borges, 1931, ps. 107/109).
Por outro lado dentro da teoria linguística formulada por Kristeva ao falar sobre a construção de textos diz que “Todo texto se constrói como um mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto”. (KRISTEVA, Júlia, 1974, p.64). “Escrever, pois, é sempre reescrever, não difere de citar. A citação graças a confusão metonímica a que preside, é leitura e escrita, une o ato de leitura ao de escrita, ler ou escrever é realizar um ato de citação”. (COMPAGNON, Antoine, 1996, p. 31) A intertextualidade, seguindo as conclusões teóricas de Kristeva e Compagnon, tem uma ligação intrínseca na produção literária, por apropriação ou por comunhão que problematiza a própria noção de autoria. Pode-se citar Augusto de Campos que constrói uma obra poética apropriando-se de fatias, versões ou frases, retiradas de obras de outros autores. É o que se dá em Sonoterapia, em que reúne estilos e técnicas diferentes num um único texto.
Como leitores estamos sujeitos a trazer em nossa memória leituras anteriores e conhecimentos adquiridos, com isso interpretamos e analisamos novas leituras, comparamos umas com as outras, e nisso identificamos elementos que as ligam ou separam. O mesmo ocorre com seus autores. Algumas dessas características sobressaem a outras, como é o caso em análise.
Estilos, temas, formas, etc., que se repetem de um autor para outro, como características comuns, podem, pelos conceitos observados, ser analisados como influência ou, como nesse estudo, precursão.
Aplicando o conceito de Borges, que diz “o autor atual faz ressurgir o antecessor”, procuramos identificar o que há de Trevisan no texto Vontade de ser canalha (SAMPAIO, N. Remorso ficção dispersa) de Newton. Atendo-nos à “forma” podemos concluir que elas se assemelham – ambos os textos são curtos. Pela linguagem, identificamos que, nos dois, ela é coloquial, observando-se a época em que cada um foi produzido.
2. Fundamentação teórica:
Ao pensarmos uma metodologia comparativa entre dois fenômenos literários procuramos não apenas recorrer pontualmente ao confronto mas a integração e sobretudo pensar o literário (sua evolução) através do procedimento comparativo. No caso as relações entre a obra do escritor Dalton Trevisan e a de Newton Sampaio, autor paranaense falecido em 1938 com 24 anos, num sanatório da Lapa, município do interior paranaense.
Uma crítica de Rogério Pereira, redator chefe do suplemento literário Rascunho, (1947). “Dalton Trevisan embriagou-se da concisa literatura de Newton Sampaio.” A relação Newton e Dalton, ou ao contrário, como encontramos em uma entrevista concedida a professora Lílian Deise de A. Guinski por Miguel Sanches Neto em 11 de julho de 2004:
Newton Sampaio é uma invenção de Dalton Trevisan, naquele conceito borgeano, de que são os autores do presente que inventam, com suas obras, seus antecessores. Se não houvesse Dalton Trevisan, Newton talvez ficasse perdido na noite da literatura. Mas como o vampiro é o nosso produto de exportação, Newton tem um valor triplo: pelo que sua obra representa, pela limpeza do campo literário e pelo papel de antecessor de Dalton Trevisan.”
(SANCHES NETO, Miguel, 2004)
Segundo conceitos da Literatura Comparada, todas as histórias, fábulas etc. já foram escritas, o que se faz hoje é reescreve-las. Partindo deste ponto de vista e seguindo o conceito de Jorge Luís Borges, as características que ligam dois ou mais autores – influência de “a” em “b”– em uma situação de oposição – “b” em “a”, onde “a” identifica o autor anterior ou ‘precursor” de “b” escritor atual, os escritores antecedentes ao invés de influir (perspectiva eurocêntrica de Tieghem), podem ser chamados de precursores. Dentro desse conceito, na obra de Sampaio, encontraremos características (dados, expressões, termos) que só percebemos a partir da leitura de Dalton.
Explorando o triplo valor ao qual se refere Sanches Neto, na citação acima, a limpeza do campo literário, o que representa sua obra, e o papel de antecessor de Dalton Trevisan, passamos a desenvolver suscintamente os três aspectos observados:
2.1 A limpeza do campo literário.
No primeiro – a limpeza do campo literário – é clara sua posição em relação ao que acontecia na literatura, tanto na brasileira como na universal, na época. A ausência dos escritores paranaenses nesses movimentos chama sua atenção e ele expressa sua revolta nas críticas que edita em alguns jornais do Paraná ( O Dia), e do Rio de Janeiro (A Nação). “Descrito como um dos primeiros escritores a tomar conhecimento das mudanças modernistas no Paraná”. (COUTINHO, Afrânio & GALANTE DE SOUSA, J. Enciclopédia de literatura brasileira. R. de Janeiro: MEC/FAE, 1989, v. 2, p. 1200). Em um artigo publicado em junho de 1936, ele diz:
A inteligência brasileira – titubeante, sem personalidade, vivendo sem- pre de empréstimo, imitando com vários anos de atraso, e (o que é pior)
deformando os largos movimentos de fora – ameaçava chegar, de ruína
em ruína, ao triste destino definitivo das inteligências falhadas e inúteis.
(...)
O modernismo brasileiro integrou a inteligência brasileira em plano pes- soal. Que pode manter, com outros planos, simples relações de continui-
dade. Não mais, porém, penosas relações de “continuidade”. Daí o seu
caráter grande e fecundo. (SAMPAIO, N. Uma Visão Literária dos Anos 30. Curitiba: F. Cultural de Curitiba, 1979, pgs. 192/193 ).
2.2 O que representa sua obra.
Ele, porém, não se fixou apenas na crítica contra o imobilismo literário presente. E construiu uma obra representativa que trazia os elementos dessa revolução, “em obediência ao sopro de renovação que agita sem parar o pensamento universal”. (Sampaio) Seus textos traziam impressas as marcas estéticas do modernismo, utilizando a forma e estilo característicos dessa “nova escola”, que se alimentava do “modus” popular, procurando, dessa maneira, externalizar os elementos constitutivos dessa tendência, retratando a realidade de pessoas comuns.
2.3 Antecessor de Dalton Trevisan.
Como antecessor de Dalton, numa comparação entre a literatura de Trevisan e a de Newton identificamos que os textos de ambos põe em cena personagens definidas por coordenadas de instinto que se movimentam num tempo e num espaço, cujas referências nos permitem identificar Curitiba. Uma Curitiba de todas as horas. Do seu cotidiano diário, desde antes de iniciar o horário do expediente até muito além. Onde um sujeito “parado” está a imaginar sobre o que vê e sente dentro do espaço que o rodeia: a cidade de Curitiba, o mesmo espaço onde Newton Sampaio inaugura o “conto urbano” no Paraná. O mesmo Newton a quem se refere Dalton, no suplemento literário, por ele coordenado, Joaquim, 1947, num texto onde afirma que:
O maior contista do Paraná foi um moço chamado Newton Sampaio. Morreu aos 24 anos, num sanatório de tuberculosos, em 1938, e contra
ninguém neste Paraná, se fez tão grande guerra de silêncio. É que ele
teve, em vida, a coragem de rir dos tabus da província e isso eles não
perdoam quando o infiel cai... morto.
(TREVISAN, D. In Remorso ficção dispersa. Newton Sampaio; organização Luís Bueno. – Curitiba: Imprensa Oficial do Estado, 2002).
O recorte, em destaque, de um artigo no qual Trevisan torna pública a sua admiração por Sampaio, confirma a relação “literária” entre eles, além de registrar uma admiração pela obra deste. Essa relação pode ter iniciado pelo caráter pioneiro que exibem em suas obras. Sampaio “era visto como a primeira voz modernista ou, pelo menos, moderna, no ambiente literariamente anacrônico do Paraná” (MARTINS, 1979). O autor de remorso foi, portanto, iniciador de um movimento de vanguarda no qual mais que defender, exige da intelectualidade paranaense uma atitude que eleve o Estado e sua gente a um nível mais adiantado em respeito à cultura brasileira e às próprias tradições do Paraná. Estar presente no cenário cultural brasileiro como um expoente de qualidade e avanço no campo da literatura renegando as cópias que faziam os escritores paranaenses de autores estrangeiros. Se o pioneirismo de Newton revelava-se na construção de uma literatura paranaense moderna, o de Dalton é o de transformar os anseios do primeiro na atual realidade inquestionável do segundo. O que, de certo modo confirma a teoria (de Sampaio) a respeito do valor e da qualidade dos escritores paranaenses.
segundo Borges, o “autor atual promove a ressurreição do antecessor”, procuramos identificar o que há de Trevisan no texto de Vontade de ser canalha de Sampaio (Remorso ficção dispersa) atendo-nos à forma concluiremos que elas se assemelham – ambos os textos são curtos. Pela linguagem, identificamos que, em ambos, ela é coloquial, observando-se a época em que cada um foi produzido.
3. Análises
3.1 Análise Literária
Dalton nos apresenta um personagem criado na urbe, e que se movimenta dentro de sua classe de origem. Suas ações se desenvolvem com personagens do mesmo nível social, funcionárias, viúvas, casadas mal amadas etc. Em Vontade de ser canalha, Newton nos apresenta, no início, dois personagens, o principal que mantém com o outro um diálogo no qual ele “se desnuda”, revelando suas características e sua ideologia (filosofia) de vida, características essas que se confundem com as de Nelsinho, personagem de O Vampiro de Curitiba.
Nelsinho, o vampiro de Curitiba é um rapaz de aproximadamente 20 anos que nos é apresentado postado na Rua das Flores observando a passagem das “lindas e desejosas” mocinhas da cidade, a lhe sugerir desejos, paixões, fantasias eróticas, que povoam sua alma, alma de quem possui um caráter canalha tal co -
mo Frederico, personagem do conto Vontade de ser canalha. (SAMPAIO, N. Remorso ficção dispersa, Curitiba. Imprensa Oficial do Paraná, 2002, p. 151):
Pois ouça o que lhe digo. A bondade é monótona. É mesmo a virtude mais monótona que Deus inventou. Aliás, eu nunca enxerguei o mínimo
Interesse nesse fato de o indivíduo cuidar de ser bom. E, quando me fal-
lam de um cidadão qualquer. “ É um sujeito muito bom!”, eu guardo a im-
pressão de que me falaram assim: “Ele é um sujeito muito bobo!” pois ser
bom é meio caminho andado para ser palerma. E o palerma é precisa- mente alguém cuja sensibilidade cada vez mais vai respondendo menos. (SAMPAIO, N., Remorso ficção dispersa, p. 151).
A descrição acima veste o vampiro ideologicamente.
Nas primeiras décadas do séc. XX ainda que o universo brasileiro fervilhe pelas idéias modernas que insuflam o continente europeu, e que, essas idéias tenham ultrapassado o atlântico e atingido o Brasil numa febre nacionalista que vai das letras, artes e a sociedade em evolução, o Paraná, em relação a cultura, se mantém alheio, fechado em si mesmo, sem manifestar-se, ou quando o faz na maioria das vezes é para condenar tais idéias e movimentos.
Numa lista de autores representativos do seu lugar, que vai de Manaus a Porto Alegre passando todo a extensão do território brasileiro, todos os estados nela se encontram, menos o Paraná. Num artigo “Afirmações escandalosas” (Remorso ficção dispersa, Curitiba, Imprensa Oficial do Paraná, 2002, p.37) onde fala que “a nova geração não tinha glórias a respeitar no estado”.
Creio no movimento grandioso que ultimamente vem se alastrando no de norte a sul do país e creio na abençoada febre de produção literária que em todo o Brasil, anda contagiando velhos e moços... Creio nessa fase decidida pela qual está passando a cultura brasileira, em obediência ao sopro de renovação que agita sem parar o pensamento universal. Creio em tudo e deploro que meu Paraná se deixe ficar de certo modo avesso a esse colossal movimento de idéias, desde que apenas um grupo de moços corajosos atendem ao toque mágico que ressoa em todos os continentes, e a grande máxima dos paranaenses continua reclinada no sibaritismo, no sossego, no silêncio. (Sampaio N. Remorso ficção dispersa,2002)
Essa inércia que ocorre no setor intelectual do Estado, incomodou a Newton Sampaio, tanto que ele expressa seu inconformismo nas críticas que teceu nos jornais paranaenses e cariocas no quais trabalhou em sua curtíssima carreira.
3.2 O tempo ontem/hoje
A época em que viveu Sampaio é, em si, um retrato da insatisfação interior e intelectual do autor. Uma época cortada pelas revoluções, não apenas de ordem intelectual mas também, política. O início do século XX assiste ao um espetáculo mundial, resultado das intrínsecas e obscuras ambições humanas., a Primeira Guerra Mundial. No leste europeu o comunismo, envolto na doutrina de Karl Marx se concretiza pondo em cena um triunvirato dividido ideologicamente quanto aos rumos da revolução: Lênin, Trótski e Stálin , que determina um novo modelo político administrativo no globo baseado no pensamento comunitário (Marx e Engells).
A tudo isso se segue uma depressão econômica mundial. A revolução nas artes que inicia na Europa – realismo em linguagem popular. Cria tons, cores diferentes, canta de modo novo temas do povo. Esse é o retrato do mundo à época na qual viveu escreveu e morreu Newton Sampaio, um momento altamente transformador da história.
O que temos hoje é a história da falência dos sistemas “ditos” marxistas e a iminente sensação de que o mesmo acontece com o “sistema capitalista” em meio a nova depressão econômica mundial. Dalton Trevisan é um escritor atual que, devido ao talento e a características de sua obra, o elevaram a condição de cânone da literatura brasileira. Fato esse que ocorre num momento em que as letras do Paraná assumem um lugar de destaque na literatura nacional.
O preconceito emerge em Newton com Sônia, transparecendo nas palavras de Nivaldo ao comentar sua relação com Fernando:
– Muito bem, muito bem. Fernando dispensa a amizade das moças nossas conhecidas – gente muito distinta – e deixa-se enfeitiçar, no entanto, aí por uma qualquer. E logo por quem! Pela Sônia, pela polaca Sônia!
Na resposta deste:
Limitou-se, pois, a um sorriso acanalhado e a uma frase rara em seus lábios:
– Pelo menos com essa posso conseguir “algo” que me interessa.
Nivaldo arregalou os olhos.
– O quê. Tão depressa assim? (SAMPAIO, Newton. Remorso ficção dispersa, p. 51)
Sônia, personagem de Remorso, cujas características, beleza, sensualidade e erotismo, sugerem um embrião da “Polaquinha”, (A Polaquinha, TREVISAN, Dalton. 1985). O termo “polaca”, fenômeno de linguagem, gíria, no contexto popular da época, era sinônimo de prostituta e designava não apenas á mulheres de origem polonesa, mas também as judias em geral.
3.3 Dalton Trevisan
A incapacidade de narrar é a alegoria da perda da experiência do sujeito na pós-modernidade. Dalton faz uso de uma prosa experimental, reciclando linguagens para uma redefinição de sentidos. Os atos se repetem, o fim é sempre o mesmo, o ato sexual, seu verdadeiro objetivo. Paródia da massificação cultural, ele frisa mesmices, o universo em essência, banalidade e cotidiano. A luta do indivíduo para a realização de seus desejos, casar, possuir, realizar-se nas coisas simples. A ação de determinados “tipos” interagindo dentro da classe que lhe é pertinente.
A estrutura de sua obra, na relação do homem versus sociedade, estabelece dimensões existenciais que se justificam a medida em que o indivíduo enfrenta uma série de experiências que são responsáveis pela constituição de sua personalidade.
Preso aos limites do instinto, Nelsinho (o vampiro) imortal. Em suas relações amorosas muitas vezes serve-se das mulheres numa ânsia carnal anulando a face construtiva do amor, tal como Fernando (Remorso, ficção dispersa) que ao justificar-se perante os acadêmicos e a seu primo Nivaldo, em especial, referindo-se a relação com a “polaca” Sônia. As expressões no que diz respeito a essa situação emanam arrogância, descaso e preconceito, relegando o “namoro” a um grau inferior e superficial. Situação essa que se reflete na Polaquinha como ela vê, sente e constrói o mundo a sua volta. Personagens diferentes, porém sempre cafajeste, descentrado. Tem um discurso vazio, nada tem para oferecer, nada para dar, nada para trocar, só a sua satisfação pessoal, o outro é um mero detalhe. Híbrido, mistura textos, felicidade, uma busca sem fim, eterna. Discurso direto e indireto livre faculta o desaparecimento do narrador, fragmentando a estrutura da narrativa.
Espelho, a ficção e a realidade em linhas paralelas, os olhares não se cruzam. O homem travestido, transvertido. Alheamento, característica da época moderna apresentando um cotidiano des-humanizado. A prostituição, não somente como uma degradação moral das pessoas, mas também, como espaço erótico, contestando o institucional. O sexo deixa de ser elemento desestabilizador para se tornar um bem de consumo, uma mercadoria..
Sua forma é de histórias curtas com linguagem abrupta descrevendo uma pobreza de mundo. Vazio das vidas. A sociedade representada, classe média baixa, patriarcal, a mulher diferente do homem, o que um pode o outro não . A mulher é para gerar filhos.
Perda de experiência de vida do homem moderno a ficção como uma realização solitária, seus contos não retratam histórias exemplares, nem dão conselhos, características da narração, a ausência desses elementos torna impossível a arte de narrar segundo Benjamim (Walter Benjamim, O Narrador, 1936). Na fragmentação do texto há o encurtamento da distância épica.
3.4 Newton Sampaio
Newton no seu escrever faz uso de uma linguagem simples usada no dia a dia. Promove uma mistura do discurso direto e a intromissão do narrador: “Uma velhota arrastando pela mão um garoto de seis anos, cruzou a calçada, com azedume:
– Anda pestinho. Depois vai ficar doente, aí atoa...” (Remorso ficção dispersa, p. 47)
Seus personagens são amargos, pessimistas, melancólicos, demonstrando dores e problemas que não são só deles, onde o questionamento e o estado conflitivo são constantes. Monólogos e pensamentos evasivos retratando um espaço psicológicos. “ A semente que dona Cecília, há quinze anos, lhe pusera no coração, com todo carinho, tendia a germinar...”. (Remorso ficção dispersa, p. 67) Utiliza figuras de linguagem, provérbios ou ditos populares, e ironia: “E, um dia, jogou verde para colher maduro”. “Quem foi feito para monge...”, (Remorso ficção dispersa, p. 68) seu tempo é cronológico, seu espaço é físicos (Curitiba, especialmente). Apesar de suas narrativas obedecerem ao estilo modernista o autor conserva traços naturalistas: “Que carne magnífica a sua!” (Remorso ficção dispersa, p. 63).
4. Conclusão
Dentro do conceito de Borges, é a obra de Trevisan que faz realçar a obra de Newton dando-lhe sentido e valorizando-o ao converte-lo em um seu precursor. Eliminando, desse modo, a dívida, que se existe é de Sampaio para com Dalton que o redescobre, deslocando o ângulo de visão, Borges, reverte a cronologia, quebrando o sistema hierárquico que nela se apoia, abalando a noção de dívida permitindo que a interação entre os textos seja entendida sob um novo parâmetro. Ao dizer que “o fato é que cada escritor cria seus precursores”, resume seu pensamento. “Seu trabalho modifica nossa concepção de passado como há de modificar o futuro” (BORGES, J. L. Otras Inquisiciones, 1952).
Portanto, é o texto de Dalton que, subvertendo a ordem que, impulsionada pela tradição se converte em ponto de referência para os textos de Sampaio, sem levar em conta a localização na qual se encontra dentro do Sistema literário. A subversão ocorre na tradição firmada sempre que o talento individual se manifesta.
Nessa perspectiva entendemos como a literatura de Trevisan favoreceu a redescoberta de Sampaio o processo dialético que se estabelece entre os textos, como um jogo de espelhos faz com que uns resgatem os outros. Como sabemos, Newton não leu Trevisan.
Há um desenvolvimento entre esses autores que mostra a maturidade de uma literatura paranaense com foco em Curitiba, entretanto alegorizando a situação de descentramento do sujeito na pós-modernidade. Além do que a leitura de um contém da literatura do outro, ambos os autores viveram o pioneirismo nas obras que construíram. Sampaio ao iniciar um movimento dentro da intelectualidade paranaense, por ele considerada, como insípida, copiadora e repetitiva, e Dalton por renovar uma literatura que se repetia, atada ao impacto de uma linguagem carregada de modismos e voltada para o exótico. Sem apresentar nada de novo dentro do contexto literário brasileiro. Ambos irrequietos, criativos, um “não teve tempo”, o outro superou as expectativas. Em suas obras os as personagens trazem a marca sombria às vezes e com o gosto amargo da resignação perante a vida, vivem apenas.
4. Bibliografia
TREVISAN, Dalton. O Vampiro de Curitiba. Rio de Janeiro, Editora Record, 14ª ed. 1994.
TREVISAN, Dalton. Cemitério de Elefantes. Rio de Janeiro, Editora Record, 1994.
TREVISAN, Dalton. A Polaquinha. Editora Record, Rio de Janeiro, 1998.
SAMPAIO, Newton. Remorso ficção dispersa. Org. de Luís Bueno, Curitiba, Imprensa Oficial do Paraná,2002.
SAMPAIO, Newton. Contos Reunidos. Curitiba, Imprensa Oficial do Paraná, 2001.
SAMPAIO, Newton. Uma Visão Literária dos Anos 30, Curitiba, Fundação Cultural de Curitiba, 1979.
BORGES, Jorge Luís, Otras Inquisiciones “Kafka e seus precursores”. 1952.
GUINSKI, Lílian D. de A. Newton Sampaio a leitura de ontem e de hoje, Tese
de Mestrado. Internet, 2004. – liliamguinski@.Uol.com.br
SANCHES NETO, Miguel, entrevista à Lílian Guinski – lilianguinski@uol.com.br –
Autor: João F. Xavier Jr.
Orientador: Claudio Mello
Linha de pesquisa: Estudos literários