A ESCRITA FEMININA DO SÉCULO XIX AO XXI, ATRAVÉS DAS OBRAS DE NÍSIA FLORESTA, RACHEL DE QUEIROZ E MARTHA MEDEIROS
Elivânia Brito Santos
Késsia Costa Marque
Tamires Andrade Cavalcante
Antonia Maria Nunes (orientadora)
Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo
Professora de Literatura brasileira da universidade Tiradentes
RESUMO
Estudaremos neste artigo a escrita feminina e sua contribuição para a literatura brasileira, buscando identificar estilos e mudanças que ocorreram ao longo do tempo, através da análise das obras de autoras brasileiras que produziram literatura nos últimos três séculos. Nísia Floresta com a obra: Direito das mulheres e injustiças dos homens, no século XIX, Raquel de Queiróz com a obra Caminho de Pedras, no século XX, e a escritora Martha Medeiros com Divã, no século XXI. Discorreremos também sobre temas como a literatura das minorias a partir da liberdade da expressão alcançada depois de tantos anos de lutas e reivindicações pelo direito à voz ativa numa sociedade plenamente machista que ignorava e desrespeitava o poder intelectual da mulher.
PALAVRAS-CHAVE
Literatura feminina, liberdade de expressão, conquistas.
ABSTRACT
We will study women's writing in this paper and its contribution to Brazilian literature, seeking to identify styles and changes that have occurred over time. It also will analyze the works of three great names in the following centuries, the work Nísia Forest: Law of the injustices women and men in the nineteenth century, Raquel de Queiroz work with the Stones in the Path of the twentieth century, and writer Martha Medeiros with her Divan work in the XXI century. Also we will discourse on topics such as literature of minorities from the freedom of expression achieved after many years of fighting, and claims the right to a voice in a macho society fully ignored and disrespected the intellectual power of women.
KEYWORDS
Literature female, freedom of expression, achievements.
1 INTRODUÇÃO
A mulher esteve, durante séculos, submissa ao homem e à conduta imposta pela sociedade e a igreja. Não era vista como cidadã e se mantinha afastada do espaço público e da educação formal, não sendo permitido acesso à escola.
No Afeganistão, depois de enfrentar quase duas décadas de guerras, elas foram impedidas pelo Governo de estudar ou trabalhar e o fim das proibições, há três anos, não mudou muito a situação. Na África do Sul as mulheres não têm reconhecida sua cidadania, uma vez que a África do Sul continua a restringir o direito de voto das mulheres baseando-se na raça. Mulheres mestiças, de origem negra só podem votar em candidatos de sua própria raça, que servem no parlamento de pessoas de cor. Nem homens, nem mulheres têm o direito de votar. Essas mesmas mulheres têm sido ativas em exigir o fim do apartheid, do sistema de segregação racial e no estabelecimento de uma nação unitária e não- racial, na qual elas, assim como os homens negros, teriam o direito de votar.
No Brasil essa restrição feminina mudou com o reconhecimento da educação feminina pelo governo imperial. Portanto essa conquista foi a base do progresso social feminino. A mulher através das suas aspirações pelo saber conquistou seu espaço no mercado de trabalho e em outras áreas, alcançando uma identidade feminina adversa do passado. A partir desse momento foram intensificados os movimentos feministas que reivindicavam igualdade entre o homem e a mulher.
Com o acesso à educação desenvolveram suas personalidades, tiveram novas e importantes descobertas a partir de seus ideais sociais. As mulheres passaram a produzir textos literários, expressando através da escrita seus desejos, e reivindicações. A literatura feminina mostrou-se competente e de imenso valor literário, no entanto algumas obras ficaram ignoradas durante muito tempo, pois ainda existem autoras desconhecidas. Apesar desses obstáculos várias mulheres se destacaram e ocuparam posições importantes como a escritora norte-rio-grandense Nísia Floresta Brasileira Augusta (1810-1885), considerada a primeira feminista brasileira pela publicação de vários livros relacionados à mulher, à educação feminina, ao índio brasileiro e às viagens que fez pela Europa.
Em 1927 o Rio Grande do Norte se tornou o primeiro estado do país a dar o direito ao voto feminino, Nísia Floresta colaborou imensamente para este acontecimento, e não sendo o bastante fundou um colégio para moças onde incentivou instintivamente que estas ingressassem numa universidade. É sabido que no século XIX surge o Romantismo, período literário em que acontecem grandes manifestações culturais e sociais. Segundo Massaud Moisés, (1928, p. 3):
A rigor, o paralelo poderia ser mais vincado: o romantismo constitui profunda e vasta revolução cultural cujos efeitos não cessaram até os nossos dias. Além das Letras e das Artes, o conhecimento científico, filosófico e religioso sofreu um impacto que ainda repercute na crise permanente da cultura moderna.
Entendemos então que o Romantismo foi o início das grandes revoluções que estavam por vir, a luta pela queda da monarquia, as primeiras bibliotecas, a luta pela democracia etc. Paul Hazard Moisés, (1948, pag. 64), afirma: “o Romantismo mergulha raízes na crise de cultura que revolve o sec. XVIII e prepara as mutações radicais dos tempos modernos.” Observamos que a mulher começava a abrir os olhos e passava a enxergar de outra forma. O medo e submissão passariam a serem recordações passadas, afinal a mulher já estava despertando para uma evolução em seu comportamento e costumes.
A partir daquele momento uma sociedade se tornou mais atenta e revolucionária, homens e mulheres estavam lutando por seus ideais. A mulher estava então despertando para uma nova realidade que delas exigiria muita coragem e determinação para romper as barreiras do machismo imperante na época.
Com a chegada da Família Real no Brasil, foram implantadas tipografias e bibliotecas, que até então o país não possuía. A sociedade passava a ter acesso aos livros, onde iriam adquirir conhecimento científico, filosófico, social e cultural. Grupos idealistas passariam a surgir por conta dos pensamentos críticos que estavam se formando, em prol de uma sociedade democrática perante as camadas sociais. Enquanto homens idealizavam a igualdade social, a mulher também idealizava o direito de ser cidadã e ter acesso à educação, almejando um espaço para sua atuação na sociedade.
A mulher iria começar a utilizar a escrita como liberdade de expressão para defender seus ideais e passaria a se comportar de forma diferente, fora dos padrões da época. No final do século XIX Nísia Floresta consegue utilizar dos meios literários para expor seus sentimentos e pensamentos a respeito de como a mulher deveria ser enxergada. Em sua obra “Direitos das mulheres e injustiças dos homens” (1832), defende mais uma vez o direito das mulheres a instrução e exige que sejam respeitadas, afinal estas possuem grande capacidade de produção e intelecto.
Atualmente o estudo literário volta-se para produções consideradas minorias. Cabendo a este contexto a literatura feminina, a literatura dos negros, a literatura dos gays, a literatura carcerária. Depois de tantos empecilhos a mulher pôde conquistar seu espaço no meio literário, graças a sua determinação e intelectualidade. Na realidade a sociedade excluía a mulher de atividades que desenvolvessem a liberdade de pensar, agir, discernir, fazendo-as submissas e dependes do sexo masculino em todos os sentidos.
Quanto à literatura feminina segundo a escritora Lúcia Castello Branco Moisés (1991, p. 13), afirma: “a escrita feminina, não sendo exclusivamente da mulher, mantém sempre certa relação com a mulher.” Ou seja, a literatura feminina está inserida nas emoções, alegrias e tristezas, desejos, medos, amores e dissabores; sentimentos angustiantes que precisam ser revelados, no entanto são exibidos atrás de um véu que atrapalha qualquer conclusão. Dando a impressão que este gênero se é que pode ser classificado assim, queira ser somente sentindo, não precisamente entendido.
Escritores masculinos consideram os escritos femininos subjetivos e impalpáveis. A mulher na poesia seleciona as palavras com requisitos simbólicos, utilizando assim a essência, a calma e a subjetividade, deixando então de ser somente musa inspiradora e passando a fazer parte do grupo de artistas e pensadores ao qual durante anos não pertenceu.
Atualmente vive-se uma grande conquista das minorias no Brasil onde o predomínio do machismo impera desde os tempos do Brasil – colônia. Em 2011 a população elege a primeira mulher para o cargo de presidente do país: Dilma Rousseff.
Após muitas lutas a favor dos ideais e do reconhecimento do intelectualismo feminino, o país elege uma mulher para representar a nação. Percebemos ao longo dos anos o quanto a mulher passou a ser reconhecida e respeitada pela sociedade se tornando mais um membro de grande importância para o desenvolvimento de um país.
Para as mulheres conseguirem este reconhecimento e o respeito que tanto almejaram tiveram que ousar e ter a consciência de que estavam agindo à frente de seu tempo, e que poderiam sofrer arduamente por suas ações, pois na época em que muitas quiseram mudar a sua realidade, acabaram sendo violentadas, abandonadas, assassinadas e postumamente esquecidas.
Nísia Floresta considerada precursora do feminismo no país é um grande exemplo de personalidade e determinação em diversas lutas sociais. Mesmo pertencente ao final do século XIX. Escreveu as obras: Direitos das mulheres se injustiças dos homens (1832), Conselhos à minha filha (1842), Fany ou o modelo das Donzelas (1847), Darcz ou a jovem completa (1847), A lágrima de um caeté (1849), Dedicação de uma amiga (1850), Opúsculo Humanitário (1853), Páginas de uma vida obscura - Um passeio ao aqueduto da carioca-Pranto filial (1854), Itinerário de uma viagem à Alemanha (1857), Cintilações de uma alma brasileira (1859), Três anos na Itália seguidos de uma viagem à Grécia (1864), Parsis (1867), Le Brasil (O Brasil)1871.
Tinha idéias e comportamentos avançados. Era abolicionista, republicana, possuía pensamentos positivistas, precursora do movimento a favor do voto, indianista e, principalmente, feminista, quando essa expressão ainda nem existia. Não havia espaço no Brasil da primeira metade do século XIX para uma mulher sozinha, expressando-se a favor da abolição dos escravos, da proclamação da república e ainda requisitando igualdade de direitos entre homens e mulheres. Nísia se comportou como uma mulher dos tempos atuais, dona de si mesma e de discursos altamente inteligentes. Constância Lima Duarte afirma:
Foi uma das primeiras a colaborar em jornais, a partir de 1830, em Recife, publicando mais tarde contos, poesias, novelas e ensaios periódicos no Rio de Janeiro. Envolveu-se plenamente com as questões culturais de seu tempo manifestando-as em sua militância que se abria em diversas vertentes. (2001, p. 194).
Nísia foi uma mulher a frente de seu tempo, e mesmo pertencente à classe das minorias resolveu mudar a sua realidade e a realidade de outras mulheres no Brasil e no mundo. Possuía também pensamentos revolucionários e inovadores, ela tinha o objetivo, de acordo com a pesquisadora citada, de conscientizar homens e mulheres sobre seus deveres e mudanças que estavam ocorrendo na sociedade. Nísia proclamava o direito da mulher à educação e ao trabalho, exigindo também o respeito e a igualdade perante os membros da sociedade.
Ainda menina, entre os 13 e os 14 anos, Nísia casou-se com um influente proprietário da região a quem abandonou, voltando à casa dos pais, em menos de um ano. Desafiando a sociedade e a família que não vêem com bons olhos o divórcio. Em seguida a família mudou-se para Pernambuco, onde a escritora enamorou-se e passou a morar com o acadêmico de Direito Manoel Augusto de Farias Rocha. Ali publicou seus primeiros artigos, discorrendo sobre a condição feminina, no Jornal Espelho das Brasileiras. Foi no Rio de Janeiro que publicou Conselhos à Minha Filha (1859), assinando na corte, já viúva, dedicou-se à educação fundando dois colégios, visando principalmente à preparação intelectual de meninas. Também colaborou com o Jornal do Brasil e o Jornal do Comércio, entre outras publicações.
A ousadia de Nísia Floresta custou-lhe também o ostracismo nos registros culturais do Brasil por um longo período. Resgatou sua vida e a sua obra, o trabalho de Constância Lima Duarte, editado em 1995, na qual a autora esclarece, por exemplo, que, Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens - primeiro livro publicado pela escritora - trata-se de uma tradução livre do livro da inglesa Mary Wollstonecraft. Segundo Duarte, Nísia criou uma obra nova a partir do texto da feminista inglesa, enfocando a situação da mulher no Brasil, os preconceitos e dificuldades enfrentados, ao mesmo tempo em que desmistificou a supremacia masculina. Nesta obra a escritora utiliza de fortes argumentos feministas que colocavam a mulher como ser igual ou superior ao homem:
Os homens parecem concluir que todas as outras criaturas foram formadas para eles, e ao mesmo tempo em que eles não foram criados senão quando tudo isso se achava disposto para seu uso. Eu não me proporia a fazer ver a futilidade desse raciocínio; mas concedendo que ele tenha alguma ponderação, estou certa que antes provará que os homens foram criados para o nosso uso, do que nós para o deles. (1832, p. 81)
Nessa citação observamos o poder do seu discurso, Nísia tinha como um dos objetivos provar para a sociedade, naquela época, o quanto a mulher era importante e capaz de se realizar através do seu intelectualismo. Participou de outras lutas e várias frentes, ela foi, acima de tudo, humanista, e abraçou todas as causas que acreditava que pudessem trazer mais justiça social às mulheres e aos homens. Entusiasta e determinada é considerada pioneira na luta pela igualdade e respeito pelas mulheres. Nesta obra, foi pinçado o seguinte trecho que ilustra o inconformismo de Nísia Floresta quanto à situação das mulheres na época:
Para nos dar um exemplo de sabedoria de seu sexo, ele nos diz que os mais prudentes entre eles têm julgado não ser preciso conceder as mulheres as doçuras da liberdade, mas sim conservá-las toda a sua vida em um estado de subordinação e dependência absoluta dos homens. A razão, que ele produz para sustentar esta tese tão extravagante, é que nós não somos capazes de nos governar a nós mesmas. (1832, p. 88)
Imagina-se o impacto do texto acima numa sociedade absolutamente patriarcal, na qual as mulheres tinham a função de agradar aos homens aos quais estivessem ligadas. Esta obra possui um caráter revolucionário que denuncia a supremacia masculina para com o sexo feminino. Nísia realmente foi ousada e determinada quando resolveu lutar pela igualdade entre os sexos, numa época em que nada lhe favorecia, isso mostra a grande personalidade e coragem que possuía para defender aquilo que tomava como ideal sem temer as diversas reações que os leitores iriam ter. Contribuiu imensamente para a literatura brasileira, Nísia se fez madura precocemente, abraçando causas sociais que só mesmo uma mulher com uma personalidade tão singular poderia abraçar.
Para que futuramente houvesse grandes transformações sociais e excelentes obras como as que aqui foram citadas. Foi preciso o país passar por grandes momentos históricos que contribuíram imensamente para as conquistas atuais. O Modernismo, por exemplo, foi um período muito importante para a evolução social, cultural, e político do país. É Neste período literário em que ocorrem grandes mudanças na sociedade e que tivemos atuações femininas de grande destaque como as escritoras Patrícia Galvão e Rachel de Queiroz.
Um nome que deve ser sempre lembrado, por sua luta contra o preconceito e discriminação da mulher, é o de Patrícia Galvão (Pagu), jornalista e poetisa brasileira que participou ativamente das revoluções do partido Comunista nas primeiras décadas do Século XX. Foi a primeira mulher a ser presa no Brasil por causa de assuntos políticos e, como tantas outras mulheres que lutaram e contribuíram para o crescimento e desenvolvimento do país, terminou esquecida pela sociedade. Juntamente com Oswald de Andrade funda o Jornal do povo, que durou oito anos e onde ela assina “A mulher do povo”. Tempos depois fundou na cidade de Santos a Associação dos Jornalistas e Profissionais de Santos. Percebe-se então o quanto Pagu esteve ligada ao jornalismo, deixando assim vários escritos em jornais em que trabalhou.
No século XX a grande revelação literária foi a escritora Raquel de Queiroz, nascida em Fortaleza no ano de 1910, tradutora, escritora, jornalista e dramaturga brasileira. É autora de destaque na ficção social nordestina, sendo a primeira mulher a fazer parte da Academia Brasileira de Letras. Dona das seguintes obras: O Quinze (1930), Caminhos de Pedra (1937), A donzela e a Moura morta (1948), Lampião (1953), A beata Maria do Egito (1958), O brasileiro perplexo (1964), Dora Doralina (1975) dentre outras. Escreveu crônicas e poemas de caráter modernista sob o pseudônimo de Rita de Queluz e obras a favor das lutas sociais, direitos das mulheres e idéias políticas socialistas. O romance “Caminho de Pedras” mostra claramente o estilo criado por Rachel: a documentação em romance de lutas sociais, sendo direta e objetiva nos diálogos e na ação. Sua característica diferente da maioria das outras autoras que defendiam o sexo mais que a literatura, sua idade, e a qualidade de seu romance fez com que causasse muita agitação e desconfiança no meio literário. Graciliano chegou a duvidar que as obras escritas por Rachel fossem realmente dela, pois achou os escritos maduros e enxutos para uma mulher escrever na época.
Segundo Heloísa Buarque de Holanda, podemos considerar Rachel de Queiróz a nossa romancista maior. Rachel foi a primeira mulher a ser realmente discutida e analisada pela crítica literária. Possui obras de caráter regionalistas, onde mostra a vida, costumes e conflitos de pessoas que vivem em lugarejos no nordeste do país. Voltada para o lado político e social, Rachel dona de punho altamente conciso e maduro explorou em seus romances problemas sociais temperados com críticas leves e humor, tornou-se a única mulher representante da literatura nordestina.
Em suas obras Rachel apresenta protagonistas feministas denunciando a situação da mulher em seu tempo. Exemplo disso é Noemi em Caminhos de Pedra, uma personagem que representa a situação sócio-política de algumas mulheres, com vontade firme, acostumadas a lutar como um homem pela vida. Nesse livro, ela expõe toda a ação sobre a desigualdade social da mulher.
Caminho de Pedras (1937) é uma obra que retrata a miséria, a forma como os operários viviam em Fortaleza, o preconceito contra a mulher, e denuncia a desigualdade política e social da época. Além de narrar à trajetória da personagem Noemi que irá caminhar sobre essas pedras para mudar a sua realidade enquanto mulher e membro ativo da sociedade.
A obra é narrada em terceira pessoa, observa-se que o narrador narra às situações e se mantém imparcial, com certa distância. Pelas ações dos personagens encontramos algumas críticas a respeito de vários problemas sociais, observe neste trecho:
O outro assentiu gravemente, baixando a cabeça. Tornou depois:
- E onde vai trabalhar?
- Trago umas cartas para uns gerentes de jornal. Uma para o Diário, outra para o Correio. Vou ver se pego qualquer vaga na reportagem ou na televisão.
O pedreiro parece que teve pena:
- É pior que se você tivesse que trabalhar de servente comigo. Em jornal “pagam uma miséria”. (2004, p. 12)
Além desse, a obra possui outros trechos em que abordam a incessante luta dos pobres pela melhoria de vida, e da luta feminina pelo espaço na sociedade. A personagem Noemi irá representar alguns papéis da mulher na sociedade, a mãe, a esposa, a moça da fotografia. E mais a frente na obra, irá se tornar a mulher divorciada, desempregada, mãe-solteira e militante.
A personagem Noemi representa uma mulher determinada que toma decisões e iniciativas sozinha. Mesmo sendo casada decidiu que iria participar dos movimentos revolucionários sabendo que seu esposo, João Jaques, não iria concordar. No decorrer da obra acaba se apaixonando por Roberto e decide se separar para viver essa paixão sem a culpa de estar traindo seu marido, e tomando esta decisão Noemi não se importou com o que seus vizinhos iriam comentar. Como se tratava de uma sociedade cheia de tabus com relação à mulher, Noemi perdeu o emprego, e a estima de alguns membros que possuíam este tipo de preconceito para com as mulheres separadas:
“Muito se comentou na rodinha da praça... Em geral condenavam Noemi... Na fotografia a coisa também mudou. Guiomar arranjava pretextos para não saírem mais juntas.” (2004, p. 71).
Era muito comum na época o preconceito por mulheres divorciadas, as famílias mantinham-se distantes e proibiam suas filhas a ter qualquer contato com uma mulher que não pertencesse mais ao seu esposo. Noemi estava exposta aos comentários sórdidos da “boa sociedade”. É muito interessante como Rachel utiliza esta situação para denunciar o olhar da sociedade sobre este assunto; encontramos a todo o momento na obra, situações como esta que servem para denunciar e fazer com que muitos leitores possam refletir sobre os preconceitos existentes na sociedade que serviram até hoje para atrasar o desempenho da mulher como cidadã e como ser igual.
Acreditamos que na realidade podemos encontrar muitas mulheres como Noemi que decidem sua própria vida, e que terminam sendo alvos de críticas. Rachel utiliza esse desfecho na sua obra para exibir a força feminina perante os obstáculos vivenciados a cada dia numa sociedade repleta de tabus que precisavam ser quebrados e desmistificados.
A mulher se descobre firme, forte e decididamente pronta para enfrentar perigosos desafios que a sociedade lhes impõe. Mesmo com dificuldades a mulher real assim como a personagem de Caminho de Pedras, encontra forças para ultrapassá-las. Dona de imensa sensibilidade, militante, também percussora Rachel de Queiroz será sempre lembrada e respeitada pela excelência de suas obras.
A literatura contemporânea espelha-se nos grandes acontecimentos e evoluções que ocorrem na sociedade. A música, o teatro, o cinema, assim como a literatura sofrem transformações para acompanhar o desenvolvimento de uma determinada sociedade. A escrita feminina é um exemplo de como a literatura em si, busca evoluir para a aproximação da realidade humana.
Contemporaneamente a mulher se sente mais livre para tratar de muitos assuntos, e ao longo do tempo a escrita feminina adquiriu uma imensa liberdade de expressão que a permite escrever e explorar em suas obras diversas temáticas. Como representante das obras contemporâneas, pode-se citar a escritora Martha Medeiros (1961), gaúcha de Porto Alegre, fez sua carreira profissional na área de Propaganda e Publicidade, como redatora e diretora de criação em várias agências daquela cidade. Em 1993, a literatura fez com que a autora, que nessa ocasião já tinha publicado três livros, deixasse de lado essa carreira e se mudasse para Santiago no Chile, onde ficou por oito meses apenas escrevendo poesia.
Suas principais obras são Strip-tease que foi seu primeiro livro publicado em 1985. O nono livro, Trem-Bala (1999) foi adaptado com sucesso para o teatro. Já o 11º livro, Divã (2002), deu origem a uma peça e depois a um filme, estrelados pela a atriz Lilia Cabral, no papel de Mercedes. Escreveu um livro infantil, Esquisita como Eu (2004), e os últimos são: Tudo que Eu Queria te Dizer (2007) e Doidas e Santas (2008). Ela escreve crônicas para o jornal Zero Hora de Porto Alegre e para O Globo do Rio de Janeiro.
Entre as obras citadas, escolhemos Divã como nosso objeto de estudo para fazermos uma breve análise sobre os elementos da narrativa. Publicada em 2002, Divã é uma obra de grande destaque para a Literatura brasileira e para a sociedade, pois mostra como a mulher está mais livre para discutir e escrever problemas como a sexualidade, família, maternidade, perdas, matrimônio, e outros problemas que a mulher do passado sempre enfrentou e jamais pôde comentar.
A obra é estruturada em 49 capítulos curtos e condensados com temáticas diferentes. Começando pelo tema que aborda o comportamento de uma mulher confusa com o papel que desempenha na sociedade:
Às vezes me sinto uma mulher mascarada, como se desempenhasse um papel na sociedade só para me sentir integrada, fazendo parte do mundo (...). Sou tantas que mal consigo me distinguir. Sou estrategista, trabalhadora, porém traída pela comoção, Num piscar de olhos fico terna, delicada, Acho que sou promíscua, Doutor Lopes. São muitas mulheres numa só. (2002, p. 10).
Nesta obra encontramos características de mulheres contemporâneas que usufruem de uma imensa liberdade existencial. Mercedes representa a mulher que estudou, trabalhou e conseguiu conquistar um espaço na sociedade. Assim, a protagonista narra a suas histórias, e cada capítulo corresponde a uma sessão de terapia com Dr. Lopes,
A obra é narrada em primeira pessoa, ou seja, a protagonista conta sua própria historia de forma cômica e irônica. Os conflitos femininos não são os mesmos que foram vivenciados no passado por mulheres que não tiveram a mesma liberdade existente no século XXI; os conflitos retratados nessa obra são outros. O medo das transformações da idade, o prazer de se sentir sempre jovem, as aventuras amorosas com rapazes mais jovens, o casamento que não existe mais etc.
No decorrer da terapia Mercedes fala de seus medos, anseios, abandonos, e uma série de sentimentos confusos que toda mulher possui. A mulher como escritora se sente mais livre para falar dos sentimentos que a perturbam a noite, ou simplesmente não a perturbam; o feminino possui uma grande sensibilidade e necessidade de expor pensamentos e sentimentos confinados dentre de si por algum motivo ou acontecimento, seja a morte da mãe, o divórcio, a carência, a dificuldade do orgasmo. A autora utiliza as relações humanas para tratar de vários conflitos existenciais, e ao mesmo tempo trata desses conflitos utilizando um leve toque de humor. Em Divã estão presentes inúmeros pensamentos femininos, e com certeza, muitas mulheres se encontram nas ações da personagem Mercedes por conta dos sentimentos atuais e aproximados a realidade de muitas mulheres na sociedade. Observa-se por este trecho da obra:
Filhos, quantos? Três respondo. E me ponho a falar deles como se só eu passasse trabalho, só eu juntasse suas roupas do chão, só eu me preocupasse com seu futuro: como tudo é velho no mundo das mães. Ela fala do seu casal de gêmeos: o garoto, estudante de engenharia; a garota ginasta. Maridos? Eu casada há 21 anos, ela casada há 22. Parecíamos duas detentas cumprindo pena. (2002, p.26)
Ou seja, Martha Medeiros nesta obra expõe as angústias e anseios de uma mulher plenamente contemporânea, Mercedes é uma mulher independente, não tem medo de expor seus desejos mais íntimos mesmo se tratando de confessar um caso com um rapaz mais jovem. Uma mulher que ama os filhos, mas que não dedica sua vida totalmente a estes, muito menos faz sacrifícios por suas proles. Professora, pintora, divorciada, amiga, mãe, mas tudo numa dosagem bem atual, bem esquecida de outros papéis femininos exercidos no passado. Trata-se de um monólogo, não há fala de personagens secundários, os quais aparecem na fala da narradora, ou seja, não existe dialogo, como exemplo, neste fragmento:
Mil. Pois os pais de Mil se separaram há três meses, e ela salivou quando disse isso. Casais se separam desde que o mundo é mundo, mas não entendi onde estava prazer da notícia “Coisa careta o casamento, né?”.
“Se um dia eu casar, vai ser pra morar junto”. Não estou enfeitando, foi bem assim que ela construiu a frase (2002, p.137).
Aqui a autora expõe a questão da separação, tão comum nos dias de hoje como também a desvalorização do casamento, e como os jovens preferem morar juntos a se casarem formalmente. O tempo passou e várias mudanças aconteceram na sociedade, principalmente os tabus relacionados à mulher. Citamos três grandes escritoras com suas obras em épocas distintas e percebemos o quanto evoluiu a escrita feminina juntamente com os seus ideais.
A obra Divã é uma prova de como a sociedade se modificou ao longo dos tempos, Martha com a sua escrita pôde representar a mulher atual com suas conquistas e desafios existentes no seu cotidiano. Utilizando a verossimilhança em cada conflito dessa obra, percebemos a imensa sensibilidade e criatividade na forma de escrever da escritora Martha Medeiros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos verificar através das pesquisas que fizemos para desenvolver este trabalho o quanto a mulher lutou para atingir seus objetivos, e ser reconhecida nos vários ofícios que esta se propôs dedicar.
Contemporaneamente no Brasil e em outros países as mulheres apreciam a liberdade e a igualdade conquistada, vestem-se a maneira que gostam, escolhem seu marido e sua profissão, estudam longe de casa, saem sozinhas, etc. No entanto, infelizmente mesmo se tratando de século XXI em alguns países a mulher continua vivendo retraída, submissa e ameaçada. A violência no mundo contra as mulheres tem sido o primeiro obstáculo vivenciado por estas na sociedade, e atualmente uma batalha travada por mulheres que lutam contra esse tipo de violência.
A escrita feminina realmente evoluiu e conseguiu reconhecimento na crítica literária através das escritoras que foram aqui citadas, dentre outras que também se dedicaram para este acontecimento. Cada uma das obras analisadas neste artigo, possui sua singularidade, foram escritas em épocas diferentes, todavia tinham os mesmo objetivos para alcançar.
Esperamos que outras mulheres como as aqui citadas possam com os caminhos abertos pelas precurssoras, surgir e produzir grandes obras para a literatura brasileira, com outros estilos; mas que sejam decididas, maduras e dispostas a lutar cotidianamente por mais respeito, por seu espaço na sociedade e meio literário.
REFERÊNCIAS
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QUEIROZ, Rachel. Caminho de Pedras / Rachel de Queiroz. – 12° ed. – Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.
MEDEIROS, Martha. Divã / Martha Medeiros. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
MOISÉS, Massaud, 1928. História da literatura brasileira.São Paulo: Cultrix, 1985.
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres / Michelle Perrot; (Tradução Angela M. S. Côrrea. – São Paulo: Contexto, 2007.
http://mulhereliteratura.blogspot.com/2010/03/reflexoes-sobre-literatura-feministahttp://educacao.uol.com.br/biografias
http://pt.shvoong.com/society-and-news/column/feminismo-literatura-brasil
http://www.cronopios.com.br/site/artigos
http://www.folha.uol.com.br/folha/brasil
http://www.pitoresco.com.br/brasil/anita/anita.htm