CRÍTICA LITERÁRIA

escrito por Hildeberto Barbosa Filho sobre o título:POESIA E SENTIMENTO.

Não se faz o poema apenas com o sentimento,mesmo que o sentimento

seja também uma dimensão da poesia,sobretudo qundo se pensa a poesia enquanto uma experiência do humano no seu intercâmbio com

as coisas e com o mundo.Há,na verdade,uma poesia das coisas,ou coisas com "vocação poética",como sugere Jean Cohen.Victor Hugo,por sua vez,afirma que "a poesia é aquilo que existe de íntimo em tudo".

mas essa vocação poética,essa íntimidade de tudo brotam da sensibilidade humana e se tece na relação do homem,do coração humano,com a realidade.

O poema,no entanto,é um segundo passo ou uma segunda categoria.

direi que é essencialmente uma categoria da linguagem,porém uma

linguagem que se pretende especial haja vista postular,na sua formulação,relações outras entre as palavras,composições outras entre

os signos,apelos originais do significante e significações novas e

surpreendentes.Se a poesia é relação com a vida,o poema é relação

com a linguagem,e a linguagem do poema não pode ser qualqer lin-guagem.

Rifaterre,por exemplo,vê no poema mais que um discurso literário não

poético,na medida em que o poema constitui um contexto específico

e fechado onde se processa a "obliquidade semântica"através de recu-

sos pelos quais a poesia transende o simples sentido comum dos textos miméticos para culmnar na significância,para ele,um nível mais

elaborado da hierarqua textual.Daí porque o poema é mais que a prosa

em termos de perscrutação da linguagem.Daí porque,como diz Mallarmé,o poema não se faz com idéias,mas com palavras.

É nessa clave - que tem seu teor teórico,crítico e pedagógico - que devo ler,entre tantos poetas emergentes na Paraíba,o jovem Joelson

Gomes da Silva,em seu livro de estréia,foi amando que aprendi a ser

poeta e outros poemas,de 1999

Parece-me que já a partir do título,espécie de síntese metapoética,se

sinaliza para um exercício mais de pura expessão do que prorpriamente

de construção,isto é,mais para ma das possibilidades da poesia do que do poema propriamente dito.Aliás,esses roteiros de uma possível

poética dos sentimentos ajustada a uma necessidade catártica de ex-

pressão,de certa maneira,se materializa na seção metalinguística Água

& Canção,cujos poemas giram em torno do motvo da própria criação poética.No espaço da enunciação,a poesia se impõe

"como a vida,/

o amor ou como o próprio Deus,"

sendo também "um eterno indefinível,/um eterno inexplicável./

um mistério.",

ou tantas outras formulações que em nada contribuem para uma con-

ceituação mais refinada e mais madura da poesia,do poeta ou do poema.

Para além da metalinguagem,Joelson Gomes da Silva experimenta o lirismo de índole amorosa,na primeira parte;o lirismo,direi místico e fi

losófico,em As armas da carne,e,finalmente,o discurso de paticipação social,em O vôo dos olhos,constituindo-se,assim,a obra em quatro blocos logicamente ordenados e,de certo modo,bem editado do pon-

to de vista temáico.

A lírica amorosa do poeta,salvo uma que outra imagem ou constução isolada no corpo dos poemas,não ultrapassa os limites do mais linear

confessionalismo onde a nota predominante,em termos de linguagem,

reside quer na impropriedade de certas fórmulas

"vulcanhosos seios" "saio de mim/ em jorro /pelo teu arranhão

vertical/ na carne em flor",

quer nos mais batidos lugares comuns da dicção sentimental

"era linda como o sorriso de Deus", "Na cama/ só o amor renasce/

das nossas cinzas"; " É tempo de paixão/amadurecer/ou enlouque

cer./eis a questão/do tamanho da escuridão."

Isto,quando o autor não consegue esconder certa indigência verbal em estrofes e versos que só depões contra a esteticidade da linguagem

poética,a exemplo do que vemos no texto A Paixão:

A Paixão

é pau

pra dar em doido

é enchente

nos sertões

dos corações

arrebentando

com as comportas

das emoções.

O poeta e professor Águia Mendes,que o prefecia,apesar de identificar,

e com razão,ecos visíveis da fala poética de Sérgio de Castro Pinto,Lúcio Lins e Chico Lino - eu acrescentaria o próprio Águia Mendes e outros,como José Rodrigues,Magno Meira e Antonio Mariano de Lima -

aponta maturdde,ctndo o poema as paisagens do corpo.Afora o peso

relativo da imagem dos três últimos versos

" o refúgio dos deuses,/dos nômades/e suas clavas de fogo",

o que resta do poema pouco remete para qualquer nível no qual o poeta

possa se mostra"maduro e muito pessoal",conforme afirma o autor de

Jardim da infância.

A dimensão filosófico e social da poesia de Joelson Gomes da Silva

mantém,de certa maneira,o mesmo percurso da urgência de dizer,o que o faz sucumbir sob os ditames da referencialidade sem que haja,de modo mais contínuo e sistemática,uma preocupação com o fazer poético.Quando tal existe,esta preocupação se perde e se dilui numa linguagem de segunda mão,nos moldes de vanguardismo óticos

pouco recomendáveis,sobretudo para os que se iniciam no domínio da

linguagem literária.Os exemplos são os textos:Mural poética,Lovecidade,Palíndromo e Vira e mexe.

Mas,segundo se lê na orelha do livro,o autor não pode ser inocente,

pois mantém intimidade com a poesia de Drummond,de Quintana,de

Bandeira,aentrando ainda outras ricas fontes literárias,como Machado de Assim e a Bíblia,o que me faz esperar sua continuidade poética,mas

principalmente que esteja a altura dos seus modelos.Afinal,como diz

Valéry.

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HILDEBERTO BARBOSA FILHO é poeta e professor da UFPB.

publicou:A Geometria da Paixão,O Livro da Agonia,São teus estes

boleros,O Exílio dos Dias,Desolado Lobo,A Comarca das Pedras,

Ofertório dos Bens Naturais,Caligrafia das Léguas.

Joelson Gomes da Silva
Enviado por Joelson Gomes da Silva em 30/05/2011
Reeditado em 31/05/2011
Código do texto: T3003929