O AMOR EM SEU ASPECTO BARROCO NAS CARTAS DE MARIANA ALCOFORADO

RESUMO

A epistolografia da freira Mariana Alcoforado, pertencente ao estilo Barroco, traz consigo uma grande carga de exageros na descrição do amor. As Cartas de Amor são compostas de cinco cartas, as quais são apresentadas apenas por um ponto de vista único que é a da própria freira. Dessa forma, o presente trabalho tem como objetivo analisar as características sentimentais e principalmente artísticas para comprovar a autenticidade de tais cartas poderem estar inseridas ou não como obras literárias da Escola Barroca Portuguesa.

Palavras-chave: Amor. Barroco. Literatura

1 INTRODUÇÃO

Surgida no século XVII no final da década de 60, as Cartas de Amor foram publicadas primeiramente na França como traduções de uns possíveis textos amorosos oriundos de um convento em Portugal, cuja autoria havia ficado em avulso, onde o editor esclarecia somente que seriam cartas de uma freira portuguesa destinadas a um oficial do exército francês.

Posteriormente, estudiosos de outras épocas conseguiram confirmar essas informações prévias, designando a freira Mariana Alcoforado como a autora das prosas já mencionadas e sendo Noel Bouton, ou conde de Chamilly, o tal oficial francês que teria usurpado o coração da jovem freira. Contudo, ainda existe atualmente quem questione essas afirmações. Mas lembramos que o presente artigo não tem como meta levantar hipóteses sobre a origem ou autenticidade das cartas de Mariana, pois essa é uma questão para outros momentos.

Explanaremos no decorrer do trabalho situações dentro da obra freirática, do ponto de vista estrutural e literário, para um melhor entendimento do estilo barroco ibérico seiscentista.

2 INDIVIDUALISMO AMOROSO: A AVENTURA FREIRÁTICA

É notório observar que durante toda a obra de Mariana Alcoforado o leitor só tem o testemunho pessoal da própria autora. Ela demonstra toda a sua problemática sentimental, sempre se colocando como vítima. O ponto de vista é limitado apenas à freira. Portanto, como aceitar totalmente sua mensagem se o receptor não teve contado com as possíveis cartas enviadas também pelo o conde Chamilly?

O leitor não deve mergulhar totalmente no que lhe é transmitido durante as cartas de amor. É preciso manter sempre a criticidade ativa para que não se estabeleça um senso único de aceitabilidade.

Os relatos desses acontecimentos envolvem uma freira portuguesa que, sendo jovem ou carente de afeto, e estando num ambiente religioso por obrigação, acaba-se envolvendo num relacionamento secreto com um soldado francês, onde tal atitude era bastante comum na época por não existir, na maioria das vezes, uma real vocação para o ofício sacerdotal. Porém, as informações presentes nas cartas não indicam necessariamente que tais atos possam ter sido realizados.

Em virtude da caprichosa elaboração da epistolografia, devemos nos recordar que Mariana era daquelas que mantinham contato constante com textos, livros, estabelecendo um vínculo com a leitura e a escrita. E que tais práticas poderiam ter causado na freira uma maneira de descrever, por meio do estilo prosador, nada mais que uma fantasia amorosa, já que os documentos existentes até hoje são somente as cartas feitas por ela. Não existe ou pelo menos nunca se encontrou as cartas do seu amante, logo há a possibilidade dele ser somente um personagem de ficção romântica criada pela freira em sua “condição de mulher”.

3 O SOFRER NA CONSTRUÇÃO DO PRAZER

Para demonstrar o caráter barroquino presente na obra em análise, temos de caracterizar o fazer da autora, como sendo uma demonstração do estilo conceptista, que é conceituado por Saraiva & Lopes (1955:503) como “o exercício da agudeza de engenho, o virtuosismo de um pensamento que procede por meio de subtilezas analógicas”. Há, de fato, uma incessante técnica por parte de Mariana ao formular o seu testemunho amoroso. Ela manifesta-o por meio de complexos e enfeitados enunciados, em termos ideológicos ou paradoxais, como no trecho: “Como é possível que lembranças de momentos tão agradáveis tenham se tornado tão cruéis? E – como que contra a natureza – não sirvam senão para tiranizar meu coração?”, onde é evidenciado aqui neste exemplo, além do jogo de ideias, uma valorização do sofrimento sentimental como elemento causador do prazer, além de uma concepção confusa, se não pelo menos contraditória, que é o agradável causando o cruel.

É nessa perspectiva que a obra se desenvolve. É dessa forma que a freira Mariana constrói sua dialética, sempre colocando a sua pessoa no papel de vítima, estruturando seu texto com artifícios extremamente exagerados como em: “Quantas lágrimas me custaram essa decisão! Depois de mil impulsos e mil incertezas que você nem imagina”, ou seja, ela é a única que aparentemente está sofrendo e que o outro não sabe sequer o tamanho do conflito sentimental que a freira se encontra, mas como se isso não fosse o bastante, ainda é colocado uma exaltação das palavras para demonstrar uma não simplicidade ao comunicar o acontecimento, que se evidencia nesta passagem pela presença dos termos “quantas” e “mil”. Tal enfoque é, tradicionalmente, uma característica barroca, tanto dos exageros como da dualidade expressiva, em que nas cartas são demonstradas, fundamentalmente, pela satisfação por meio da dor.

4 A ESCRITA TRABALHADA: AS CARTAS COMO LITERATURA

No ponto de vista literário, sabe-se que o estilo das cartas é de cunho barroco, pois constam-se nelas marcas tipicamente barrocas, como já foi visto até agora.

Há de fato literacidade na obra, em que podemos nos utilizar do que diz Vitor Manuel (1976:51) em relação ao tipo de linguagem normalmente existente em certos textos considerados como literatura:

"A linguagem literária é plurissignificativa ou pluri-isotópica, porque nela o signo linguístico, os sintagmas, as frases e as sequências transfrásicas são portadores de múltiplas dimensões semânticas, tende para uma multivalência significativa, fugindo da univocidade característica do discurso científico e didáctivo e distanciando-se marcadamente, por conseguinte, de um grau zero da linguagem."

Portanto, podemos entender que habitualmente um texto literário traz em si uma linguagem que não é constantemente univalente, ou seja, a mensagem contém dados que não são ou não podem ser interpretados ao pé da letra.

A significação está num plano artístico, e é função do leitor poder entender o possível ou possíveis sentidos que a locução sugere. Por exemplo, ainda em relação ao efeito excessivo barroco, podemos notar essa metaforização na passagem: “Mil vezes ao dia envio na sua direção os meus suspiros; eles procuram você por todos os lugares e, como recompensa para tanta ansiedade, não me trazem senão a mais franca advertência da minha má sorte (...)”. Como pode um suspiro procurar por alguém, e além disso trazer um comunicado ou advertência como retorno de sua jornada? Como se pode contar, com precisão, uma quantidade tão alta de suspiros durante o dia? E como se pode localizar a direção de uma pessoa que está distante do campo de visão e, no caso do conde de Chamilly, do campo territorial? Lógico que isso não passa de um sentido figurativo abusivo, já que estamos falando de uma obra literária tipicamente barroca e que, por conseguinte, mantém toda essa marca estilística enunciativa.

5 CONCLUSÃO OU CONSIDERAÇÕES FINAIS

A obra freirática de Mariana Alcoforado é carregada de sentimentalismo, o qual é mostrado de forma engrandecida por meio de hipérboles, além de se firmar num verdadeiro gozo através do sofrer.

Suas cartas são exímias exemplificações da Escola Barroca Portuguesa, tendo marcas de elementos literários estruturais, e até mesmo de traços contraditórios como o conflito entre o religioso e o carnal, ou seja, entre a doutrina católica de um Convento ao qual pertencia Mariana Alcoforado e aos desejos carnais e amorosos próprios do ser humano, em que ela vivenciou por meio de uma aventura perigosa com um oficial francês.

As Cartas de Amor são escrituras em que há a presença constante das ideologias tanto de uma Mariana freira como, e principalmente, de uma Mariana mulher.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUIAR E SILVA, Vitor Manuel de. Teoria da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1976.

ALCOFORADO, Mariana. Cartas de Amor. Tradução de Marilene Felinto. Rio de Janeiro: Inago, 1992.

SARAIVA, Antônio José & LOPES, Oscar. História da Literatura Portuguesa. 11. Ed., Porto; Coimbra; Lisboa: Porto; Arnado; Fluminense, 1955.

*esse artigo está presente no livro "A literatura e seus tentáculos: saberes e dizeres sobre a arte literária e sua essência". Carlos Gildemar Pontes (Org.). Bagagem editora e Acauã edições. 2011.