Os Outros não Mentirão
O problema é que a poesia não mente. O poeta sim, já nos dizia Pessoa. Mas aquilo que ele produzir conterá a sua verdade. Tão intrínseca quanto a possibilidade de o seu autor não tê-la admitido. O texto tem a sua força própria. Por isso é que tantas pessoas chegam a ver no texto coisas que o próprio autor jamais enxergaria.
Então a poesia fica por aí, catando temas para que nós possamos neles a encontrar. Talvez até se ria de nós, quando não a podemos perceber, apesar de ser tão clara a sua presença.
Ela está efetivamente em tudo. É uma deusa. Até na falta de imaginação vamos encontrá-la. E quantas vezes na incoerência? Na indecência, pieguice, peraltice, ficção científica. Somos tentados a considerar que a poesia estaria mais relacionada a situações de abstração. No entanto, talvez seja mais cuidadoso não termos tanta certeza, ou não encontraríamos uma "pedra pelo caminho..."
Podemos admitir que tratados científicos, textos eminentemente didáticos, bulas de remédios, manuais de utilização de equipamentos eletrodomésticos, etc. não conteriam qualquer conteúdo poético. Mas quem poderia garantir o mesmo a respeito das diversas formas em que se daria a utilização pelos humanos desses materiais escritos?
A matemática e a física, consideradas ciências exatas, não são o resultado de uma abstração? Quem poderia dizer que um texto é eminentemente isto ou aquilo? A poesia nos pegará de surpresa. Disso podemos ter certeza. Na esquina de uma rua, sobre uma lata de lixo, decorando o casaco de veludo de uma socialite ou permeando o discurso de formatura de uma turma de cadetes da Aeronáutica.
Em cada um desses casos, ou em todos os cantos em que pudermos evidenciá-la, a poesia nunca se furtará a uma manifestação, nunca será furtiva. Porque, em última análise, todos somos poetas. Ainda que não abramos a boca ou que não esbocemos um traço sobre o papel ou acionemos uma tecla no PC. A poesia nunca há de ser a mentira que saberíamos inventar.