Arte do Karatê versus Karatê Esporte

Iniciei na arte do Karatê-do quando ainda tinha 05 anos de idade (dias antes de completar 06 anos), na antiga Askase (Associação de Karatê de Sergipe), hoje, academia que leva esta sigla como nome. Tive a grata alegria de ter tido como Mestre e amigo, o Professor Fernando Rocha. Um entusiasta e defensor desta nobre arte marcial e que soube manter viva a filosofia de Okinawa comigo até esta data.

Ainda criança, fui ensinado da forma correta. Naquele ambiente de treino, não era lugar para brincadeiras. Mesmo com pouca idade, o respeito era imposto como tinha que ser. Impossível pensar adentrar ao tatami sem antes cumprimentar e sempre de pés descalços. A saudação ao Sensei (ele à época, hoje, Hanshi) era feita de joelhos e era obedecido a ordem de graduação por faixas.

A base era moldada a golpes de Shinai. Até hoje sei uma execução tranquila de mae geri, em razão da forma correta como me foi passada (muitas quedas no caminho). O kimono tinha que estar bem limpo e passado ferro. A faixa deveria estar sempre bem laçada. Detalhe, mesmo bem novo, tinha que ter o cuidado em deixar sempre a faixa arrumada da forma de costume, com respeito ao mestre (com o nome na faixa voltado para o mestre).

Os pais ou responsáveis poderiam até assistir ao treino, mas não abriam a boca para nada. Vale registrar, que algumas vezes o sangue mostrou sua presença e nem por isso, deixei de ter o respeito pela bela arte transmitida, pelo Mestre Gichin Funakoshi, cujo retrato sereno, está na maioria das academias da Karatê do mundo.

Com o Karatê aprendemos a defesa e nunca usar o conhecimento da arte para agredir pessoas, como infelizmente alguns professores, não só do Karatê, como também de outras artes marciais, ensinam em suas academias, como foi bem retratada no antigo filme de Karatê Kid (só uma ilustração conhecida), relançado recentemente em série. Porém, uma vez agredido e não havendo outra alternativa, o detentor do conhecimento da arte do Karatê fará uso do Ikken Hissatsu. Simples assim.

Pois bem, a arte das mãos vazias, ganhou o mundo e com isso, foi projetada para o ambiente esportivo. E neste ambiente, informo, o karatê aplicado nada tem a ver com a real arte da arte real do Karatê. Possuem até o mesmo nome, porém a filosofia é totalmente diferente. As regras de pontuação em campeonatos e as várias interpretações da arte do Karatê traduzidas para o campo do esporte, criaram uma outra ideia do Karatê, totalmente diferente daquela pensada pelos antigos mestres, numa época em que não usavam armas de fogo para proteção individual.

Muitos estilos foram criados por grandes mestres do Karatê, porém, nenhum deles pode ser aplicado com fidelidade na seara esportiva, por vários motivos e o maior deles, é o fato de que muitos praticantes do esporte desconhecem a arte do karatê. O objetivo é medalha, títulos ou premiação e não o respeito ao outro, ao seu oponente. Vencem, muitas vezes por Kiron que nunca existiu.

E todo lugar onde a ausência de lealdade ao outro ou a falha no uso correto da técnica, não haverá arte marcial, logo, não existirá o Karatê. Infelizmente, nós do ocidente perdemos muito ao longo dos anos, do que esta arte marcial nos ensinou. Por isso, no oriente, os exemplos de honra, força, disciplina, velocidade, boa alimentação e respeito, para a manutenção da arte do Karatê, afastam ainda mais a realidade deles em relação à nossa.

Não bastasse isso, a sociedade mudou. E mudou para pior. Na minha época, as chamadas de forma firme, por parte do mestre, em relação ao golpe mal executado, não era motivo de abandono do Karatê e nem dava o direito o pai ou mãe ficar contra o professor.

Para sobreviver da arte, muitos professores se submetem a tratar o Karatê em suas academias com o máximo de cuidado, pois muitos alunos são mimados e seus pais estimulam o mimo e a fraqueza em seus filhos. Muitos professores até possuem medo de serem processados por terem dito, em voz alta, o que o aluno precisava ouvir. Isto é uma realidade que perpassa por várias idades.

Assistindo as imagens dos campeonatos antigos, onde muitas vezes nem proteção bucal era usado (acho que deve ser usado), percebe-se a beleza dos golpes e um exemplo de luta entre competidores, comprometidos com a arte. Hoje, o que se observa, é uma falsa aplicação do karatê. E se você for assistir os campeonatos nos ambientes das escolas, ai é que as cenas de comédia fazem valer o seu comparecimento naquele encontro esportivo (vamos chamar assim).

Por incrível que pareça, encontro mais o empenho na aplicação da arte do Karatê em pessoas com mais de 40 anos, mesmo com as limitações que já aparecem, principalmente quanto à elasticidade física. As novas gerações, caso continuem no nível em que estão, irão sepultar de vez, não só o Karatê, como outras artes que outrora faziam orgulho aos praticantes.

Sou um eterno aprendiz e talvez por isso, vejo que a minha faixa preta é ainda muito pesada para mim. E, passados mais de 45 anos, com muitas interrupções por conta das minhas atividades profanas, tenho apenas a certeza que, o estudo desta bela arte marcial e os princípios aprendidos por meio dos ensinamentos do Mestre (que se diga de passagem, as aulas estão cada vez melhores), foram e são importantes para a minha formação pessoal.

E sinto quando vejo, as novas gerações deturpando uma arte secular, pois não possuem mais valores e princípios básicos para bem recepcioná-las, mesmo diante de tantas informações que possuem na palma da mão hoje em dia.

Por isso, você que está iniciando na arte do Karatê agora, preocupe-se menos com competições e busque conhecer a si mesmo e a filosofia basilar do Karatê. Leia livros antigos, a começar pelo “meu modo de vida”, do Mestre Funakoshi. Afaste-se de professores que estimulam brigas ou a violência. Treine respiração. Procure fazer alimentações leves. Mantenha o peso ideal para a sua idade. Treine todos os dias, mesmo que seja apenas uma sequência do primeiro Kata. Respeite seus mestres e os seus antepassados. Seja uma pessoa honrada. Lembre-se que o Karatê é para a sua defesa ou de quem esteja sofrendo uma injusta agressão. Caso precise usar a técnica, resolva em um único golpe. Uma vez na vida, vá a Okinawa. Oss.

ABCOUTO
Enviado por ABCOUTO em 10/11/2024
Reeditado em 10/11/2024
Código do texto: T8193543
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